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Robôs que hesitam: o Princípio Cooperativo — Parte 3

Roc de Castro
Bots Brasil
Published in
6 min readMar 14, 2019

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Bons modos para dar respostas difíceis sem frustrar sua audiência.

Com licença, desculpa e obrigado. Senhoras e senhores da turma da conversa. Se eu pudesse dar só uma dica sobre o futuro de seus bots seria esta: ouça os políticos. Já o resto de meus conselhos não tem outra base confiável além de uma experiência que gostaria de compartilhar no final desse texto.

Os bons modos e costumes sobre os quais quero falar, para dar sequência à série Robôs e o Princípio Cooperativo, não são as 3 palavrinhas mágicas que abrem o discurso de hoje.

Se bem que lembrei agora de referências interessantíssimas sobre usar ou não essas gentilezas nos diálogos de chatbots e outros assistentes digitais. Posso te mandar embora agora mesmo, só que de maneira mais educada, com elas.

A primeira é a regra do “evite desculpinhas”, que os guias e manuais costumam chamar de “Unapologetic”. A outra referência bacana é um texto que poderia ser tagueado como “UX Desculpacional”. Em termos reais, o autor se questiona sobre incentivar ou não os usuários, nesse caso específico crianças, a serem polidas com a Alexa. Guardou, leu e voltou? Saudações outra vez, senhoras e senhores.

Agora, voltando aos papos quentes, chegou o momento de falarmos sobre Máxima do Modo. Essas recomendações do Princípio Cooperativo ditam mais ou menos o seguinte:

  • Evite expressões obscuras;
  • Evite ambiguidades;
  • Seja breve. Prolixidade é inútil;
  • Mantenha uma certa ordem no que você fala.

Vossa excelência, tenha modos!

Se você escuta tudo o que certos políticos dizem, é por risco e responsabilidade sua. Já ouvir como eles falam pode ser uma aula e tanto. A carteirada acadêmica de hoje vem do estudo: “Hesitation, Equivocation and Pausing: Unveiling the micro-world of political rhetoric and spin”.

Uma grande lição deste livro foi aprender a usar os símbolos de transcrições da Conversation Analysis (CA), com todos seus detalhes e nuances. Assim, fica mais fácil de ler e comparar os áudios de interações faladas com suas representações escritas que incluem: repetições, introduções falsas, interjeições, pausas, prosódia, ruídos, sobreposições de falas, além de outras informações contextuais relevantes. Tipo essa legenda:

Hesitation, Equivocation and Pausing: Unveiling the micro-world of political rhetoric and spin.

Como quebrar o decoro sem ofender a audiência?

Um dos exemplos mais divertidos do livro é a tática de suavizar um palavrão usada pela parlamentar britânica Emily Thornberry. A partir da articulação cuidadosa de uma pausa com elementos de prosódia, ela praticamente sussurra sua opinião sincerona sobre a tese do interlocutor durante um programa de entrevistas. O resultado é que a palavra feia acaba sendo recebida com bom humor e simpatia. Seguem a transcrição e o áudio.

Bollocks emily thornberry andrew marr

Ah, e o autor do livro tem um blog onde você pode ler mais sobre estas técnicas na faixa.

Para finalizar a parte mais retórica da nossa conversa, vou deixar aqui o vídeo do NerdWriter ❤ com uma análise de uma resposta de Donald Trump. O nada decoroso presidente usa e abusa da Máxima do Modo, manipulando a linguagem de uma maneira pra lá de habilidosa. Dá uma olhada como suas expressões são claras, curtas e diretas. E maquiavelicamente ordenadas com palavras repetidas, fortes e simples no final das frases. Como bem diz o escritor nerd Evan Puschak, o Trump pode não ser um Einsten, mas é um vendedor de ideias esperto pra diabo.

How Donald Trump Answers A Question — Nerdwriter

Quase um bot duas caras

Já falei num artigo anterior sobre conciliar boas práticas de UX de Conversação com regras de negócio. No design-exemplo-hipotético-baseado-em-fatos-reais de hoje, vamos esbarrar com uma das situações mais cruéis: o banco que atende linda-e-maravilhosamente-bem seus prospects, mas que não se importa taanto assim com clientes.

Contexto: a usuária é uma early adopter de novas tecnologias. Ela viu que saiu uma nova Action do seu banco no Google Assistant. Na maior empolgação, chama a Assistente Virtual e descobre que o bot adora falar com estranhos para vender seus planos e produtos. Mas, com clientes, seu negócio é dispensar o quanto antes.

Nesse caso, acho que um dos maiores desafios quando nos aventuramos numa dessas novas plataformas é o dilema da primeira impressão.

Se você falhar na estreia do produto, as chances do seu usuário traumatizado sair falando mal da experiência e nunca mais testar uma solução futura, mesmo que essa solução seja a versão super-ultra-melhorada, é grande. O estudo “Mental Models for Intelligent Assistants”, conduzido pelo pessoal do Nielsen Norman Group, corrobora com a recomendação:

Exposing your customer base to a low-performing AI solution will prevent them from trying any improved solutions you might release in the future.

Dito isso tudo, vamos ao exemplo. Inspirado numa retórica política, usei repetições, falsos inícios e pausas preenchidas com hesitações no SSML. O objetivo foi tentar passar uma impressão de constrangimento, apelando pra cumplicidade do segredinho, estratégia acompanhada ainda de uma promessa para o futuro (no caso um link para o app de atendimento digital).

Será que consegui uma certa empatia, minimizando a frustração da usuária, sem ilusões? Ou fui manipulador como mandam as regras de negócio da marca que paga o suor que escorria da minha testa enquanto escrevia a resposta? Diz que responde o que você acha nos comentários? (carinha do Wall-E)

Bônus — o pescador de ilusões

E aí, valeu a pena, eh eh? O conselho final? Não é protetor solar. Muito do que uso ao escrever diálogos vem da minha experiência como editor de ficção, roteirista de games e quadrinhos. Na época, eu costumava devorar os livros da coleção Writers Digest.

Parte do acervo pessoal do melhor e do pior dos tempos

Foi com esses bebês que aprendi, entre outras técnicas, a ficar de orelha em pé. Que para escrever diálogos convincentes é preciso prestar mais atenção em conversas ao redor. Principalmente em situações onde emoções costumam ficar à flor da pele.

Então, quando falei em ouvir políticos, eu também estava falando em ouvir baixarias, lamentações e alegrias de seres humanos em locais como filas, rodoviárias e aeroportos. A parte boa é que, hoje em dia, você não precisa dar bandeira de ficar anotando tudo o que ouve num bloquinho. Fingir que tá só esperando numa tela do celular, enquanto pesca ilusões, é bem mais fácil.

Mas se quiser usar o bloco de notas, agora que aprendeu os símbolos para uma boa transcrição oral, também pode.

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Eita. Chegamos na metade. Esse é o quinto artigo de uma série que relaciona referências de UX conversacional com a experiência de 10 chatbots que desenhei em 2018.Você pode o primeiro por aqui, já o próximo acá. Até logo mais 👋.

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