Cenário: As Civilizações Andinas

Porakê Munduruku
Brasil na escuridão
7 min readJan 29, 2019

Terceiro artigo da série que trás nossa proposta de background histórico para um cenário latino-americano de Lobisomem: O Apocalipse. Você pode conferir as demais partes nos links ao final do texto.

Voltemos à América do Sul, nossa casa, como eu já disse, foram nos Andes sul-americanos que floresceu a primeira cidade das Américas, Tollan, sucedida pela civilização Caral, também no altiplano andino. Porém, por séculos depois de Caral, a América do Sul prosperou sem necessidade de formar grandes centros urbanos. Poucos Mokolé se aventuraram no altiplano desde que Kukulcán decidiu imergir nas profundezas da Umbra junto com Tollan. Mas evidências arqueológicas e as histórias compartilhadas por Bêtes andino, em especial os Gurahl, nos ajudam a montar um quadro geral.

Sabemos que coube a cultura Chavín, no extremo Sul do que hoje se conhece como Peru, recuperar o legado de Caral. Por interferência de uma ordem de poderosos feiticeiros humanos conhecidos como Sapan Intiq Churin e pelo ramo andino dos Bastet da Tribo Pumonca que insistiram em permanecer clamando Parentes hominídeos entre os pequenos assentamentos de camponeses dispersos nos vales entre as montanhas.

Como eu tinha dito, foi a traição de Supay, o Bastet também conhecido como Tezcatlipoca, que levou a queda de Tollan. Assim, desde Caral, por muito tempo, foram os Pumoncas, e não os jaguares, que dominaram os Andes, contando com o apoio dos sábios Gurahl andinos e com as bênçãos da Serpente e do Condor, dois dos mais poderosos totens da região.

Os Chavín aprimoraram o cultivo do milho e da batata, dominaram a criação de llamas e aprimoraram técnicas de metalurgia e tecelagem para dar base a seu desenvolvimento, mas eventualmente foram superados e incorporados por outras culturas que assimilaram essas suas conquistas tecnológicas, tudo isso impulsionou uma grande leva de civilizações urbanas andinas como Moches, Nazcas, Tiahuanacos, Chimus, Chinchas, Incas e muitos outros.

A Civilização Nazca foi particularmente influenciada por Ananasi Tenere, legando às civilizações posteriores importantes conquistas tecnológicas como aquedutos, canais e poços que levaram água e agricultura às regiões desérticas do altiplano andino. Os Nazcas são lembrados até os dias atuais por seus imensos geoglifos, que podem ser vistos a distância e de grandes altitudes, que, apesar de intrigar humanos ignorantes dados a teorias da conspiração, representam um recado claro gravado no solo do deserto para seus antigos inimigos Corax que diz: Mantenham-se longe!

É dito que os primeiros Corax surgiram na América do Sul, muito antes mesmo que os filhos do lobo cruzassem o Estreito de Bering. Esses ancestrais Corax eram de tantas cores quanto são as aves sul-americanas, mas por alguma razão desconhecida eles travaram uma Guerra contra as Ananasi, que os levou à beira da extinção. As crias de Ananasa são oponentes terríveis e já estavam por aqui antes mesmo da Era do Reis. Os ancestrais do Corax, que haviam aberto mão da Mnese em troca das assas que os permitiam explorar tanto os céus do mundo físico quanto da Umbra, quase foram extintos depois que uma maldição foi lançada sobre eles por poderosos feiticeiros Ananasi, uma maldição que não permitia que nenhum de seus ovos-fetiches fossem chocados em Ambalasokei. No fim, seus remanescentes, que assumiram o nome de Corax e esqueceram de sua origem, foram forçados a se dispersar pelos quatro cantos da Terra, perdendo o contado com suas terras ancestrais. Dizem que é pelo luto por seus irmãos perdidos que todo Corax, desde então, exibe penas pretas, mas eles costumavam ser tolos demais para recordar a origem da cor das próprias penas. Até pouco tempo nenhum Corax parecia capaz de recordar porque não há corvos na América do Central e do Sul. Só muito recentemente ovos-fetiche voltaram a ser chocados por essas bandas, depois que uma heroína Corax de linhagem africana do Makunguru, pois fim a antiga maldição.

Foi também entre as civilizações andinas, que criaturas extremamente discretas e sábias, conhecidas como Capacochas, prosperaram. As Capacocha, as Múmias sul-americanas, criadas a partir de um antigo ritual desenvolvido por sacerdotes Chichorro nas cercanias do deserto de Atacama, onde hoje está localizado o Chile, cerca de 7 mil anos atrás, muito antes do surgimento das mais antigas múmias egípcias. Essas criaturas poderosas contribuíram para a prosperidade das grandes civilizações urbanas andinas, mas nada dura para sempre e, com o passar dos séculos, as costumeiras guerras entre diferentes civilizações nativas foi agravada pela a chegada dos Demônios do Sangue Tlaciques e outros vampiros, vindos do decadente Império Maia na América Central ou emergidos das profundezas da Floresta. Essas criaturas seduziram e corromperam os Sapan Intiq Churin, feiticeiros sob a tutela das Capacochas. Vítimas de sua própria vaidade esse humanos poderosos mergulharem a região em conflitos cada vez mais violentos e oferecendo sacrifícios de sangue para deuses tão malignos quanto sedentos.

