Gráfico Autistas contra a Covid-19, recorte sobre planos de saúde e acesso a atendimento médico/psicossocial.
Em um fundo roxo, na parte superior, há o logo do Comitê Autistas contra a Covid-19: ele apresenta o símbolo do infinito (colorido em azul, verde, amarelo e vermelho) na diagonal e, do lado direito dele, o nome do comitê. Na parte inferior do gráfico, separado por uma linha branca e também em fundo roxo, é apresentado o texto Recorte sobre planos de saúde e acesso a atendimento médico/psicossocial.

Recorte sobre planos de saúde | Pesquisa sobre autistas na pandemia de Covid-19

Neste recorte, foram analisadas as diferenças de perfil e acesso a atendimentos médicos entre as pessoas autistas que possuem ou não plano de saúde.

Talita Pagani
autistascontracovid19
7 min readJul 24, 2020

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O Comitê de Autistas contra a COVID-19 (CAVID) realizou uma pesquisa via questionário online de 26/05 e 21/06/2020 para entender o impacto da pandemia em pessoas autistas maiores de 12 anos. Esta pesquisa é a primeira de uma série que visa identificar demandas de autistas para gerar um manifesto que será compartilhado com o poder público.

Além de investigar aspectos no contexto da pandemia, o questionário de 16 perguntas buscou compreender o perfil das pessoas respondentes em diferentes dimensões, como mercado de trabalho, grau de instrução, acesso a atendimento médico ou psicossocial, aceitação da família e identidade de gênero.

Dada a riqueza de informações coletadas, os dados estão sendo analisados por recortes temáticos, para que cada tema possa ser explorado em profundidade. O William Silva já publicou o recorte sobre faixa etária e o Ricardo Oliveira sobre mercado de trabalho.

Comecei a atuar como voluntária ainda durante a coleta de dados e, neste artigo, trago a análise relacionada ao recorte sobre plano de saúde, correlacionando com outras vertentes da pesquisa.

Amostragem

A pesquisa teve 195 respostas, mas estou considerando 193 respostas válidas em minha análise, visto que duas pessoas respondentes eram pais/mães de autistas. A intenção foi analisar somente as respostas de pessoas autistas.

Como ainda não há estudos oficiais e precisos sobre a prevalência do autismo no Brasil, principalmente na fase adulta, não foi possível definir a significância estatística da amostragem. Porém, como um primeiro estudo, é uma quantidade considerável de respostas.

Método de análise

A variável principal da análise era a pergunta sobre a pessoa ter plano de saúde, onde ela poderia indicar “Sim” ou “Não”. A partir desta questão, realizei a segmentação e cruzamento com outras perguntas para identificar como o fato da pessoa possuir ou não plano de saúde impactava nas respostas.

Esta análise visava responder às perguntas:

  • Qual o perfil de quem tem plano de saúde?
  • Qual é a diferença de acompanhamento médico ou psicossocial entre as pessoas que possuem plano de saúde e as que não possuem?
  • Ter ou não plano de saúde impactou no acesso a acompanhamento médico ou psicossocial?
  • Autistas que não possuem plano de saúde e não fazem acompanhamento médico sentiram maior impacto da pandemia em suas rotinas?

Vamos começar entendendo o perfil das pessoas que possuem plano de saúde.

Quem são as pessoas autistas que possuem plano de saúde

A pesquisa teve um número tecnicamente equivalente de pessoas que possuem e não possuem plano de saúde: de 193 respondentes, 48% (92) possuem plano de saúde e 52% (101) informaram não possuir plano de saúde. Não foram feitas perguntas para entender se a pessoa possui o plano de saúde como titular ou dependente. Podemos assumir que as pessoas que trabalham podem ter plano de saúde como titulares.

O perfil das pessoas é similar nos dois grupos quanto ao diagnóstico e à faixa etária: a maioria são autistas com diagnóstico formal de 19 a 40 anos. Vale salientar que, entre os autistas com diagnóstico formal (136), exatamente metade não possui plano de saúde. Já entre os autistas com autodiagnóstico (48), a maioria (62,5%; 30) não possui plano de saúde.

