O mapa do antifascismo nas arquibancadas

Torcedores se reúnem em coletivos para torcer por seus clubes

Arthur Menezes
Redação Beta
5 min readMay 8, 2018

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Colorados e gremistas sentados à mesa para debater futebol. O que se pode imaginar? Guerra, embate e oposição mortal em ideias e sentimentos é o que se pode esperar, se o imaginário já estiver contaminado com as insistentes cenas de violência que se repetem nas telas de televisão quando o assunto é a torcida. Mas não foi isso que se viu, contudo, no último dia 18 de abril, no Museu da Ufrgs, quando integrantes das torcidas “antifas” dos dois clubes se puseram a debater aquilo que para as duas partes segue sendo o verdadeiro rival: o preconceito.

Em tempos de verborragia nas redes sociais, talvez seja difícil definir até mesmo o que significa fascismo. E a quem interessar possa, melhores definições aparecem quando as posturas de Mussolini são revisadas. Em todo o caso, o que se nominou na Itália do líder tirano pode ser revisto em diversas formas e idiomas, implicando, contudo, na resistência onde quer que vá.

A despeito dos tempos nebulosos que vivemos no Rio Grande do Sul e no Brasil, cabe ainda dizer que os antifascistas — de onde sai a supressão entre aspas do parágrafo anterior — ainda têm vez e voz. Na conversa do mês passado, no evento Mobilização na arquibancada — Combate ao preconceito no futebol, levantou-se mais uma vez os trapos que não se limitam às equipes em campo, mas que tratam dos graves problemas sociais — como o machismo, combatido na bela faixa que estampa Elis Regina, e a convocação às gremistas para o estádio.

Do lado tricolor, estavam os integrantes da Tribuna 77, torcida/coletivo atuante desde 2014, como contamos em material anterior. A Tribuna, que relembra a Coligay, pretende-se como propulsor e catalisador de manifestações de toda a ordem, sobretudo artísticas, na defesa do livre torcer para todas as pessoas, além da condenação ao que consideram como práticas preconceituosas — homenageia a Coligay em oposição à homofobia, defende que lugar de mulher é onde ela quiser (principalmente na Arena) e se opõe aos cânticos racistas.

Vestindo rubro, estavam os representantes da Inter Antifascista. Eles se autointitulam como “Colorados unidos contra toda e qualquer manifestação nazifascista nas arquibancadas e nas ruas”, e fazem parte dessa frente político-futebolística que está na luta desde 2015. “Não somos uma nova torcida ou movimento, mas uma articulação de torcedores para discussão e ação política com objetivos em comum: incidir no estádio e fora dele, apoiando as lutas sociais contra a exploração (da classe trabalhadora) e a opressão em suas diversas formas”, complementa outra declaração oficial feita no Facebook.

Rostos encobertos, ideais em evidência. Esse é o movimento Inter Antifascista nas redes. Foto: (Reprodução Facebook)

Alan Verdum é um torcedor colorado que frequenta o Beira-Rio sempre atrás do gol, onde fica a Guarda Popular, torcida organizada do Inter, mas compartilha com os seus camaradas do sentimento e da atuação antifascista. “Como diz a música, ‘meu coração é vermelho’. O Inter é o clube feito pelo povo e a gente tem que lembrar disso. Nosso clube tem uma história nesse sentido”, comenta, resumindo o sentimento que mistura clube e ideal.

Najla Diniz, que é conselheira do Inter e ouvidora do clube, gerencia a página do Inter Antifascista no Facebook. Ela é mais uma colorada a manter uma atuação que vai no sentido de defender o papel de protagonismo da mulher no futebol. Sobre o machismo e a objetificação das mulheres dentro dos clubes, diz que “não têm que explorar essa imagem da gostosa que enfeita o estádio. Isso é cultura de assédio”, e reforça, ao falar especificamente dos concursos de musas: “Meu desejo pessoal é que não exista mais. Caso permaneça, que seja questionado e buscado o conjunto da beleza com o da torcedora de arquibancada, que conheça, viva e ame seu clube”.

Há quem ache a Internacional Socialista e o Internacional tudo a ver. Foto: (Reprodução Facebook)

Joel Silveirowski é um anarquista e não se desfaz da sua ideologia quando o assunto é futebol. Para ele, o movimento que se estabelece entre os colorados é legítimo e oportuno. “O futebol é um esporte de massas. Ele tem sua história totalmente vinculada à classe operária e sua luta. Por isso tudo, que tenha vida longa o Inter Antifascista”, defende.

No Brasil e no mundo

No Brasil, um levantamento feito pela Vice, publicado em maio de 2017, apontava para a existência de pelo menos 28 clubes que se reuniam em coletivos ativos para defender pautas antifascistas: ABC-RN, América-RN, Atlético Mineiro, Bangu, Botafogo-RJ, Botafogo-SP, Corinthians, CRB, Cruzeiro, Ferroviário-CE, Flamengo, Fluminense, Fortaleza, Grêmio, Guarani-SP, Internacional, Joinville, Londrina, Náutico, Paysandu, Remo, Santa Cruz, Santos, São José-SP, São Paulo, Vasco e Vitória.

Mas esse movimento não para de crescer, e já se pode encontrar registros de muitos outros clubes que já têm as suas versões antifas. Só na região Sul, já fazem parte disso, apesar de estarem fora da lista anterior (seja porque não existiam, seja porque não foram listadas), Atlético Paranaense, Avaí, Brasil de Pelotas, Coritiba, Figueirense e Paraná. E até ano que vem essa nova lista provavelmente fique desatualizada, pois o movimento parece realmente em expansão.

O professor Marcelo Pizarro Noronha, que estuda Sociologia e Antropologia do Futebol, vê o futebol como um ato social. “A sua prática diz respeito a diferentes instâncias, abarcando fatores políticos, sociais, econômicos, entre outros. É crescente a percepção social neste sentido, ou seja, os torcedores de futebol começam a compreender que este esporte é bastante simbólico e que através dele é possível se manifestar em prol de questões como a democracia, a liberdade, a cidadania”, explica.

O movimento como um todo ainda está se consolidando, mas ele pode ser visto como em um novo patamar a partir desta década no país. Na vanguarda do processo está um time talvez não tão expressivo nos resultados dentro das quatro linhas, mas que no quesito resistência é um histórico vencedor: o cearense Ferroviário Atlético Clube. Considerada a primeira torcida politizada do Brasil, a Ultras Resistência Coral nasceu em 31 de julho de 2005. Com idealizadores comunistas e anarquistas, a Ultras é inspirada em torcidas europeias, como aquelas vinculadas a clubes como o Livorno (Itália), o Rayo Vallecano (Espanha) e o St. Pauli (Alemanha). Aliás, o que não faltam na história do esporte são torcidas para inspirar a luta dos progressistas brasileiros. Outras Ultras podem ser encontradas nas arquibancadas de Besiktas, Standard Liege, Bordeaux e Deportivo La Coruña.

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