O fenômeno da renovação política
Nos últimos 6 meses, participei de pelo menos uma dezena de conversas com grupos diferentes ligadas à renovação política. Para além das que realizamos quinzenalmente nas reuniões da Bancada Ativista (e dos botecos onde o tema surge sistematicamente), tenho dialogado frequentemente com gente das Muitas de Belo Horizonte, além de participar do Nova Democracia, que junta integrantes do Agora!, Acredito, Brasil21, Frente Favela Brasil, Movimento pela Transparência Partidária, entre outros.
Acompanho de longe o Vamos!, e recentemente tive conversas integrantes da Assembléia do povo Terena do MT, com ativistas do RJ que estão se organizando para lançar candidaturas em 2018, com pessoas envolvidas no Fundo Cívico Renova, e até participei de um almoço puxado por um grupo que quer lançar o Modesto Carvalhosa como candidato independente a presidência do Brasil.
Sem entrar no mérito de cada uma das iniciativas (pois qualquer avaliação específica agora seria precipitada), o que consigo afirmar é que existe um fenômeno crescente de renovação política no Brasil (no ano passado ele já mostrava sua cara, mas vem crescendo e ganhando visibilidade). De ativistas a empreendedores, de indígenas a CEOs, de hipsters a conservadores, cada vez mais cidadãos brasileiros estão se organizando para ocupar a política.
E o que mais me choca é que a leitura de contexto destas conversas que participei é essencialmente a mesma (por mais que o contexto territorial, cultural, ideológico e operacional possam ser bastante diferentes):
o Brasil está abandonado, não há projeto de país, ninguém nos representa, estamos retrocedendo, o que se apresenta de possibilidade não é suficiente, a corrupção domina todos os espaços institucionais, os partidos estão perdidos (por mais que sejam importantes), precisamos fazer algo!
A priori, pessoalmente acho incrível que isso esteja acontecendo. Estamos perdendo o medo de política, de eleições, de nos responsabilizarmos pelo futuro do nosso país. Dito isso, escrevo esse texto para fazer algumas análises de potências e riscos (de conversas que tenho tido com um monte de gente que ta no mesmo rolê) sobre esse movimento de renovação.
1)Os critérios da renovação
Um dos elementos comuns a esses movimentos é a leitura de que precisamos de novas pessoas ocupando espaços de poder. Por isso, boa parte desses movimentos busca apoiar quem nunca antes foi candidato, ou nunca antes foi eleito, ou está em seu primeiro mandato.
Geralmente, esses critérios vem acompanhados de outros, que ajudam na curadoria das pessoas a serem apoiadas. Quando iniciamos a Bancada Ativista, nossa reflexão é que não bastava buscar pessoas novas, mas também tinhamos que buscar pessoas que fossem:
-Ativistas (porque são indivíduos que representam de fato algumas pautas e coletivos, e não apenas seus interesses pessoais)
-Progressistas (porque compartilhamos uma visão de mundo de valores progressistas)
-Capazes de fazer campanhas de outra forma (porque existe uma linha reta entra como as campanhas são feitas tradicionalmente e a corrupção estrutural na política brasileira)
-De confiança (porque sem ela não é possível fazer política de outra forma)
Hoje, cada um dos movimentos de renovação tem ou está buscando definir seus critérios de seleção de candidatas e candidatos a serem apoiados, e esse processo é essencial para entendermos o que está sendo proposto por cada um.
2)As formas de fortalecer a renovação política
No que tenho visto, existem basicamente 4 formas como esses movimentos estão apoiando candidaturas de renovação:
- Curadoria: o que mais falta hoje na política é confiança. Os movimentos que estão realizando uma curadoria basicamente estão separando o trigo do joio e afirmando: "nesses daqui você pode confiar". E para que isso não seja absolutamente subjetivo, a construção de critérios é importante. Alguns movimento que são focados apenas na curadoria são: Vote LGBT, Enegreça seu Voto, Vote numa Feminista, #MeRepresenta.
- Formação: Um dos principais desafios do movimento de renovação é que o critério de "pessoas que nunca foram candidatas" implica diretamente na falta de experiência sobre como fazer uma campanha eleitoral (aqui ainda há o desafio de COMO se faz uma campanha, mas para isso tem um ponto abaixo específico). Parte dos movimentos de renovação buscam capacitar candidatas e candidatos, assim como coordenadores e integrantes de campanha, para aumentar suas chances de vencer as eleições e de realizar um mandato potente. A RAPS e o CLP são duas organizações que há alguns anos vem trabalhando nesse sentido.
