Análise | PC Building Simulator (PC)

Título acumulou parcerias ao longo do acesso antecipado e oferece bom potencial didático para iniciantes, mas falhas perceptíveis.

Rafael Smeers
Aventurine Brasil
12 min readFeb 1, 2019

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Art © by Irregular Corporation

Depois de um longo período de acesso antecipado (período em que o jogo gradualmente recebeu aprimoramentos) com dois adiamentos de data de lançamento (devido o aumento do número de parceiros e consequentemente da variedade de conteúdo), PC Building Simulator foi oficialmente lançado em 29 de janeiro de 2019, esbanjando novas parcerias importantes como da NVIDIA e Thermaltake. O objetivo do título é desafiar o jogador a manter o seu próprio negócio de reparos e construções de computadores e oferecer simulações precisas de software, além de peças reais (com design e especificações verdadeiras) e de um modo sandbox onde o usuário pode criar suas máquinas sem se preocupar com orçamentos.

Desenvolvido por Claudiu Kiss em parceria com a The Irregular Corporation, o simulador está disponível exclusivamente para PC (via Steam) e conta também tanto com um modo didático para iniciantes quanto sistemas um pouco mais complexos (como overclocking e liquid cooling) para entusiastas.

A parceria dos desenvolvedores com tantas produtoras de hardware e periféricos permite a disponibilização de peças existentes na vida real.

O jogo conta com localização para o Português Brasileiro.
Não possui modo multiplayer local e/ou online.
Esta análise contém spoilers leves.

Enredo

Não são poucos os simuladores em que herdamos um negócio de nossa família e PC Building Simulator não é exceção. No modo carreira, o jogador assume o papel do sobrinho de um inexperiente e descuidado técnico de informática denominado Tim. Depois de descobrir que os negócios não iam bem, Tim decidiu passar sua oficina de computadores para seu sobrinho (o jogador) com a expectativa de que talvez ele tivesse mais sorte. E o termo adequado é esse mesmo — sorte — porque desde o começo podemos entender que nosso tio não está disposto a cooperar. Inclusive, tem um detalhe: a empresa ainda é dele.

A conta está zerada, as contas de serviço chegam no meio do mês e Tim ainda pegou 15 dólares emprestados pra gasolina. Uma bela maneira de começar, não é mesmo?

E é assim que a sua jornada de “reviver” a empresa começa. Através da caixa de entrada de seu email, o jogador confere serviços disponíveis junto de pequenas (ou cômicas e longuíssimas) descrições da situação. É por esta mecânica que o habitual foco do enredo de jogos do gênero — as relações entre prestador de serviços e clientes—se constrói.

Tem maluco de todo tipo, desde gente sem noção de orçamento até moderador de site de cobertura de filmes fanático por quantia de armazenamento, passando por verdadeiras pérolas da informática. A disponibilidade de localização para o Português Brasileiro facilita o entendimento para quem não é proficiente no Inglês, mas comete vários erros básicos (alguns deles claramente por falta de proofreading e má interpretação de contexto) apesar de se esforçar. A maioria desses erros não atrapalha no desenvolvimento do enredo, mas podem gerar confusões na hora de entender o funcionamento de uma ferramenta ou de comprar uma peça para um cliente.

Ok, tenho de admitir: “Zeca Reca e as Xícaras Malucas — Uma História de Fondbuster” foi uma boa sacada de localização.

Ao passar do tempo, novas funções contribuem para construir os casos de relação entre prestador de serviços e clientes, como por exemplo um site de avaliação de empresas onde seus trabalhos anteriores resultam em comentários e notas de uma a cinco estrelas. Esta avaliação depende do quão bem o cliente foi atendido e geralmente pequenos pedidos opcionais (como a preferência por uma cor de cabos) garantem um bônus ao resultado.

Acredite: as habilidades do tio Tim nunca deixam de surpreender — ou seria desapontar?

Através do aumento gradual de reputação novos tipos de serviços podem ser aceitos e a empresa pode se “reerguer” como uma boa opção entre os clientes. Por essa popularidade, o jogador deve acumular dinheiro para então comprar a empresa de seu tio e se tornar o novo dono.

