35. Mande fotos de Roma!

Carolina Bataier
Piranhas
Published in
3 min readJan 10, 2022

Você se lembra de quando tínhamos 20 anos, você vivia sofrendo por aquele Mateus (Ou Matias? Marcos?) e eu falei que gostaria muito que a gente fosse como esses caras? Não igual a eles nessa coisa dos sumiços, mas na despreocupação. Lembra que falávamos sobre o quanto deveria ser bom não ter o romance perfeito como a perspectiva mais interessante da vida e encarar as coisas assim, tipo: “ela não me respondeu? Legal, vou jogar vídeo game”. E você concordou, lamentando por ser meio trouxa e fantasiar um amor com cada cara que parecia minimamente aceitável sendo que esse minimamente poderia significar apenas tomar banho. Lembra?

Enfim, o que eu quero dizer é que eu acho que a gente chegou lá. Não que a gente seja como os caras, nada disso, nós somos muito melhores do que eles.

Porque a gente foi criada para um romance. Não para jogar futebol, andar de skate, consertar carros e construir prédios, mas para cozinhar, balançar um neném nos braços, estar dentro do peso e tudo isso pressupõe um romance, um casamento, ou uma caçada incessante pelo macho que dará sentido à nossa existência. A gente vivenciou essa tragédia, as revistas contaram isso para nós, os filmes, as novelas todas e ainda assim você está assistindo a um campeonato de arremesso de bolos, que coisa mais inesperada e maravilhosa! Acho tão incrível pensar que minha amiga está viajando, vai para Roma sozinha, arrumou uns amigos na viagem e frequenta um bar numa vila no alto de uma montanha.

Enquanto isso, eu instalei um chuveiro, sabia? Mas não foi o meu, não, foi o chuveiro do Túlio (lembra dele? meu vizinho, o que me deu a Brócolis). Essa não é bem uma novidade, mas eu e Túlio continuamos amigos e eu sei instalar chuveiros já tem algum tempo.

Outro dia, Rafael me mandou mensagem, a mesma história de sempre, se eu desse mole ele me convidaria para um bar. Eu tenho carinho por ele, mas preferi tentar mais uma vez a receita do bolo de côco da minha avó e olha que era sábado. Deu quase certo, está cada vez mais macio, um dia eu chego lá. A cada receita errada, invento uma cobertura nova e vou me deliciando sozinha, é bolo para a semana toda. Se fica razoável, divido com os vizinhos, com Edu ou com as meninas do trabalho.

Falando em avó, quando ela morreu, minha mãe trouxe para casa uma caixa de fotos e documentos. Outro dia, inventei de remexer naquela papelada e encontrei uma foto da minha avó bem mocinha, em pé, com as mãos no guidão de uma bicicleta. Atrás estava escrito assim: Lembrança da praia de Santos: Ester & sua bicicleta. Janeiro de 1959.

Eu fiquei tão feliz em imaginar minha avó com seus 17 anos pedalando pela areia da praia! Anteontem, quando eu estava saindo para pedalar no fim da tarde, o porteiro alertou para que eu tomasse cuidado: a cidade tem estado muito perigosa, ele me disse. Tive vontade de perguntar para Davi, que também é ciclista, se algum dia ele já recebeu esse tipo de recomendação. Com certeza, não, porque as ruas ainda são perigosas para as mulheres, nunca para os homens, nós sabemos muito bem disso. Os alertas ainda são para nós.

Eu lembrei, também, de todas as conversas com meu avô e da lista de elogios à vovó, mas ele nunca mencionou as bicicletas. Nem ela, nunca me falou sobre esse talento, se é que podemos chamar assim a simples arte de pedalar. Deduzo que, depois do casamento, ela e a sua bicicleta tomaram rumos distintos.

Então, amiga, eu queria te dizer isso tudo. Seu e-mail me encheu de alegrias porque eu me peguei rindo com as surpresas da sua viagem e, depois, com as pequenas grandes bobagens da minha vida. Minha avó um dia parou de andar de bicicleta, mas eu sigo na estrada e vou cada vez mais longe.

Mande fotos de Roma!

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CAPÍTULO 36

Este texto faz parte da história “O mundo é pequeno para quem é piranha”. Clique aqui para ler o primeiro capítulo.

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