Sua marca é um hábito ou um ritual?

Conforme os nossos hábitos mudam drasticamente, procure ser um ritual que permanece

Beatriz Guarezi
Bits to Brands
Published in
6 min readMay 29, 2020

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Esse artigo foi escrito pela estrategista Jasmine Bina, da Concept Bureau, e publicado no Medium em inglês. Eu adorei os insights que ele reuniu assim que li, e quis torná-lo mais acessível para outros estrategistas e entusiastas do assunto — assim, traduzi.

Este é o artigo original:

Você pode acompanhar o conteúdo da Jasmine através da sua (ótima!) newsletter e do podcast Unseen Unknown.

Agora vamos à tradução.

Quando pessoas ou marcas afirmam que "nós vamos enfrentar isso juntos" ou "depois que o coronavírus passar…", elas estão propagando uma mentira através de palavras de encorajamento.

Porque é bem provável que não haja um "antes e depois" do COVID.

Ao invés disso, haverá uma movimentação de negócios fechando ou reduzindo, amplificada pelo embaralhamento das normas sociais e pela quebra de ideais.

Hoje, mercados já estão instalando barreiras protetoras e marcações de fila nos seus caixas, enquanto companhias aéreas voam cada vez menos. Amanhã teremos hoteis ultra-higiênicos e restaurantes sem contato humano.

Nós não sabemos ao certo quando teremos superado isso, o que significa que não voltaremos a muitos dos hábitos que caracterizavam as nossas vidas pré-COVID.

Conforme os negócios reduzem a velocidade, o varejo se contrai, as empresas buscam novos modelos de negócios e nós, contrariados, abraçamos a incerteza de uma crise global, chega a hora de se perguntar o que a sua marca realmente representa para as pessoas.

A sua marca é um hábito ou um ritual?

Essa pergunta importa porque existe uma grande chance que muitos hábitos não irão sobreviver a esta fase — mas rituais sim.

E a maior parte dos nossos hábitos envolve os produtos que compramos.

Hábitos tornam a vida mais fácil. Rituais tornam a vida mais significativa.

A maioria das marcas e produtos são consumidos como hábitos. Existe uma tendência de repetir o mesmo comportamento de compra porque ele elimina um esforço ou uma barreira.

Nós compramos a mesma marca de chips, roupa íntima ou eletrônicos porque nós sabemos em qual podemos confiar. Não necessariamente porque ela é a melhor, mas porque o esforço envolvido em encontrar a melhor nos custa mais do que ficar com "o que tem para hoje".

É por isso que quando esses hábitos são quebrados por algum motivo, é fácil ficar com a nova solução.

Mas conforme marcas grandes e pequenas perdem consumidores por causa de problemas de distribuição ou lojas fechadas, existe um segmento de empresas que não está sofrendo com isso.

No artigo "Contradictions, Inversions, Oddities and Coincidences", de Ana Andjelic, ela nota que, surpreendentemente, reservas para viagens de cruzeiro para 2021 estão mais aceleradas do que as de 2019.

Além disso, 76% das pessoas que cancelaram um cruzeiro em 2020 escolheram ficar com o crédito para remarcar sua viagem em 2021.

E cruzeiros não são o único outlier ultimamente.

A fila de espera para se ter uma Peloton [bicicleta ergométrica com tela e programação de treinos por assinatura, apontada como uma das grandes tendências do mundo fitness] é maior que dois meses — e só cresce.

Mesmo conforme o isolamento social começa a diminuir, a demanda por essas marcas segue acelerando. O que elas tem em comum: elas ritualizaram a experiência dos seus produtos.

Nós não lutamos pelos nossos hábitos, mas lutamos pelos nossos rituais.

Rituais atendem necessidades de uma forma que hábitos não conseguem.

Rituais trazem significado em meio a um período em que nada faz sentido. Eles nos ajudam a marcar as mudanças e nos lembram de quem nós somos para além do contexto todo.

Faz sentido que quanto mais nossos hábitos diários são arrancados de nós, mais queremos proteger e preservar os rituais que nos definem.

Mesmo que o seu produto seja utilitário por natureza, ou que a sua marca pareça casual demais para ritualizar, existe uma forma de dar contexto à sua história para que você não seja mais consumido como um hábito.

Mas antes, é preciso entender o que faz dos rituais tão poderosos.

Decifrando a mecânica de um ritual

Como um ritual funciona?

Sasha Sagan, autora do livro For Small Creatures Such As We, dedicou o seu trabalho a encontrar significado e rituais fora das religiões tradicionais.

Enquanto hábitos proporcionam tranquilidade e consistência, rituais criam significado.

Segundo Sasha, rituais nos fornecem uma âncora, e quanto mais vezes eles acontecem (seja diaria, semanal ou mensalmente), mais significado eles ganham.

