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Robôs que improvisam: o Princípio Cooperativo — Parte 4

Roc de Castro
Bots Brasil

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Como aplicar estratégias evolutivas da linguagem natural no design de conversas.

Então, como eu estava falando… O Princípio Cooperativo, aquele. Você sabe, da relação do design de conversas com design de produtos. Interfaces conversacionais. Sobre usabilidade e robôs, digo, chatbots. Tá me seguindo? Provavelmente não, né?

O que tentei reproduzir agora é uma situação constrangedora pra lá de corriqueira. Sabe quando você está no meio de uma conversa e a sua mente voa, voa para bem longe? Aí, balança a cabeça, murmura “uhum” de tempos em tempos até pescar uma palavra solta. Então, quando percebe, não lembra onde estava o assunto. E também não tem coragem de avisar que está boiando.

Se você nunca ficou preso num monólogo sem fim, você é sim uma pessoa privilegiada. E, se o seu interlocutor seguir falando como se fosse um áudio de WhatsApp de 10 minutos, a culpa pode ser sua.

O que acontece é que, assim como fofocas não se proliferam sem confidentes e perguntas exigem respostas: todo narrador precisa de um bom ouvinte para a conversa andar plena e prosa. Dá só uma olhada no resumo do experimento “Ouvintes como Co-narradores”:

Article (PDF Available) in Journal of Personality and Social Psychology 79(6):941–52 · December 2000

Em resumo: quanto menos o ouvinte se dedica, mais o narrador dá voltas, conta a história de maneira pouco eficiente e, quando chega a hora da punchline, não atinge o efeito dramático esperado.

Segundo essa teoria de storytelling colaborativo, um narrador precisa receber alguns sinais, específicos ou vagos, de que está sendo entendido até então. Seriam como sinais de tráfego avisando que a conversa chegou no local e no momento certo para avançar. Da primeira interação até um obstáculo, passando por todos os atos até a conclusão da história.

A relevância que dá liga

Em artigos anteriores, falamos sobre as máximas da quantidade, da qualidade e de modo. Também demos uma pincelada na teoria de implicaturas, técnicas de reparos, manipulações de prosódia. Chegou a hora de falarmos dela, da famigerada relevância. Em design conversacional, ela pode ser considerada uma espécie de liga que garante uma certa unidade entre todos os outros ingredientes da conversa.

A Máxima da Relevância do Princípio Cooperativo propõe:

  • Seja pertinente. Fale sobre o que concerne ao tema da conversa. E só troque de assunto quando todas as partes envolvidas concordarem.

Dito isso, turnos de uma conversa podem ser considerados como duetos musicais improvisados. Ou melhor, numa analogia menos rebuscada, conversas naturais são menos como uma partitura pré-definida e mais como o freestyle de uma batalha de MCs. Tá confuso, não tá favorável? Já falamos da diferença.

Cada primata no seu galho

Em interações vocais observadas nas espécies de primatas menos evoluídos, existe uma certa progressão, uma ordem definida. A duração das vocalizações de cada indivíduo é pré-determinada, até que a sinfonia seja concluída. Quando alguma nota está errada, ou acontece um movimento inesperado, a comunicação é interrompida. E, como a cola da relevância dos nossos amigos símios é fraca, dessa vez, nada de match. Sente o drama desta partitura de acasalamento observada ad infinitum entre gibões:

How We Talk: The Inner Workings of Conversation — The glue of relevance

Diferente do casalzinho bem orquestrado aí de cima, nós humanos somos mestres da improvisação. Como nossas conversas não são roteirizadas, na maioria das vezes, não sabemos antecipadamente quanto tempo um papo pode durar, o que nossos interlocutores vão falar, e nem em que ordem. E fazemos esse repente funcionar sem fazer muita força, quer ver só?

Sim ou não? Talvez. Pode ser…

Nas sequências acima, mesmo que o Turno 2 não seja uma resposta direta de “sim” ou “não” para as perguntas do Turno 1, criar um sentido lógico para elas é o caminho mais natural. Para nós humanos talvez seja mais difícil não ver uma conexão em interações tão próximas uma da outra. Agora, tente se colocar no lugar de um robô com a cognição de um gibão. Será que ele entenderia a intenção e o sentimento dos interlocutores?

Quando alguma coisa tá fora da ordem

Na maioria dos chatbots que já desenhei, e também nos que vejo por aí, as conversas são muito bem roteirizadas. Mas quando alguma interação do usuário acontece fora do contexto, ou fora da ordem pré-estabelecida no fluxo, costuma dar ruim.

Já existem estratégias e recursos tecnológicos para tratar destas situações. O Google tem um vídeo sobre controle do fluxo de diálogo bem interessante sobre o assunto.

E a IBM tem um tutorial excelente, um pouco mais técnico, sobre os Slots do Watson Assistant.

Agora, rufem os tambores: também tem a questão do ritmo, importantíssimo para o sucesso de uma conversa cognitiva e natural mais avançada. Num fluxo com muitos passos necessários, existem maneiras de se acelerar ou de fazer paradas estratégicas, repetindo e confirmando as informações recebidas em momentos mais sensíveis e relevantes. Qual é qual?

Uma boa resposta pode ser encontrada neste artigo do James Giangola onde ele dá mais uma aula de mestre com muitos exemplos sobre o poder das repetições, quando usar confirmações explícitas ou implícitas no design de conversas.

Meça suas palavras

Para fechar essa série de textos com uma chave (de fenda) de ouro, deixo aqui um checklist que gostaria de praticar com todas as interações que escrevo e observo.

A ferramenta foi criada por Patricia Zeni Marchiori, uma pesquisadora da filosofia da linguagem para avaliar, sob a ótica de cada uma das máximas do Princípio Cooperativo, contribuições de alunos num processo de escrita colaborativa.

Você pode substituir “postagem” por “interação”, “aluno” por “usuário-bot” e “conferência” por “conversa”, por exemplo. E mãos à obra.

AUSTIN, SEARLE E GRICE NA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO — Zeni Marchiori

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Com este último artigo sobre o Princípio Cooperativo, acabou? Não. Só chegamos no sexto texto de uma série que relaciona referências linguísticas e UX conversacional com chatbots da vida real. Você pode ler do primeiro ao último por aqui. Até breve, espero👋.

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