No final das contas, o fator enredo do simulador acaba por ser suficiente e apresentar alguns personagens memoráveis, apesar dos emails enviados por clientes comuns (gerados aleatoriamente e sem características específicas) eventualmente se tornarem repetitivos. Aproveitando — vale notar que o modo carreira (e de certa forma consequentemente o enredo) não tem um fim, e depois de alcançar o auge do desenvolvimento de sua empresa, o jogador passa a receber apenas serviços gerados de forma aleatória.

Gameplay

O menu principal oferece de forma minimalista três opções ao jogador: “Carreira”, “Como Montar um PC” e “Montagem Livre”. Começaremos explicando o modo “Como Montar um PC”, a opção de início mais provável para iniciantes, mas que também pode ser útil para que os controles do simulador sejam compreendidos.

“Como Montar um PC”

Ao clicar na opção, o jogador será levado a nada mais nada menos do que uma bancada em uma sala vazia, onde aprenderá a instalar os componentes de um computador em um gabinete vazio. Janelas de texto explicam desde a remoção dos painéis laterais do gabinete até o ligamento do computador após a montagem completa.

Breves explicações aparecem expondo o nome e a função geral da peça sobre a qual o mouse está.

Um dos pontos mais interessantes é a forma com que o jogador pode inspecionar algumas peças no inventário deste modo, clicando em partes específicas para descobrir a contribuição delas para o funcionamento da peça como um todo. Basta clicar na aba desejada e as informações aparecerem.

O uso de parafusos e o ligamento de cabos também estão inclusos na explicação como parte dos procedimentos de montagem do computador. Os controles são expostos na parte inferior da tela para contribuir com novos jogadores, e é neste ponto em que mais uma pequena imperfeição da localização para o Português Brasileiro se revela (apesar de não atrapalhar no entendimento da instrução em si): o texto é muito grande para caber na tela e acredite, essa não é a única situação em que isso acontece.

Em termos gerais, o modo “Como Montar um PC” ensina os básicos de forma detalhada e contribui de forma efetiva para desmascarar o mito de que montar um computador é um bicho de sete cabeças. Porém, faltaram algumas instruções quanto aos cuidados necessários na hora de manusear certas peças e tutoriais de overclocking e liquid cooling, que poderiam ser úteis pra quem já sabe o básico mas gostaria de ir além disso.

“Carreira”

Como citado na seção enredo, o modo carreira se baseia no completar de serviços para ganhar três recursos importantes: dinheiro para investir, experiência para subir de nível (consequentemente desbloqueando novos instrumentos de trabalho) e reputação para passar a receber serviços mais complexos. Inicialmente, a maioria dos serviços recebidos estão relacionados à remoção de vírus, troca de componentes simples e limpeza de gabinete.

Cada um desses casos exige um procedimento diferente. A remoção de vírus requer que o jogador instale e execute um antivírus no computador do cliente com o uso de um pendrive, enquanto a troca de componentes requer a compra de novas peças na loja (com correto planejamento de tempo de entrega) e a limpeza de gabinete se dá pelo uso de um tubo de ar comprimido infinito. A verdade é que esses serviços iniciais se tornam enjoativos rapidamente e requerem pouco esforço, mas são necessários para dar tempo para que o jogador se habitue com a rotina.

Mesmo os procedimentos mais simples contam com algumas explicações para ajudar o jogador.

Os serviços se tornam mais complexos ao passar do tempo de forma que os desejos dos clientes são expostos de forma mais subjetiva, dando um pouco mais de liberdade ao jogador e algumas vezes até criando abertura ao erro. Existem, por exemplo, situações em que o orçamento oferecido pelo cliente é muito baixo para o upgrade que ele deseja, assim como clientes que não tem certeza do que há de errado com seu computador, fazendo com que o jogador tenha de descobrir por si mesmo — pelo menos até certo ponto.

O problema é que mesmo nessas situações o jogador não tem de descobrir completamente por si mesmo. Algumas telas azuis ao ligar esses computadores com “problemas de origem misteriosa”, por exemplo, entregam de bandeja a fonte do agravamento. Apesar do intuito didático do simulador provavelmente ter sua parte de culpa em relação a este fator, são imperfeições deste tipo que distanciam PC Building Simulator do realismo e acabam por desagradar entusiastas.