Em relação à identidade de gênero, os perfis se diferenciam entre os grupos: 50% dos autistas que possuem plano de saúde se identificam como mulher (cis ou trans), enquanto 37% se identificam como homem (cis ou trans) e menos de 8% indicaram identidades de gênero como não binário, gênero fluido ou agênero; dos que não possuem plano de saúde, pouco mais de 45% se identificam como homem, enquanto cerca de 40% se identificam como mulher e 9% descreveram outras identidades de gênero.

Nota: não realizei uma análise mais aprofundada em questões de composição familiar, perfil demográfico, profissão e orientação sexual.

A Figura 1 apresenta um infográfico comparando o perfil das pessoas que possuem e não possuem plano de saúde.

Infográfico do perfil de pessoas que possuem plano de saúde. Descrição na legenda.
Figura 1 — Infográfico do perfil de autistas que possuem ou não plano de saúde. A imagem é dividida em 2 partes: do lado esquerdo, informações que quem possui plano de saúde (gráficos em tons de verde) e, do lado direito, de quem não possui (gráficos em tons de roxo). Quem possui plano de saúde: 92 autistas ou 48%; quanto ao diagnóstico 74% (68) têm diagnóstico formal, 20% (18) autodiagnóstico e 6% (6) preferiram não responder; quanto à faixa etária, 9% têm de 12 a 18 anos, 36% de 19 a 29 anos, 41% de 30 a 40 anos, 13% têm mais de 40 anos e 1% preferiu não responder; quanto ao gênero, 50% se identificam como mulher (cis ou trans), 37% se identificam como homem (cis ou trans), 7,6% se identificam como não binário, gênero fluido, neutro ou agênero e 5,4% não definiram ou preferiram não responder. Quem não possui plano de saúde: 101 autistas ou 52%; quanto ao diagnóstico 67% (68) têm diagnóstico formal, 30% (30) autodiagnóstico e 3% (3) preferiram não responder; quanto à faixa etária, 6% têm de 12 a 18 anos, 39% de 19 a 29 anos, 44% de 30 a 40 anos, 9% têm mais de 40 anos e 3% preferiu não responder; quanto ao gênero, 45,5% se identificam como homem (cis ou trans), 40,5% se identificam como mulher (cis ou trans), 9% se identificam como não binário, gênero fluido, neutro ou agênero e 5% não definiram ou preferiram não responder.

Plano de saúde vs. inserção no mercado de trabalho

Ao relacionar a informação sobre ter plano de saúde e empregabilidade (Figura 2), identifiquei que pouco mais da metade dos autistas que possuem plano de saúde trabalham (53,3%; 49) e pode-se assumir que o plano de saúde é provavelmente um benefício trabalhista.

Quase metade (47%; 43) dos autistas que possuem plano de saúde mas não trabalham podem ser dependentes do plano de seus pais/mães ou companheiros(as). Dos autistas que não possuem plano de saúde, 62% (63) não trabalham e 38% (38) trabalham.

Figura 2 — Respostas à pergunta “Você trabalha atualmente?” segmentada por quem possui plano de saúde e quem não possui, apresentadas em um gráfico de barras. Das pessoas que possuem plano de saúde: 53% trabalham e 47% não. Das pessoas que não possuem plano de saúde: 38% trabalham e 62% não fazem.

A presença da pessoa autista no mercado de trabalho pode impactar em possuir um plano de saúde e ter acesso aos tratamentos. Se a pessoa autista trabalha, há mais chances de possuir um plano de saúde e ter acesso a acompanhamento médico ou psicossocial, como será mostrado no próximo tópico.

Porém, essa diferença ainda é pequena. De cada 10 autistas que trabalham, podemos estimar que somente 5 ou 6 teriam plano de saúde.

