Parasita: entre o cinema e o k-drama

Luana Marino
blogADQSV
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6 min readJan 9, 2020

Eu sou rata de premiações, daquelas que só queria uma galera pra fazer bolão e pipoca pra assistir ao Oscar. Quando Parasita ganhou a Palma de Ouro 2019, tive 80% de certeza de que, ao menos, uma indicação ao dito prêmio mais importante do cinema era certa. E quando começaram a sair os primeiros escolhidos da crítica, a certeza passou a ser do prêmio em si.

Parasita (2019)

Sim. Tal como foi com “Roma” de Alfonso Cuarón ano passado, como foi com “A vida é bela”, de Roberto Benigni em 1999, como foi com “O Tigre e o Dragão”, de Ang Lee em 2001, Parasita não só vai levar em Melhor Filme Estrangeiro como é possível sair da premiação do dia 9 de fevereiro com mais alguns carecas na bolsa. Sem dúvida, é o filme sensação da temporada, queridinho dos críticos e cinéfilos e que colocou a Coreia do Sul de vez no mapa.

Estava muito curiosa para ver Parasita, principalmente quando saíram as primeiras críticas, sempre positivas. Uma coisa, porém, começou a chamar minha atenção, especificamente: a dificuldade de se definir, afinal, em qual gênero o filme se encaixava.

E pode ler tranquilo se você ainda não assistiu ao filme, é um artigo sem spoilers.

Parasita, o “drama”

A primeira impressão que tive de Parasita é a de estar assistindo a algo familiar, e aqui, caro leitor, quero me referir sim ao universo dos dramas coreanos, primeiro porque 90% do elenco são conhecidos dos fãs de K-dramas. Choi Woo Shik, por exemplo, tem no currículo trabalhos em The Package, Fated to Love You, Fight My Way, entre outros; Park So Dam (JÉSSICA/ ONLY CHILD/ ILLINOIS/ CHICAGO) protagoniza um drama que amo, Because It’s My First Time, e também atua em Cinderella and Four Knights e Beautiful Mind; Lee Sun Gyun brilhou em My Mister, mas para mim será eternamente Choi Han Sung de Coffee Prince; e Cho Yeo Jeong esteve absurda em Beautiful World. Isso sem contar com a ponta de Park Seo Joon, que dispensa apresentações às dorameiras, e às demais atrizes que compõem o elenco principal, Lee Jung Eun e Jang Hye Jin.

Park So Dam e Choi Woo Shik

O segundo ponto que em muitos momentos me deu a sensação de estar assistindo a um drama foi justamente o que foi mais elogiado pelos críticos. Confesso, aliás, que foi engraçado ver as pessoas se surpreendendo com a capacidade do filme de ir do cômico ao terror e depois ao drama em poucos takes e sem ser caricato. Aqui, diga-se, mérito total do diretor Bong Joon Ho somado ao ótimo texto e às excelentes atuações de seu elenco (que, vale lembrar, foi vencedor do SAG Awards, o Sindicato dos Atores, na categoria principal, de elenco de filme).

Algumas cenas bem específicas de Parasita — e já icônicas — me lembraram muito o estrondoso SKY Castle, drama que causou um surto coletivo nos coreanos no início de 2019 ao quebrar recordes de audiência para uma TV paga (JTBC). Abusando do humor negro, o drama conseguiu esfregar o dedo na ferida do sistema educacional coreano e na loucura que é a competição entre as famílias ricas dos estudantes. Um drama que tratou, portanto, de um assunto social e urgente para a realidade do país, que lidera o índice de suicídio entre jovens nos países que compõem a OCDE.

Parasita, por sua vez, também aborda uma questão social urgente, mas muitas vezes camuflada pelo discurso do Korean Way of Life tão bem vendido pela cultura coreana, nos próprios k-dramas até (mas isso é assunto para outro texto): o abismo que existe entre as classes.

Sim, existe diferença social lá, e ela é cruel como em qualquer país. No filme, a direção sabe exatamente dizer através da linguagem cinematográfica que ali estão dois mundos muito bem separados (e paro por aqui para não soltar spoiler, é preciso ver e ficar atento aos detalhes, os mínimos detalhes).