Rituais nos ajudam a sentir a passagem do tempo e registrar as mudanças.

Rituais nos fornecem estabilidade, ordem e rotina em tempos caóticos.

Rituais nos ajudam a santificar e atribuir contexto a um momento.

E cada um desses benefícios emocionais está em alta demanda neste momento.

Pode parecer loucura remarcar um cruzeiro para o futuro próximo ao invés de pedir o dinheiro de volta, mas lembre-se de que um cruzeiro é o momento mais esperado do ano para muita gente. Ele ajuda a marcar a passagem do tempo.

Uma bicicleta ergométrica de mais de 2 mil dólares como a Peloton parece um gasto exorbitante para se exercitar em casa, mas a experiência documentada, compartilhada quase como um culto, proporciona estabilidade, ordem e rotina.

É fácil descartar esses exemplos como exceções. Produtos criados a partir de rituais existem desde sempre. Mas isso seria subestimar o valor do storytelling para uma marca.

Existe a oportunidade hoje para marcas de todo segmento posicionarem seus produtos não como hábitos, mas como rituais — novos, ou velhos — que ajudam as pessoas a obter pelo menos um daqueles pilares de significado.

Oscar Meyer’s #FrontYardCookout invited neighborhoods to replace the tradition of a backyard barbecue with friends and family, and instead create an intimate (but socially safe) front yard cookout in their driveways.

A empresa americana de carnes e embutidos Oscar Meyer criou o #FrontYardCookout [Churrasco na Frente de casa], convidando vizinhos a fazer seus churrascos não nos fundos, mas na frente de casa, criando um momento de conexão com distanciamento social.

Ao invés de falar de lanches rápidos ou de alimentar as crianças que estão em casa assistindo aulas online o dia todo, eles estão se envolvendo com uma tradição típica do verão americano.

A luz dourada, sombras e cadeiras dobráveis são lembrete de rituais de verão — momentos para reunir, reconectar e solidificar relacionamentos.

A Open Spaces, marca de produtos para organizar a casa, lançada ano passado pelos cofundadores Emmet Shine e Nicholas Ling da Pattern Brands, tem criado conteúdo e storytelling em volta do ato de limpar e organizar a casa.

Na série Space Tapes, eles exploram "as vidas da nossa comunidade, e o que as pessoas têm escutado". Cada música se conecta com uma história na vida de alguém, refletindo sobre o seu passado e trajetória de vida.

A Open Spaces vende itens de organização como cestas e bandejas, mas esse tipo de conteúdo traz significado ao ato de organizar a sua casa. É o ritual de organizar a sua mente, a sua alma e o seu coração.

Isso pode parecer um exagero, mas considerando a repercussão da Marie Kondo no mundo digital, não é absurdo que as pessoas vêm atribuindo um significado cada vez mais profundo às suas faxinas.

[Você pode ouvir o cofundafor Emmett Shine contar a história de como eles criaram essa marca no podcast da Jasmine aqui.]

Uma marca de bem-estar sexual para mulheres, a Dame, começou uma série chamada Self-Love Sundays [Domingos de Amor Próprio] no mês de maio, começando com uma aula sobre auto-massagem.

Talvez não seja coincidência que o domingo, um dia considerado sagrado para muitos, inspire observação, pausa e gratidão. O conceito de amor próprio, mesmo que num contexto sexual, parece mais íntimo e importante ao ser celebrado num dia específico.

Os produtos que nós precisamos agora não são somente sobre facilitar e reduzir o esforço. Eles devem nos conectar, de qualquer maneira possível, às coisas que nos fazem sentir seguros de novo.

“A principal diferença entre razão e emoção é que a emoção gera ação, enquanto a razão leva a conclusões"

— Donald Calne, neurologista

Rituais são feitos de emoções.

Se você acha que a sua marca está posicionada como um hábito, encontre maneiras de se comunicar em torno das emoções que a sua experiência evoca.

  • Crie uma rotina nessa experiência que a associe a algum significado, celebração, lembrança ou o mínimo senso de normalidade.
  • Ofereça um contexto que faça os usuários se sentirem parte de uma tradição maior, através de storytelling e conteúdo.
  • Forneça significado, identidade ou destaque à passagem do tempo como algo especial.

Toda marca conta uma história. Pense nas histórias que o seu consumidor precisa agora, e comece a sua narrativa por ali.

Essa é a hora de mudar de direção, ritualizar a sua marca e tentar um storytelling diferente.

Torne a sua marca significativa.

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Beatriz Guarezi
Bits to Brands

estrategista de marcas, curadora de conteúdo e escritora de e-mails. criadora da newsletter Bits to Brands. assine em http://www.bitstobrands.com