Cemitério de Consoles | Commodore CDTV (1991): nem um pouco “Amiga” do bolso

Uma central multimídia com preço exorbitante, escassa atenção aos recursos de videogame e poucos títulos significantes.

Rafael Smeers
Aventurine Brasil
7 min readOct 16, 2018

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Na edição anterior do Cemitério de Consoles, conferimos o Commodore 64 Games System, a primeira tentativa da Commodore de criar um sistema voltado para games. Hoje, no quinto texto da série, continuamos progredindo no tempo e chegamos à segunda tentativa da Commodore: o Commodore CDTV (Compact Disc Television).

Lançado em março de 1991, o Commodore CDTV foi comercializado como um videogame e uma central multimídia que podia se tornar em um computador pessoal através da adição de periféricos adicionais. Competindo com o Philips CD-i (que seria lançado em dezembro do mesmo ano), o sistema não ficou só na Europa como o C64GS, utilizava CD-ROMs e conta com visual horizontal semelhante ao de um videocassete.

O tema futurista levantado pelo uso de CD-ROMs é digno de risadas nos dias de hoje

Caro demais para ser acessível

Assim como a base do C64GS era o Commodore 64, o Commodore CDTV era basicamente um computador Amiga 500 (de 1987) com um leitor de CD-ROMs e um controle remoto. Apesar de ser baseado no computador, o sistema não foi propriamente listado como um produto da marca Amiga, e evitava gritar sua origem para não ser visto como uma sucessão, alternativa ou substituição aos computadores da série, mas sim um “adicional”.

Diferentemente da relação C64 e C64GS, o Amiga 500 (esquerda) era visualmente bem diferente do CDTV (direita)

A corporação canadense apresentou o sistema na CES (Consumer Electronics Show) de 1990 em Chicago, junto da promessa de que ele seria lançado antes do final do ano com ao menos 100 softwares. O pacote inicial (sistema, controle remoto e dois softwares) foi disponibilizado por 500 euros na Europa e 999 dólares nos Estados Unidos (equivalente a 1,795 dólares em 2017), preços considerados absurdos para o intuito e para a serventia do CDTV.

Ironicamente, a Commodore escolheu revistas dedicadas à série Amiga como o veículo principal de divulgação do CDTV. Porém, para a grande maioria dos consumidores destas revistas (donos de computadores Amiga) o sistema era simplesmente uma alternativa casual com um único diferencial: o drive CD-ROM. Estes usuários especulavam que o drive também seria introduzido como um periférico adicional para os computadores Amiga, o que realmente veio a acontecer em 1992 (denominado de Amiga A570).

Mesmo apesar de ser abordado como um “reprodutor mais intuitivo de software”, o CDTV utilizava sistema operacional AmigaOS 1.3, em vez da versão 2.0, que foi lançada na mesma época e era mais amigável ao usuário final. Vídeos podiam ser reproduzidos através de arquivos CDXL (extensão originalmente criada pela Commodore para o CDTV) através do CD-ROM, tornando o sistema em um dos primeiros capazes de reproduzir vídeos através de CDs.

Um disco tutorial apresentava detalhadamente o usuário ao sistema

Essa abordagem mais amigável ao uso casual e ao usuário final (mais caseiro em vez de pessoal) também foi a responsável pelo design do CDTV. O sistema utilizava um estilo bem similar à maioria dos componentes de reprodução de áudio da época, além de utilizar um controle remoto horizontal infravermelho, com alguns botões criados especialmente para a função videogame.

Um ponto a se notar era a ausência de drive de disquete no sistema. Como CD-ROM era uma mídia nova para a época, muitas pessoas ainda faziam o uso de disquetes e dependiam de um leitor para trabalhar, mais uma vez reforçando o teor de central multimídia do sistema (apesar do leitor de disquetes ter sido disponibilizado como um periférico adicional). Aproveitando que citamos que CD-ROM ainda era uma mídia jovem, o CDTV não havia proteção contra pirataria pelo fato de gravadores de CD e até a própria mídia serem caros demais para que uma popularização arriscada dela acontecesse.

Posteriormente, um outro pacote foi disponibilizado para vendas. Denominado de Pro pack, o pacote continha também um teclado, mouse, leitor de disquetes e um CD-ROM de compilação de softwares de domínio público da Almathera além do sistema e controle remoto inclusos no conjunto padrão. Uma versão aprimorada e mais barata do CDTV denominada CDTV-II (algumas vezes chamada de CDTV-CR) chegou a ser desenvolvida, mas nunca foi comercializada.