Mas voltemos à SKY Castle, o drama. A história é um primor técnico, sobretudo de direção e atuação. É uma história que sabe dosar de forma magistral comédia, drama e terror psicológico ao longo dos seus 20 episódios. E tal como Parasita, sabe incluir recursos como o uso da câmera lenta (este, tão presente nos dramas), da trilha sonora clássica, dos supercloses para realçar as emoções do espectador que está assistindo àquilo tudo.

Compartilhei uma vez no Twitter a cena abaixo e disse que me lembrava muito o filme “Deus da Carnificina”, de Polanksi, que basicamente se passa numa sala, com dois casais tentando resolver uma briga entre os filhos de forma civilizada, mas tudo acaba numa baixaria que só! E é incrível como a cena cresce, chega ao seu ápice de maneira cômica e termina dando um tapa na cara do espectador — àquela altura rachando de rir, e depois se sentindo mal porque, afinal, eles estavam reunidos ali por conta de uma tragédia.

Comentário define perfeitamente o que é um drama coreano!

Leia também: “SKY Castle: o castelo de areia do sistema educacional coreano”

Parasita é recheado de momentos cômicos assim, e há uma cena em especial, logo após a reviravolta que o roteiro provoca, que é exatamente desta forma: o humor negro, a câmera lenta, a música clássica. Você se acaba de rir com aquela nonsense tão bem construída e aí depois fica em choque com a maneira como tudo termina — aqui, no caso, nada mais é do que o filme nos trazendo de volta à realidade, mostrando de mais uma maneira como os mundos dos pobres e dos ricos está dividido.

Parasita, o “cinema”

Claro, não podemos esquecer que Parasita é cinema, e o seu roteiro é infinitamente mais maduro e verdadeiro que o de uma novela, pois existe uma diferença importante de linguagem aqui. Por mais que os elementos narrativos escolhidos por Bong Joon Ho — enquadramentos, o certo exagero nas performances, o humor nonsense, o drama carregado, a narração do ponto de vista de um personagem — nos sejam familiares, o texto cumpre perfeitamente a crítica social a qual se propõe sem meio termo. E se SKY Castle sobrevive às tragédias e termina cheio de otimismo, o ato final do filme de Joon Ho é um soco no estômago de tão real, só que essa realidade dói.

Como cinema, Parasita passeia muito bem por todos os aspectos que compõem um filme: o roteiro é bem construído, com um plot twist que transforma a história de A para B e é daqueles que nem o mais sagaz espectador poderia imaginar; a fotografia aliada ao design de produção é perfeita em retratar o abismo que existe entre o mundo dos pobres — claustrofóbico, entulhado, cinzento-esverdeado — e o dos ricos — planos sempre abertos, a grandiosidade dos espaços, a elegância das linhas compondo a decoração, uma porta de vidro enorme permitindo a entrada de muita luz; a direção de Bong Joon Ho extrai o melhor de seu afinado elenco e dita os tons de comédia, drama e suspense na medida certa; e tantos pontos que deixariam um estudante de cinema encantado.

As linhas, a luz, o design… tudo é tão lindo no mundo dos ricos…

Se eu fosse apontar um defeito, se é que isso pode ser chamado assim, diria que a realidade de Parasita é tão cruel que possivelmente só vai dialogar com quem realmente sente na pele os efeitos desse capitalismo selvagem. Para os mais ricos, talvez, tudo não passe de um conto moderno meio Hitchcockiano, artístico, performático, alegórico, mas nunca totalmente real.

Em suma, é uma história que funciona sim para outros países sem deixar de ser 100% coreana. O cinema sul-coreano, aliás, está se tornando especialista em levar para as telas críticas sociais urgentes, e não é a primeira vez que Joon Ho debate a diferença entre classes.

Parasita é uma história cheia de camadas, que vão se revelando em cada ato ao decorrer das 2h12 da sua duração. É um filme que, em minha opinião, merece ser visto duas vezes, pois quando você o assiste novamente, fica ainda mais impressionado com aquele detalhe, aquela peça que no final vai se encaixar perfeitamente.

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Luana Marino
blogADQSV

Jornalista, revisora de textos, fã de dramas asiáticos, Bon Jovi, Game of Thrones e Fórmula 1!