A encarnação messiânica da família bolsonaro

Rafael Bartoletti
Blog do Bart
Published in
5 min readSep 10, 2019

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O “vereador nacional” Carlos Bolsonaro publicou o seguinte texto em seu twitter:

https://twitter.com/CarlosBolsonaro/status/1171201933891244033

Este tuíte, para além do óbvio desprezo que Carlos Bolsonaro demonstra pela democracia e seus mecanismos, revela algo relevante da mentalidade da ala olavista do governo e que há anos tem sido disseminada nos porões da internet. Falarei da preocupação maior que devemos ter com o “olavismo” e a sua expansão na sociedade brasileira em detrimento do “bolsonarismo” num próximo texto que logo sairá neste blog.

Aqui, tratarei de uma frase específica do tuíte publicado pelo “filho 02”, qual seja, “Por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos…”

Para acompanhar melhor esta análise, seria muito bom que o digníssimo leitor voltasse a outro texto publicado por mim anteriormente sobre a pneumopatologia que parece acometer o presidente Jair Bolsonaro, segundo uma análise voegeliana. Clique aqui.

Começo citado um trecho de O Triste Fim de Policarpo Quaresma (BARRETO, Lima. São Paulo: Ática, 1993. p. 175). Diz o narrador:

“A pátria que quisera ter era um mito; era um fantasma, criado por ele no silêncio do gabinete. Nem a física, nem a moral, nem a intelectual, nem a política que julgava existir, havia. A que existia de fato, era a do Tenente Antonino, a do doutor Campos, a do homem do Itamarati”.

Essa é a reflexão feita por Policarpo Quaresma quando estava ele na prisão. Fora preso por reclamar ao Marechal Deodoro a morte de praças prisioneiros da revolução que se levantara contra o governo. Quaresma via o mundo segundo as ideias que concebera no seu gabinete. Da terra ao governo, da moral à cultura, a realidade era para ele as suas criações irreais. O Brasil que ele idealizara não existia, porém. Existiam as pessoas concretas, a terra concreta, a moral pessoal concreta, etc., que concretamente tinham virtudes e vícios, bens e males.

Daí, pergunto: O que é esse “Brasil” que “quer” tal “transformação”? Quem “deseja” qual “velocidade”? Quais os conteúdos significados por esses verbetes utilizados por Carlos?

Em primeiro lugar, que é o Brasil? Um conjunto de territórios? A Cisplatina já foi Brasil, não é mais. O Acre não era, agora é. Não parece que a palavra queira significar o conjunto de territórios. Isso pode-se discutir. Porém, um conjunto de territórios não pode “quer” nada. Não é este o sentido da palavra usada pelo vereador.

O Brasil é num conjunto de pessoas? Pode ser: Um conjunto de pessoas que vivem em determinados territórios; um conjunto de pessoas que reconhecem e estão sujeitas à mesma lei e à mesma autoridade; um conjunto de pessoas que se comunica pelo mesmo idioma; um conjunto de pessoas que possuem mais ou menos a mesma cultura; um conjunto de pessoas que se percebem mais ou menos como filhos da mesma história. Essa discussão dá pano para a manga…

Penso, porém, que podemos partir disso: o vereador filho do presidente refere-se a um conjunto de pessoas que querem a mesma coisa Um conjunto de pessoas deseja, porém, univocamente algo?

“Um conjunto de pessoas” é um ente de razão e não tem existência real. Explico. Tomemos por exemplo a palavra “humanidade”. Alguém que está na avenida Angélica poderá ver a humanidade entrando na churrascaria Angélica Grill para almoçar num domingo? Não! Verá esta ou aquela pessoa. Ninguém verá a humanidade atravessando a rua, verá esta ou aquela pessoa. Aqueles que existem na realidade são os seres-humanos individualmente, e a humanidade existe em cada um deles. A humanidade, porém, não existe senão como um objeto da nossa mente, do nosso intelecto, abstraída do ser real pela nossa razão. É, portanto, um “ente de razão”, um ente que possui ser separado apenas na mente que nele pensa.

Um ente genérico de razão, substância segunda na linguagem da filosofia medieval, não possui volição (i.e., vontade, capacidade de querer). A capacidade de querer algo é uma capacidade pessoal. Boécio define pessoa como “substância individual de natureza racional”. Faz parte do ser-racional da pessoa o querer: a pessoa conhece algo, julga-o bom e o quer. A pessoa, porém, tem existência individual, própria, concreta, sepadara. Se não existem os entes de razão, não existem as suas vontades. E aí está precisamente o descolamento do real, o mundo como ideia, preocupante no qual vive a ala olavista do governo.

Em primeiro lugar, eles creem na existência do “Brasil” como ente real e concreto. Depois, crêem que este ente quer algo. Ora, o Carlos percebe a si mesmo e os integrantes do seu grupo incluídos neste “Brasil” como “conjunto de pessoas que quer algo”. Portanto, crêem que o “Brasil” é idêntico àquelas pessoas que percebem o mundo e têm os mesmo valores que ele, o seu excelentíssimo pai, os seus irmãos, o seu grupo. O governo encarna a vontade do Brasil. Aqueles que não fazem parte deste Brasil — todos os que divirjam em qualquer ponto do Olavo, que é o guru do grupo e paradigma do bem e da verdade, como explico no mini-curso de gnose que está a acontecer no meu instagram — , não são brasileiros.

A democracia é um tipo de governo no qual as várias vontades existentes nas várias pessoas que compõe a nação representam-se no poder, e o sistema é concebido para que nenhuma delas seja imposta como vontade nacional. Por isso, ela é um empecilho para aqueles que creem num mundo como descrito acima.

Mais: se o problema da ação dos ideólogos está na tentativa de fazer caber o mundo nas suas ideias de gabinete, então o que será capaz de fazer a família Bolsonaro, acrescida ainda a sua vontade de poder, contra aqueles que não são “o Brasil”, que percebem o mundo de maneira diferente “d’o Brasil”, que tem valores ou que querem algo diferente “d’o Brasil”? Serão levados ao paredão? Aos Gulags? Serão feitos cidadãos de segunda ordem? Essa é a vontade do grupo: que haja pureza de percepção do mundo e de valores morais em nosso país? Os Bolsonaros são os Messias que libertarão o Brasil da mistura espúria que há hoje entre o Brasil e os não-brasileiros que aqui residem? Isso, evidentemente, já foi feita na história. Acompanhemos.

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