Plano de saúde vs. acompanhamento e atendimento médico ou psicossocial

O impacto da falta de plano de saúde começa a ser percebido nas questões sobre acompanhamento médico/psicossocial e acesso a atendimentos.

Das 92 pessoas autistas que possuem plano de saúde, 82% (75) fazem acompanhamento médico/psicossocial, enquanto isso acontece somente com 46% (46) dos 101 autistas que não possuem plano de saúde (Figura 3).

Gráfico de barras sobre acompanhamento médico/psicossocial. Descrição completa na legenda.
Figura 3— Respostas à pergunta “Você faz acompanhamento médico/psicossocial?” segmentada por quem possui plano de saúde e quem não possui, apresentadas em um gráfico de barras. Das pessoas que possuem plano de saúde: 82% fazem acompanhamento e 18% não fazem. Das pessoas que não possuem plano de saúde: 46% fazem acompanhamento e 54% não fazem.

Para fins de comparação, podemos dizer que 8 a cada 10 autistas que possuem plano de saúde fazem acompanhamento médico, enquanto esse número cai para 4 ou 5 a cada 10 quando a pessoa não possui plano (Figura 4).

Infográfico de pictogramas das pessoas que fazem acompanhamento médico/psicossocial. Descrição completa na legenda.
Figura 4 — Infográfico comparativo das pessoas que fazem acompanhamento médico entre as categorias de quem possui ou não plano de saúde. Para cada categoria, as informações são representadas em uma linha de 10 pictogramas (ícones) de pessoas. Os pictogramas verdes representam “Sim” e os pictogramas roxos representam “Não”. Na primeira linha, dos autistas que possuem plano de saúde, 8 de 10 fazem acompanhamento médico. Na segunda linha, de autistas que não possuem plano de saúde, 4,6 fazem acompanhamento médico.

Ao perguntar se a pessoa teve acesso a algum atendimento médico ou psicossocial online durante a pandemia desde que começou a quarentena, a maioria de respondentes apontou que não teve nos dois grupos, mas diferença foi consideravelmente maior entre autistas que não possuem plano de saúde. Enquanto 51% (47) das pessoas que possuem plano de saúde não teve acesso a atendimentos online na quarentena, este número sobe para 71% (72) entre os que não possuem plano de saúde (Figura 5).

Gráfico de barras das pessoas que tiveram acesso a atendimento médico/psicossocial. Descrição completa na legenda.
Figura 5 — Respostas à pergunta “Você teve acesso a algum atendimento médico/psicossocial online desde que começou a quarentena?” segmentada por quem possui plano de saúde e quem não possui, apresentadas em um gráfico de barras. Das pessoas que possuem plano de saúde: 49% tiveram acesso a atendimento e 51% não tiveram. Das pessoas que não possuem plano de saúde: 29% tiveram algum atendimento e 71% não tiveram.

As pessoas que possuem plano de saúde e já faziam acompanhamento, continuaram a ter acesso a atendimento médico ou psicossocial de forma online. Das 75 pessoas que possuem plano de saúde e já faziam acompanhamento médico ou psicossocial, 57,3% (43) tiveram atendimento (Figura 6).

Segmentação do acesso a atendimento médico por plano de saúde e tratamento existente. Descrição completa na legenda.
Figura 6 — Segmentação do acesso a atendimento médico/psicossocial entre quem possui ou não plano de saúde e quem faz ou não acompanhamento médico, resultando em quatro grupos de gráficos de barras. Os números são apresentados de forma absoluta. Das pessoas que possuem plano de saúde e fazem acompanhamento: 43 tiveram acesso a atendimento e 32 não. Das pessoas que possuem plano de saúde e não fazem acompanhamento: 2 tiveram acesso a atendimento e 15 não. Das pessoas que não possuem plano de saúde e fazem acompanhamento: 21 tiveram acesso a atendimento e 25 não. Das pessoas que não possuem plano de saúde e não fazem acompanhamento: 8 tiveram acesso a atendimento e 47 não.