E nem pense em tentar ligar o computador sem um teclado conectado. O boot não vai acontecer…

E isso ocorre ao mesmo tempo em que algumas mecânicas tentam aderir ao realismo (como as parcerias, a preferência de alguns clientes por peças novas e a necessidade de apagar as luzes ao sair para evitar o encarecimento da conta de luz) e a simulação de relação de dados e especificações, por exemplo, posa de função atraente. Essa mistura leva a questionamentos sobre o que o simulador realmente quer conquistar, fazendo com que pequenos problemas interrompam o fluxo e o intuito (como já dito, um pouco ofuscado) da experiência.

Essa mesma quebra de realismo acontece pela forma com que desafios iniciais são colocados de lado para focar em novas complexidades. Aparafusamentos e a conexão de cabos, por exemplo, são atividades que se tornam repetitivas ao longo do tempo, e a solução do jogo para isso é a disponibilização de ferramentas de conexão automática de cabos e de aparafusamento mais veloz. Além de apresentarem preços absurdamente altos (que fazem sentido no design da jogabilidade por serem upgrades sem limite de uso), não existem animações que as tornem um pouco mais realistas

Também é questionável a forma pela qual algumas mecânicas se mantém bloqueadas até níveis mais altos enquanto podiam ser aproveitadas de forma especial por entusiastas. Um exemplo é a impossibilidade de realizar overclocking abaixo do nível 6: se de alguma forma fosse possível desbloquear essa mecânicas mais cedo, o jogador poderia tentar cumprir serviços que exigem uma pontuação específica no 3DMark sem adquirir novas peças, simplesmente explorando as capacidades de overclocking do computador de forma inteligente.

Enquanto alguns fatores (como a disponibilização do armário e de mais duas bancadas) garantem bom senso de progresso ao jogador, também é difícil não cogitar o quanto alterações mais significantes na oficina seriam interessantes. Tratam-se de especificidades que número algum de variedade de peças pode suprir, e que geralmente estão presentes em outros jogos do gênero.

Outro problema é a “aparição” de deveres extras. Neste caso, o intuito do serviço era diagnosticar e consertar o problema — mas o jogo deixa para adicionar o detalhe de que a peça não pode ser inferior que a anterior só depois que você já fez a troca.

Desta forma, o modo Carreira também apresenta certo potencial didático assim como o “Como Montar um PC”, mas cria brechas para a percepção de vários problemas que podem tornar a experiência ao longo prazo um tanto quanto desgastante, desperdiçando potencial e ficando “em cima do muro” quanto a focar em ser uma jornada didática ou um simulador realista.

Existem várias outras imperfeições que acabam tirando o charme de pequenos “enfeites” como a disponibilização do wallpaper do seu computador como opção de wallpaper dentro do jogo, como o aviso de incompatibilidade de peça no inventário não priorizar a compatibilidade com a placa mãe em vezda compatibilidade com outras peças do mesmo tipo e a exposição das especificações atuais de um computador em vezdas iniciais por email, gerando possíveis confusões na hora do serviço. Afinal, como você pode fazer um upgrade em relação a uma peça se ela estava quebrada e você a vendeu, não se lembrando qual ela era e não podendo contar com a ajuda da janela de especificações?

As vezes você se depara com isso e só se dá conta que o jogo estava falando de incompatibilidade Crossfire/SLI e não com a placa mãe em si tarde demais.

“Montagem Livre”

O modo “Montagem Livre” é a opção sandbox do jogo. Nela você pode utilizar todas as mecânicas oferecidas pelo simulador livremente, sem se preocupar com custos, datas e derivados. Esta é possivelmente a opção mais atraente para entusiastas, considerando o fácil acesso às mecânicas que podem ser de seu interesse: testes no 3DMark, liquid cooling e overclocking.

Sempre quis fazer experiências insanas de overclocking sem perder dinheiro e explodir sua casa ao mesmo tempo? Essa pode ser sua oportunidade.

Também se trata de uma boa opção para conferir a disposição de peças dentro de diferentes gabinetes e conferir de forma mais apurada qual seria o visual e desempenho médio de uma build com peças específicas. Mas mesmo neste modo algumas imperfeições assombram a vida dos entusiastas.

Não existe, por exemplo, uma forma de testar o desempenho do computador em diferentes resoluções e as opções de filtro (no caso de coolers por soquete, fluxo de ar e altura) no inventário são inexistentes. E pra ser sincero, mesmo que o jogo exponha algumas funções como o upload de resultado de testes ao Time Spy Hall of Fame do 3DMark, a maior parte das atividades disponíveis no modo “Montagem Livre” são para finalidade própria, ou no máximo para compartilhar o visual de builds com amigos e atividades derivadas.