Nos calcanhares dos Demônios de Sangue, muitos Bastet Olioiuque retornaram aos Andes, como apoio das Capacochas e de Mokolés que clamavam descender da antiga linhagem de Kukulcán, e por reconhecer essa ajuda esses jaguares retomaram o antigo culto à Kukulcán, mas agora, passando a chamar a mítica fundadora de Tollan que seus ancestrais haviam traído há séculos, pelo nome de Amaru, gratos pela piedade de seus descendentes.

Os Olioiuqui que retornavam para os Andes haviam estado exilados na América Central desde a queda de Tollan, e se aperfeiçoado na arte da guerra durante a ascensão do antigo Império Maia, eles rapidamente reivindicaram os domínios onde, por milhares, de anos haviam reinado seus irmãos Pumonca.

Os pumas eram mais sábios do que guerreiros e ofereceram pouca resistência as pretensões dos jaguares recém-chegados. Ainda hoje os descendentes desses jaguares se reivindicam os senhores dos Andes e de toda a América do Sul, mas os registros arqueológicos demonstram que os povos andinos do passado honraram muito mais o discreto puma do que o orgulhoso jaguar. Reclusos e determinados, os Gurahl andinos jamais deixaram de reconhecer os Pumoncas como os legítimos senhores dos Andes e mantiveram-se distantes dos guerreiros jaguar, considerando-os ambiciosos e instáveis demais para serem dignos de confiança. Os Olioiuqui, porém, encontraram poderosos aliados entre as Capacochas, que viam neles valiosos aliados em sua guerra contra os Demônios do Sangue.

A aliança entre Capacochas e Olioiuqui fez parecer que a vitória estava ao alcance dos Bastet que tentavam guiar a jovem nobreza Inca para sua própria visão de grandeza, estabelecendo um novo e grande império. Os guerreiros jaguar tiveram sucesso em invadir e destruir um a um muitos dos mais poderosos refúgios de poderosos Demônios de Sangue e Tawantinsuyu, o Império Inca, prosperava. Mas, então, veio a morte de Huayna Cápac, o último Grande Inca, e com ela a guerra pela sucessão entre seus dois filhos, a Guerra dos Dois Irmãos, que enfraqueceu ainda mais qualquer chance de resistência aos recém-chegados colonizadores europeus. Então veio Pizarro à frente de uma horda de Estrangeiros da Wyrm que o seguiam, disseminando doenças, malditos e trucidando os povos locais. E o Império Inca foi conquistado pelos estrangeiros, mais ou menos ao mesmo tempo em que, ao norte, o mesmo era feito com o Império Asteca.

Por mais grandiosa que tenha sido, como Tollan, Tawantinsuyu caiu e sua queda é lamentada até hoje pelos descendentes dos antigos Olioiuqui, que se orgulhavam sua suposta superioridades de suas cidades e de seu poderoso império na América do Sul. Novamente, eles haviam experimentado a “grandeza” apenas para engolir sua mais amarga derrota e se virem forçados a terem que unir forças com seus irmãos, e antigos rivais, os selvagens Hovitl Qua, jaguares das profundezas da floresta, apenas para terem a chance de sobreviver e lutar novas batalhas, assim, foi formada a tribo Balam.

A Memória das Montanhas

O sábio Killa p’unchay, Kojubat Gurahl dos Guardiões das Montanhas andinas, reflete sobre antigas histórias de seu povo:

Sei que somos poucos e modestos comparados aos grandes ursos do norte, mas nossa linhagem é antiga e nossas histórias remontam às eras esquecidas. Por aqui, o frio desencoraja a presença Mokolé, que estão em casa nas planícies alagadas e quentes ao leste. Na sua ausência, nos resta cuidar de nossa própria memória, cultivando antigas histórias e canções. E, como as rochas, nós somos a memória das montanhas.

As histórias mais antigas nos contam como nossos ancestrais compartilharam seu mais sagrado segredo com os sacerdotes Chichorro, para que apenas os mais dignos entre eles pudessem vencer a morte e ajudar seu povo, nosso povo, a prosperar mesmo nas mais duras condições. Eles prosperaram. De posse desse segredo, seus sucessores, venceram guerras e ergueram impérios, nem sempre com sabedoria. Mas até eles precisaram encarar o fato de que o fim chega para todos, de um jeito ou de outro.

Talvez não tenha sido sábio de nossa parte compartilhar esses segredos. Talvez haja coisas que é melhor esquecer. Seja como for, o fim bate a nossa porta, a Sombra da Extinção está em nosso encalço. Nunca houveram tão poucos ursos de óculos. Nunca fomos muitos, nem tão poucos. Talvez tenhamos selado nosso destino tentando ajudar nossos Parentes. Seja como for, o tempo é um rio que corre apenas em uma direção. Sim, o fim chega para todos, mas enquanto o fim não chega, nos resta viver.

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Porakê Munduruku
Brasil na escuridão

Mombeu’sara, griô amazônida e escritor. Administrador da Página Brasil in the Darkness e integrante da Kabiadip-Articulação Munduruku no Contexto Urbano.