Paixão colorada: mulheres marcam presença no Beira-Rio

Inter foi pioneiro na participação feminina em seu quadro social e hoje se destaca pelo comparecimento de torcedoras no estádio

Mariana Necchi
Redação Beta
9 min readNov 29, 2021

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Reportagem produzida por Adriana Corrêa e Mariana Necchi.

Gurias de Vermelho estão presentes em todos os jogos do Inter no Beira Rio. (Foto: Arquivo Pessoal/Júlia Franco)

O Sport Club Internacional conta com aproximadamente 20 mil mulheres associadas, o que representa 22% do quadro social. É o maior número em proporção de associadas dentre todos os clubes de futebol do país. Além disso, mesmo com um número reduzido, o Colorado também lidera no número de torcedoras que integram o Conselho Deliberativo: são 31 mulheres, representando um total de 8,9%.

Com o objetivo de destacar a participação feminina na história e na torcida do Inter, a Beta Redação conversou com algumas coloradas que são presença confirmada em jogos dentro e fora do Beira-Rio, dando continuidade à série que iniciou com a matéria sobre a Vó Noêmia, torcedora fanática de 87 anos.

Uma história marcada pela representatividade

Em seus 112 anos de existência, o Internacional se consagrou como um dos clubes de futebol mais vencedores do país— com 160 títulos conquistados em competições profissionais. Entre eles estão 45 Campeonatos Gaúchos, três Campeonatos Brasileiros, uma Copa do Brasil, duas Libertadores da América e um Mundial de Clubes.

Fora das quatro linhas do gramado, o colorado foi fundado com a intenção de abraçar a todos de forma democrática e inclusiva—e, a partir disso, recebeu originalmente a alcunha de “Clube do Povo”.

Em 2 de abril de 1918, com apenas nove anos de atividade, o Inter deu uma valiosa demonstração da sua pluralidade e pioneirismo para promover a igualdade: Maria Von Ockel se tornava a primeira mulher sócia de um time de futebol no Brasil.

Ata de aprovação da inclusão de Maria Von Ockel ao quadro de sócios em 1918. (Foto: Acervo/Sport Club Internacional)

Apenas um ano depois da integração de Maria ao quadro de associados, a diretoria do Inter determinou a construção de um pavilhão que atendesse às necessidades das “senhoras e senhoritas”. Na época, elas frequentavam a Chácara dos Eucaliptos, primeira casa colorada, para praticar tênis e acompanhar os jogos de futebol.

Maria Von Ockel, no canto direito, praticava tênis com outras mulheres na Chácara dos Eucaliptos. (Foto: Acervo/Sport Clube Internacional)

Mais de cem anos depois, as torcedoras do Inter continuam mantendo o pioneirismo. Em 2009 foi fundada a Força Feminina Colorada, primeira torcida organizada exclusivamente formada por mulheres no Rio Grande do Sul, para criar um ambiente seguro e empoderado para as torcedoras frequentarem as arquibancadas, garantindo que haja voz feminina nos coros das músicas. Saiba mais sobre a história da FFC.

Amor e fanatismo pelo Inter passa de mãe para filhos

Grávida, Juliana seguiu comparecendo ao Beira-Rio e transferiu paixão para a filha. (Foto: Arquivo Pessoal/Juliana Ferreira)

Sabe aquele sonho que quase todo o homem tem, de ter um filho menino e levá-lo ao estádio para torcer pelo clube do coração? Esse não é mais um sonho só dos homens. Hoje, muitas mulheres fanáticas por futebol também alimentam esse desejo, pois são apaixonadas pelo esporte, frequentam os jogos e querem passar isso para seus filhos e filhas.

É o caso da Juliana Ferreira, 29 anos, que fomentou na Alice, agora com 5 anos, um amor incondicional pelo Sport Club Internacional, desde que ela estava na sua barriga. “Mesmo grávida sempre frequentei o Beira-Rio, não com a mesma frequência que hoje em dia, pois eu estava em um relacionamento abusivo. O pai da minha filha odiava que eu fosse aos estádios e era extremamente machista. Mas levei minha filha com quatro meses, na final de Gauchão, em 2016, contra o Juventude. Desde então, ela vai comigo na maioria dos jogos”, lembra.