O “valor de mercado” de cada build estipulado pelo jogo desconsidera possíveis variações nos preços das peças e é inevitável citarmos que a ausência de alguns tipos de peças (como sound cards) no jogo por si só já prejudicam o potencial do modo. Futuras atualizações — e quem sabe suporte ao Steam Workshop — podem contribuir para que o modo se torne mais interessante no futuro. As vezes até pequenas adições (como os cabos de cores diferentes adicionados durante o período de acesso antecipado) fazem a diferença neste tipo de modo de jogo.

Complexidade

Se torna um pouco difícil falar de um “fator complexidade” de PC Building Simulator visto que, como citamos, mecânicas um pouco mais realistas se misturam o tempo todo com quebras de expectativa que procuram ser amigáveis aos menos experientes. Dito isso, a maior parte do conteúdo post game do simulador se encontra no modo montagem livre através de algumas das atividades que expomos anteriormente e no modo carreira em si, visto que alguns dos achievements do jogo requerem o investimento de um bom tempo nele.

Falando em achievements, alguns deles são bem criativos e requerem situações específicas que o jogador pode tentar reproduzir no modo “Montagem Livre”, enquanto outros incentivam o jogador a realizar upgrades absurdos em seu computador de escritório no modo carreira.

Claro que a piada não podia ficar de fora.

Porém, enquanto alguns dos achievements são cômicos e/ou requerem apenas progresso comum pelo modo carreira (como por exemplo qualificações médias específicas), outros requerem o alcance de metas monumentais como o acúmulo de $1,000,000 no banco, a concretização de 500 serviços, ter todas as peças existentes em seu inventário entre outros. São objetivos extras que sem dúvida alguma desafiam a paciência do jogador, mas que não necessariamente estimulam profissionalismo de jogo.

Levando em conta o gênero simulação, não é de se espantar que algumas pessoas invistam quantias elevadíssimas de horas em PC Building Simulator. Mas os problemas apresentados na seção Gameplay podem incomodar e muito a conseguir conquistar todos os achievements.

Audiovisual

Um dos pontos fortes do simulador é a visível dedicação na recriação de peças existentes na vida real. Apesar de não haver muito trabalho em algumas texturas, o reflexo delas costuma ser bem fiel ao verdadeiro e um fator em específico impressiona bastante: o cuidado na construção de contatos e portas.

Como o jogo pretende manter certo potencial didático é importante que este cuidado exista, visto que leigos podem então levar em consideração as cores e formatos de cada porta. Existe, porém, um pequeno bug visual que pode incomodar bastante em certos casos: fios que se emaranham em espaços limitados e passam a ignorar a física.

Ainda assim, a fidelidade visual das peças compensa e muito a fatalidade. O cenário em que o jogador trabalha nos computadores também não deixa a desejar, com iluminação agradável e configuração de fácil entendimento.

A trilha sonora, por sua vez, é composta por dez trilhas compostas para o próprio título (algumas delas inclusive muito memoráveis, enquanto outras um pouco enjoativas), além de 244 estações de rádio acessíveis pela internet e as músicas do próprio computador do jogador. Para escolher entre as opções, basta acessar o Reprodutor de Música em seu computador principal e navegar entre as três abas.

Desempenho

Não houveram problemas de desempenho, fechamentos inusitados ou quaisquer outros problemas técnicos com capacidade de interromper a experiência.

Análise — PC Building Simulator (PC)

PC Building Simulator, assim como House Flipper, conta com uma grande aliada (além de suas companhias parceiras): a falta de concorrentes. Apesar de contar com bom fator audiovisual, o simulador comete muitos erros importunos e não se posiciona inteiramente como título didático ou título realista, misturando ambos os objetivos e criando situações capazes de confundir iniciantes e irritar entusiastas.

Os fatores que mais garantem destaque ao título são as parcerias e a simulação de dados reais, mas existe um certo limite de aproveitamento destas funções e, consequentemente, do simulador em si. Se você gosta de computadores, não se resguarde tanto em relação ao título, mas também não espere uma infinidade de conteúdo e possibilidades e considere conviver com as imperfeições se quiser aproveitar o tempo investido.

Avaliação do jogo segundo o autor da análise: 7/10 — Bom
Análise produzida com cópia digital adquirida pelo próprio autor.

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Rafael Smeers
Aventurine Brasil

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