CDTV-II

O CDTV foi oficialmente descontinuado em 1993, quando a Commodore lançou o Amiga CD32, console que teve um bom ritmo inicial de mercado mas foi rapidamente jogado para o escanteio por videogames CD-ROM de outras companhias. O CD32 (que não é considerado um fracasso comercial), mesmo que não tenha sido o verdadeiro culpado, foi mais uma contribuição para a então falência da desenvolvedora.

Biblioteca e jogadores solitários

Chegamos ao quesito que realmente nos interessa: o aparelho como um videogame. No total, houveram somente 35 títulos propriamente lançados para o CDTV. O resto da biblioteca de jogos que podiam ser jogados no sistema eram ports de jogos já existentes e disponíveis em outras plataformas, inclusive na linha de computadores Amiga.

A maior parte da biblioteca era formada por jogos dos gêneros puzzle, adventure point & click, educação primária e simulação. Haviam alguns títulos famosos como Lemmings e Sim City, mas como dito anteriormente, eles já estavam disponíveis para outras plataformas e o CDTV não era exatamente uma opção simples e confortável.

Considerando que neste fator o CDTV competia com o Super Nintendo, o 3DO e o Mega Drive, o console era extremamente desinteressante. Além de seu preço altíssimo, existiam poucos títulos perto da concorrência, alguns gêneros eram muito raros, o controle não havia sido criado especialmente para jogar e não existia suporte a multiplayer. Enquanto títulos como Super Mario World e Sonic the Hedgehog 2 incentivavam diversões em dupla, o CDTV deixava a socialização de lado.

Em adição, o preço dos jogos em CD-ROM (lembrando mais uma vez da jovialidade da mídia) era muito mais alto do que o de cartuchos de Super Nintendo e Mega Drive. Mas, convenhamos que o preço do aparelho por si só já era motivo o suficiente pra não adquirir o sistema.

Um erro caro (em ambos os sentidos)

A Commodore não conseguiu atingir o público alvo para o qual o CDTV havia sido criado e o sistema não teve qualquer tipo de sucesso comercial. Apesar do fracasso comercial do C64GS e do CDTV terem deixado lições na companhia e o Amiga CD32 ter sido um videogame bem mais apropriado, já era tarde demais e a competição entre a Nintendo e a Sega estava em seu auge.

Amiga CD32

Assim como a Atari teve seu nome deteriorado por suas falhas, a Commodore também não tinha uma reputação muito gloriosa com seus consumidores e desenvolvedores. Em 1990, a revista Computer Gaming World citou um número abismal de reclamações técnicas e do consumidor à Commodore antes mesmo do lançamento do CDTV.

Nolan Bushnell, fundador da Atari e um dos envolvidos no CDTV, já citou o preço do sistema como o principal motivo de seu fracasso. Vários profissionais do cenário também se referem ao sistema como o fiasco da Commodore.

Nolan Bushnell: “… é muito difícil conseguir vender uma quantia significativa de qualquer coisa por mais de 500 dólares (900 dólares em 2017). … Eu achava que conseguiria vender cem mil de uma coisa que custava 800 dólares de olhos fechados. Pensei que seria moleza. E posso lhe garantir que o número de unidades que vendemos nos Estados Unidos por 800 dólares não foi nada positivo.”

Enquanto o leitor de CD-ROM era um ponto diferencial do sistema, não criar o A570 seria um descaso com os consumidores da série Amiga, e abriria brecha para perder clientes para outras companhias como a Apple. Além de é claro, deteriorar ainda mais o nome da empresa. Podemos destacar os seguintes pontos do fracasso do CDTV:

→ Preço extremamente irregular;
→ Veículo de divulgação que não condizia com o intuito do sistema;
→ Poucos recursos especiais relevantes;
→ Uso precoce de CD-ROMs (contribuindo para o primeiro ponto);
→ Títulos desinteressantes em comparação à concorrência;
→ Alternativa desinteressante diante de outros computadores, até mesmo da série Amiga.

Placa-mãe do CDTV

Seguindo a onda da chegada dos discos compactos, o Philips CD-i, famoso por ter gerado memes com animações de baixa qualidade, é o console da próxima edição do Cemitério de Consoles. Curta a página do Aventurine Brasil no Facebook para acompanhar nosso conteúdo com mais facilidade e conhecer mais consoles que tiveram um destino importuno.

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Rafael Smeers
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