Hoje com cinco anos, Alice frequenta o Beira-Rio desde os quatro meses de idade. (Foto: Arquivo Pessoal/Juliana Ferreira)

O fanatismo da Juliana vem do berço, literalmente. Ela conta com orgulho que nasceu em 1992, ano que o Inter foi Campeão da Copa do Brasil, e que sempre contou com o incentivo do irmão, com 10 anos na época, mas que já frequentava o estádio. “O sonho dele era ter um irmão para ir junto no Beira-Rio. Quando minha mãe deu a notícia que seria uma menina, ele chorava de decepção (risos). Mas ele é fanático e sempre me incentivou a ser colorada, e minha família toda é colorada também. Desde os 8 anos eu frequento estádios. Meu irmão me levava, mas depois dos 15 eu comecei a ir sozinha”, relata.

A torcedora conta que, em 2017, depois de terminar o relacionamento, entrou para uma torcida organizada feminina e passou a ir a todos os jogos e até viajar para acompanhar o colorado. “Fui para vários lugares com o Inter: Argentina, Uruguai, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e cidades daqui do RS. Fiquei três anos nessa torcida. A Alice também foi comigo em jogos do Gauchão no interior”, destaca.

Juliana transformou seu fanatismo em negócio. (Foto: Arquivo Pessoal/Juliana Ferreira)

É tanto amor que, quando resolveu empreender, Juliana abriu um negócio com a temática colorada e com o nome de Gigante Beauty, em alusão ao Gigante da Beira-Rio. “Durante a pandemia, resolvi unir meus dois amores: o Inter e a estética. Abri um salão de beleza na frente do Beira-Rio, que é todo decorado com pôsteres, quadros e bandeiras do Inter”, detalha.

Alzira incentiva o amor pelo Inter na família e está sempre no Beira-Rio com filhos, neto, sobrinho e a irmã. (Fotos: Arquivo Pessoal/Alzira Candido)

Alzira da Silva Candido, 61 anos, também é uma torcedora apaixonada pelo Internacional e frequenta os jogos desde os 10 anos. A colorada teve apoio desde muito cedo: “Minha paixão é muito grande, muito coração. Tive uma influência muito forte do meu pai e do meu grande tio Abigail, que foi lateral esquerdo do Inter no ano do Rolo Compressor”, conta.

Ela sempre incentivou esse amor dentro de casa, especialmente entre seus dois filhos e cinco netos. “Incentivo desde o berço. Meus dois filhos são colorados de paixão, como eu. Também tem os netos, um deles, Kauã, é muito meu parceiro, coloradíssimo, chega a chorar no estádio. Minha irmã também é colorada doente, de chorar pelo Inter. Vamos todos ao estádio”, ressalta.

Alzira é presença assídua nos jogos no Beira-Rio, mas também já acompanhou o clube fora de casa. “Já viajei com o Inter por esse Brasil afora. Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Goiânia, Santa Catarina, Paraná e todo o Rio Grande Sul. Infelizmente, com a pandemia não pude manter a mesma frequência de jogos, mas espero voltar a frequentar o meu estádio amado em breve”, projeta.

Lugar de mulher é no Beira-Rio

Torcedoras defendem que o estádio é um ambiente seguro para mulheres e crianças. (Foto: Arquivo Pessoal/Júlia Franco)

Muitas mulheres ainda têm receio de comparecer aos estádios, mas as gurias garantem que o lugar de colorada — de todas as idades — é no Beira-Rio. É o que afirma Juliana: “Nunca tive problemas, todo mundo sempre me respeitou e nunca tive nenhum episódio em que me senti insegura. A minha filha adora. Para ela, também é a segunda casa. Ela faz amizades com outras crianças, brinca e assiste o jogo. Além do futebol masculino, vai comigo nos jogos do feminino também”.

A mãe da Alice acredita que o clube deveria incentivar mais o coloradismo entre as crianças. “Vejo muitas mães solteiras com seus filhos no estádio. Mas o Inter recentemente publicou no site que crianças de 5 a 11 anos, não sócias, pagarão ingresso agora — reduzido, mas pagarão. Achei um absurdo”, reclama.

A torcedora Alzira Candido considera que a presença no estádio aumenta a cada jogo, mas que ainda há preconceito. “Cada vez mais, e com mais força, a torcida feminina é o brilho no estádio. As mulheres estão fazendo a frente. São as lindezas do nosso estádio e eu sou uma delas (risos). Infelizmente ainda existe um pouco de preconceito, mas estamos lutando cada vez mais por essa mudança e estamos conseguindo. Lugar de mulher é no estádio, sim”, frisa.