Entre as 46 pessoas que não possuem plano de saúde mas faziam acompanhamento médico ou psicossocial, somente 45,6% (21) tiveram atendimento online após o início da pandemia. Porém, mesmo com acesso a atendimento, estas pessoas relataram diversas barreiras que elas recomendaram ser abordadas no manifesto:

  • Despreparo dos profissionais de saúde;
  • Dificuldade em cumprir os tratamentos médicos;
  • Dificuldade de acesso aos remédios;
  • Falta de inclusão, acessibilidade e diagnóstico para pessoas de baixa renda e autistas adultos;
  • Atendimento online de forma desigual em comparação ao atendimento presencial.

Plano de saúde vs. impacto da pandemia na rotina

Ao questionar se a pandemia provocou mudanças drásticas na rotina, foi possível observar que a pandemia afetou igualmente autistas que têm ou não plano de saúde (Figura 7), assim como respondentes que fazem ou não fazem acompanhamento médico/psicossocial (Figura 8).

Figura 7 — Respostas à pergunta “A pandemia de Covid-19 provocou alguma mudança drástica em sua rotina?” segmentada por quem possui plano de saúde e quem não possui, apresentadas em um gráfico de barras. Das pessoas que possuem plano de saúde: 84% tiveram mudanças na rotina e 16% não tiveram. Das pessoas que não possuem plano de saúde: 86% tiveram mudanças na rotina e 14% não tiveram.
Figura 8— Segmentação do mudança de rotina relacionada à pandemia entre quem possui ou não plano de saúde e quem faz ou não acompanhamento médico, resultando em quatro grupos de gráficos de barras. Os números são apresentados de forma absoluta. Das pessoas que não possuem plano de saúde e não fazem acompanhamento: 47 relataram impacto na rotina e 8 não. Das pessoas que não possuem plano de saúde e fazem acompanhamento: 40 tiveram mudanças na rotina e 6 não. Das pessoas que possuem plano de saúde e não fazem acompanhamento: 15 apontaram mudanças drásticas na rotina e 2 não. Das pessoas que possuem plano de saúde e fazem acompanhamento: 62 indicaram que houve mudança na rotina e 13 não.

Analisando os diferentes cenários, a pandemia provocou mudanças para uma média de 85% dos respondentes, portanto, possuir plano de saúde ou fazer tratamento não foi determinante neste quesito. Mesmo com acesso a atendimentos, pode-se perceber que este tem sido um período difícil e desafiador para grande parte das pessoas autistas, pela quebra abrupta de rotina.

Considerações finais

O plano de saúde pode ser um facilitador na vida da pessoa autista, permitindo que ela mantenha o acompanhamento médico mesmo à distância. Porém, isso não pode se restringir ao atendimento particular por meio de planos de saúde: o acompanhamento médico ou psicossocial, seja presencial ou online, precisa estar presente em políticas públicas.

Os resultados apontam também que a maioria das pessoas que não teve atendimento médico durante a quarentena não trabalha no momento e, consequentemente, não possui plano de saúde. Dessa forma, a não inclusão da pessoa autista no mercado de trabalho pode dificultar o acesso a tratamentos médicos ou psicossociais no cenário atual e, com isso, impactar na qualidade de vida.

Vale ressaltar que somente o acesso aos tratamentos médicos ou psicossociais não é suficiente. É preciso se atentar se eles estão sendo feitos de forma apropriada, adaptada às necessidades de cada pessoa e, sobretudo, de modo respeitoso. Vários autistas apontaram a falta de acompanhamento online, o tratamento desigual, a dificuldade no acesso às terapias, a ausência de tratamentos e a falta de acompanhamento médico pelo SUS.

Continue acompanhando o perfil da CAVID aqui no Medium para receber as próximas análises de recortes específicos.

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Talita Pagani
autistascontracovid19

Consultora de Acessibilidade na Utilizza | Neurodivergente | Mestre em Acessibilidade Web | GAIA — Autismo