- Financiamento: por mais que exista uma perversão do dinheiro na política (salve odebrecht!), a prática mostra que não é possível realizar uma campanha potente sem algum recurso financeiro. E isso não está apenas restrito ao momento oficial de campanha, mas também à pré-campanha, que demanda muito trabalho e geralmente prejudica quem se envolve. Por isso, algumas das iniciativas que vem surgindo estão se propondo a colocar $ em pré-campanha e campanha (e aqui tem todo um debate sobre de onde esse recurso vem, por onde passa, e qual seu interesse). A iniciativa que mais se coloca nesse lugar hoje o Renova (ainda n encontrei site, mas o Mauricio Veiga indicou esse PDF), que se propõe a criar um fundo cívico para apoiar novas candidaturas.
- Campanha coletiva: para além das três formas acima, existe também a construção de uma campanha coletiva, que é basicamente realizar ações de campanhas (comunicação digital, ações presenciais, reuniões estratégicas, etc) para um conjunto de candidatos apoiados. Esse foi o caso das Muitas e da Bancada Ativista no ano passado, e também vale conhecer o Raiz Movimento Cidadanista e a PartidA.
Como pano de fundo, claro, existem os interesses de quem está fortalecendo a renovação — o famoso quem paga (e no caso aqui, faz campanha, curadoria e capacita) a banda, escolhe a música.
3)Existe renovação sem inovação?
Ok então, queremos novas pessoas na política, por que as que estão lá estão longe de ser suficientes. Aliás, me atrevo a dizer que se você sair na rua agora e selecionar 513 pessoas aleatoriamente para serem deputadas federais, a probabilidade de estar criando uma Câmara de Deputados menos podre que a nossa é grande.
Mas a questão que tem me movido muito é: o que acontece se novas pessoas entram para a política utilizando das velhas práticas?
$=votos
Essa é a fórmula para se vencer eleições hoje. Salvo raras excessões, quanto mais grana você tem, mais votos vai conseguir. Essa grana vai servir pra você contratar gente que entende como se ganha eleições(tradicionalmente), para pagar cabos eleitorais, para comprar anuncios onde seja possível, para imprimir um zilhão de panfletos com sua cara e alguma mensagem que não diz muito, para fazer uma inserção de TV tão cara quanto tosca, e assim por diante.
A minha preocupação é que, se as iniciativas que buscam renovação na política se preocuparem mais em ganhar do que em quebrar a fórmula $=votos, não vamos mudar estruturalmente como se faz campanha eleitoral e, por consequência, como se faz política no Brasil.
Aqui vale ressaltar que fazer campanhas eleitorais de uma outra forma não é uma condição suficiente, mas necessária para mudar como fazemos política.
4)O risco eleitoral
E aumentando ainda mais o desafio, o risco principal da catarse da renovação política no Brasil é que existem grandes chances de disputarmos entre nós mesmos.
A demanda por novos nomes está crescendo na população, mas a oferta também está crescendo, cada vez mais. Se os movimentos de renovação política não criarem um espaço de troca, para abrir suas estratégias e entenderem onde podem se sobrepor, tenho receio que vamos acabar perdendo pra nós mesmos.
Precisamos nos falar mais, discutir estratégia eleitoral de forma aberta, e aprender rapidamente como disputar votos com quem realmente importa — a casta política que queremos aposentar.
5)Da emergência a confluência
O que estamos vendo é a emergência de novos movimentos políticos, que surge naturalmente entre grupos de afinidade e confiança. No momento, enquanto cada um desses grupos está definindo sua identidade e sua estratégia, é muito difícil buscar espaços de convergência com potência.
Mas em algum momento, principalmente quando estivermos prontos pra fazer disputas para o poder executivo, vamos ter que sair da emergência e entrar na confluência- desenvolver a capacidade de atuarmos conjuntamente, mantendo as diferentes identidades.
Para isso, os principais desafios é superarmos i)a crise de protagonismo que paira na sociedade civil e ii)a a tendência a rachar que nos assola. Cada um desses movimentos, internamente, tem que treinar cotidianamente a capacidade de descordar e permanecer, para que quando chegue a hora, consigamos fazer isso entre os movimentos.
6)Os partidos políticos
O Roberto Andrés disse que sentiu falta de um ponto específico pra como os movimentos de renovação se relacionam com os partidos políticos. O Brasil hoje é um dos poucos países do mundo que não permite candidaturas independentes (tem um debate aberto na justiça sobre isso), ou seja, todas as candidaturas que esses movimentos vão lançar em 2018 vão ter que estar filiadas a algum partido político. O problema é que a dinâmica interna dos partidos políticos é complexa, e na maior parte das vezes tem muita dificuldade em abrir espaço para novos atores e novas práticas.
Esse é um debate complexo, e assim como nos pontos anteriores, o objetivo deste texto não é exauri-lo aqui. Mas é evidente que esse é um ponto crucial para o processo e o resultado do movimento de renovação política no Brasil.
Dito tudo isso, algo é inegável, o fenômeno de renovação política no Brasil está aqui. Se ele vai se concretizar ou não, vamos descobrir ao longo dos próximos 12 meses.
E você que esta puto com a situação política do Brasil e ainda não faz parte de algum deles, já passou da hora de sair do textão do facebook e se juntar.