Outra torcedora que é presença confirmada nos jogos, Júlia de Pinho Franco, 29 anos, acredita que, atualmente, a situação é muito melhor do que antigamente. “Já teve época que eu só ia ao jogo de calça, por exemplo, e sempre com algum homem. Hoje não tenho receio algum de usar um short ou ir sozinha. Já presenciei e já aconteceram comigo algumas situações um pouco constrangedoras ou difíceis, mas no geral sinto que estou em casa e não tenho medo de ir sozinha aos jogos”, ressalta.

“Temos o respeito de muitos homens, mas sabemos que ainda existem aqueles que acham que não temos que estar ali, que futebol é coisa de homem, e por aí vai”, lamenta a torcedora.

As gurias se organizam para ir aos jogos

Nathália e Júlia (à direita) criaram o movimento Gurias de Vermelho. (Foto: Arquivo Pessoal/Júlia Franco)

Junto com a amiga Nathalia Montagner, 25 anos, Júlia é a fundadora do movimento de mulheres coloradas Gurias de Vermelho, um grupo de torcedoras sem envolvimento político ou qualquer contato direto com o clube. O objetivo delas é fomentar a presença feminina no Beira-Rio, integrando aquelas que não têm oportunidade, companhia ou algum outro fator que complique sua ida ao estádio.

Moradoras de Porto Alegre, elas iam aos jogos sozinhas — pois as duas não têm familiares na cidade. Em abril de 2019, Nathalia convidou Júlia para um almoço, disse que tinha uma ideia em mente e acreditava que ela toparia a proposta. Acertou. “O nome Gurias de Vermelho veio no mesmo dia. Criamos uma conta no Instagram e imaginávamos que apenas amigas próximas topariam essa de ir aos jogos junto conosco, pois era raro termos companhia. Uma semana depois, já tínhamos muitos seguidores e logo muitas gurias começaram a ir aos jogos com a gente”, comemora.

Hoje, o movimento cresceu. Elas possuem identidade visual e produtos personalizados para curtirem os jogos com bonés e camisetas identificadas como as Gurias de Vermelho. Além do perfil do Instagram com quase 3 mil seguidores, elas se organizam por meio de um grupo de WhatsApp com 200 integrantes. “Para administrar tudo, intitulamos a diretoria, quem organiza e se responsabiliza por toda nossa movimentação: a Nathi e eu, as fundadoras, e a Bibi e a Fiama que entraram para o time para somar. Somos oito braços, mas dizemos sempre que o GV só funciona por todas as outras Gurias que estão conosco e acreditam nesse nosso projeto”, salienta.

Gurias de Vermelho em tradicional encontro pré-jogo. (Foto: Arquivo Pessoal/Júlia Franco)

Em dias de jogos, o grupo costuma se encontrar antes da partida para cumprir um clássico ritual. “Sempre combinamos um encontro pré-jogo, até porque muitas delas acabam indo pela primeira vez. Bebemos uma cerveja ou fazemos um churrasco e, depois, tem aquela nossa clássica foto nos Eucaliptos, que ficam em frente ao Bar Coreia. De lá, cada uma parte para o seu momento de jogo, que é sagrado”, conta Júlia.

A fundadora do GV garante que elas estão presentes em todos os jogos no Beira-Rio. “Estamos sempre presentes! E sempre disponíveis para qualquer guria que queira ir conosco. Também recebemos fotos de várias Gurias de Vermelho em jogos fora por aí. É muito legal ver que, mesmo fora de Porto Alegre, muitas estão conosco”, destaca Júlia.

A torcedora ressalta que para a presença feminina crescer ainda mais, as mulheres precisam se sentir seguras, sabendo que aquele espaço é delas também. “Sempre que uma torcedora entra em contato conosco com o intuito de ir aos jogos, mesmo não conhecendo ninguém, a gente incentiva. É legal compartilhar esse mesmo amor. Fizemos muitas amizades ao longo desses dois anos. Quando estamos todas juntas, estamos bem. Mexeu com uma, mexeu com todas.”, finaliza.

Movimento Gurias de Vermelho está sempre aberto para integrar coloradas que gostem de frequentar os jogos no Beira-Rio. (Foto: Arquivo Pessoal/Júlia Franco)

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