2. Microondas
Lambeu, das pontas do indicador e polegar, o pó verde sabor cebola&salsa. Despejou na palma da mão os últimos amendoins do pacote e mastigou de uma vez. Levou a cumbuquinha até a pia, pegou na geladeira o pedaço de queijo, cortou em cubinhos, colocou num prato, temperou com um fio de azeite e gotas de limão. Voltou para a sala, numa mão o pratinho com queijo, na outra a garrafa de vinho. Encheu a taça, tomou um gole, passou a ponta da língua sobre os lábios. Apertou com os dedos um pedaço de queijo, mastigou devagar. Levou a taça para perto do computador.
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Não vai ter chazinho, não, agora eu tô aqui com uma taça de vinho. Difícil essa sua comunicação, hein? Cadê vc no Whatsapp, mulher? Não viu as fotos por isso. Não tem rede social, perdeu, sinto muito. Acabei de ler mais uma vez o seu e-mail.
Eu chorei, sabia? Para mim não foi sermão, não. Foi uma declaração de amor e eu vou imprimir, sim, e colocar do lado da cabeceira, rs. De modo algum o Rafael estragou minha noite… Quando te escrevi, eu era só confusão, tristeza e ressaca, mas agora tô ótima, embora ainda um pouco reflexiva. Eu não entendo essa coisa de querer carinho, contato, acompanhar a minha vida, trazer presentinhos… Mas quando eu chamo para conversar, ele fala de ex, diz que tem saudades, que não quer se envolver com outras pessoas e que precisa de um tempo. Eu só tentei deixar tudo explicado, quando, na verdade, nem deveria ter convidado ele para a festa.
Já me incomoda faz tempo. Eu não tô pedindo um amor, não tô pedindo mãos dadas, data de casamento e dois filhos. Eu só quero honestidade. Se é só sexo, teremos só sexo. Mas eu também quero poder chamar quando tiver vontade, eu reivindico a liberdade de mandar o famoso “oi sumido”. Você acredita que na última vez eu comprei vinho, queijo e dois tipos de uvas? Às vezes fico pensando se sou só trouxa ou muito trouxa… rs. Me incomoda eu ser sempre a pessoa à disposição, a linda que compra bebidas e espera depilada. Enquanto isso, ele controla as demonstrações de afeto e, se eu convido para o meu aniversário e decido, no meio de uma conversa, falar de nós, dá nisso…
Depois daquela conversa, ele foi embora da festa. Eu só te contei a parte ruim, porque estava muito abalada, ainda, mas claro que foi uma noite linda. Te escrevi influenciada pela ressaca e pelo sentimento de desespero diante de um possível amor que acabou antes de começar (amiga, só neste ano já foram 3, eu não dou conta, não!). Bem sabe o pagode: não era amor (nem pegação), era só cilada mesmo. Se você tivesse whatsapp meu desespero seria bem menor, porque um áudio resolveria tudo. A ressaca deixa a gente doida, amiga. Teve até tequila, não sei se te contei… Eu nem lembro quando tinha sido a última vez, e dali ainda fomos pro karaokê, cheguei em casa às 6h, fazia anos que não via o dia nascer. Juntei aniversário com a comemoração atrasada do mestrado, foi lindo, eu merecia uma farra dessas. Acho uma pena você não estar aqui comigo, mas quando a princesa chegar vamos repetir as celebrações.
Eu tô enchendo a casa de plantas e tenho um novo vício: colorir vasos. Pintei uns para enfeitar a sala e ficou horrível. Levei tudo para a varandinha e inventei um conceito de decoração, mas ainda não tem nome. Vasos de plástico porcamente pintados em cores gritantes: em breve na casa Vogue, aguarde. As parcelas do carro estão pagas mas ainda não tem fogão nesta casa, te contei essa? Na mudança, vendi o antigo e ainda não comprei um novo, quero um bonitão, cromado, com forno enorme e poderoso, mas preciso pagar o cartão. Por enquanto, vou me virando com o microondas. Ontem fiz arroz e ficou bom! Só não deu para refogar, rs.
Ah! Tem mais uma novidade: voltei a conversar com o vizinho. Aquele mesmo, rs. Sei lá, né, período fértil vem aí.
Se cuida, piranha. Te amo.
