Lar Ameaçado: América do Sul sob a perspectiva dos Fera

Porakê Munduruku
Brasil na escuridão
6 min readMay 2, 2019

Este artigo explora a América do Sul como cenário para crônicas de Lobisomem: O Apocalipse, sob a perspectiva dos Fera, a partir de suplementos oficiais para o jogo, as referências podem ser encontradas junto aos trechos citados. Se você tem interesse em conhecer uma abordagem mais autoral sobre o que teria sido a região antes da colonização europeia, recomendamos este artigo AQUI. Se você deseja conhecer uma perspectiva Garou, recomendamos este outro artigo AQUI.

Para além dos limites da Nação Garou, há todo um leque de outras raças metamórficas que em nenhum outro lugar do mundo são tão presentes e variadas quando na América do Sul e, consequentemente, no Brasil, além de todo um rico cenário que ainda reflete as consequências da Guerra da Fúria e da própria Guerra contra a Wyrm na região. O avanço da corrupção em todos os campos, quer no cenário político ou na miséria material e espiritual dos grandes centros urbanos (ou mesmo nas zonas rurais e rincões do Brasil), bem como a destruição da natureza selvagem, que abarca, não só a onipresente preocupação com a Amazônia, mas outros ecossistemas ainda mais ameaçados como a caatinga, o cerrado e a mata atlântica.

Aliás, este é um dos cenários onde mais sobressai a possibilidade de se jogar Lobisomem interpretando membros de outras raças metamórficas, ainda que sem qualquer aliança inter-racial prévia estruturada como as Cortes Bestiais no oriente ou o Ahadi africano. E mesmo sem qualquer ponto confiável de contato entre os Garou e os Fera (como os Portadores da Luz, Hakken e Boli Zouhisze na Ásia; ou os Peregrinos Silenciosos e Kucha Ekundu na África; ou, ainda, os Uktena e Wendigo na América do Norte).

Quem sabe poder interpretar um Balam dividido entre o rancor de seus ancestrais e a necessidade de aliança com os odiosos Garou para salvar a própria pele? Ou um jovem e sábio Mokolé tentando costurar uma aliança entre diferentes raças metamórficas mesmo diante da reprovação de seus Anciões? Ou ainda, qualquer outro personagem Fera revestido com a certeza inabalável de que os Garou são os verdadeiros inimigos, servindo, ainda que inconscientemente, à Wyrm, à Calash, à Decompositora?

Mokolé, Bastet, Ananasi, Nagah, Ratkins seriam outras opções triviais de Fera nativos para explorar esse rico cenário. Em relação aos Fera sul-americanos, o material oficial dá algumas escorregadas, é verdade. Estabelece, por exemplo, que a sociedade Fera por essas bandas é basicamente formada por Bastet da Tribo Balam e Mokolés-Mbembe que teriam chegado aqui tardiamente vindos da África ao fugir da Guerra da Fúria e costuma reduzir a região aos Andes, Cidades e Floresta Amazônica.

Essa abordagem reducionista, estabelecida no infame suplemento “Rage Across The Amazon” e depois reafirmada nos Livros de Raça Metamórficas Bastet e Mokolé, assim como no mais recente suplemento “Rage Across The World”, suplemento do W20, é no mínimo genérica e simplista, pois ignora elementos importantes da história e até da ecologia da região. A América do Sul, e o Brasil como parte significativa dela, concentram uma das maiores diversidades de habitat e espécies animais de todo o planeta e tem um potencial ilimitado para fornecer bons ganchos para histórias.

Inscrito na silhueta da América do Sul, o Glifo Bastet oficial para designar este território específico.

No recente suplemento do W20, Changing Breeds, é assim que a região é apresentada pelo ponto de vista das Raças Metamórficas:

“Na porção sul do hemisfério ocidental, metamorfos estão lutando uma guerra em todas as frentes. Agentes da Wyrm, sob o disfarce de investidores humanos, continuam a destruir as selvas que costumava ocultar os domínios metamórficos da predação Garou. Seus territórios têm diminuído, Bastet e Mokolé lutam para retomar seus lares dos agentes da Wyrm, mas também dos grupos de guerra Garou que parecem tão satisfeitos em lutar contra outras raças metamórficas quanto com os lacaios da Wyrm.

Muitos Bastet reagem lançando sua fúria cega nos madeireiros e crias da Wyrm que destroem suas casas na floresta, ou nos invasores Garou, a quem culpam pela presença constante da Wyrm. A Wyrm responde com madeireiros humanos cada vez mais bem armados, ajudados por malditos e muitas vezes Formori, lutando contra ambos, Garou invasores e raças metamórficas nativas. O resultado final é uma série de batalhas de três vias que ameaçam causar tanto dano para a floresta tropical quanto as empresas madeireiras. Acre por acre, dia a dia, a violência continua a piorar, sem fim à vista.

Vendo o custo dessa guerra sem fim, os Mokolé fizeram algumas alianças mais próximas com as tribos nativas locais, e tem ajudado nos esforços desses humanos para proteger suas porções da Amazônia através de legislações sobre os direitos dos povos indígenas. Alguns começaram a lutar contra a guerra, mesmo moderna de uma forma diferente, usando vastas quantidades de conhecimento e sabedoria para identificar novas drogas para emissários da indústria farmacêutica pesquisando a floresta tropical. Se for do interesse das empresas proteger a terra, eles argumentam, então poderão encontrar aliados até mesmo entre aqueles que antes procuravam devastar e explorar a selva. No entanto, a maioria das outras raças metamórficas considera que esse plano em particular os coloca próximo demais de seus inimigos jurados.

Desesperadamente lutando para sobreviver, outros Mokolé têm procurado casas nos arredores menos densos de algumas das cidades humanas em expansão da América do Sul e Central. Se funciona para o Ratkin (a única Raça metamórfica que está em ascensão por lá), os répteis-metamorfos esperam que possa funcionar muito bem para eles. Infelizmente, os Ratkin não estão muito entusiasmados para compartilhar seu nicho determinado, então esses pretensos Mokolés urbanos enfrentam tanto a desaprovação externa de quem os acusa de terem abandonado a tradição, quanto a oposição local dos ratos-metamorfos que já habitam ali.

Os maiores centros populacionais do continente também são o lar de um número significativo de Ananasi, que estão determinados a evitar que a guerra na Amazônia se alastre por seus domínios. A partir de suas teias urbanas, eles trabalham para manipular a queda daqueles que ameaçam trazer conflito indesejável para as regiões que eles controlam. Até agora, as aranhas-metamorfas têm sido cuidadosas o suficiente para que poucos entre as outras raças metamórficas percebam quem ou o que está por trás dessas manipulações, mas por melhor que as aranhas tenham tecido sua teia de mentiras até aqui, uma eventual descoberta é quase inevitável.” (W20 — Changing Breeds, Pg. 27–28)

Reducionismo, generalizações e superficialidade nos parecem bons adjetivo para descrever essa abordagem. Felizmente, outros suplementos nos oferecem mais peças para compor esse quebra-cabeça, em especial, os Livros das Raças Metamórficas, suplementos da segunda edição de Lobisomem: O Apocalipse, o que nos permite vislumbrar muito mais detalhes e compor um quadro mais com muito mais riquezas e nuances, embora, nem sempre condizente com a nossa realidade.

Por outro lado, nos parece um desperdício tremendo simplistemente deixar de lado as oportunidades abertas por esse cenário único no Muno das Trevas que é a América do Sul, para simplesmente transpor para cá uma cópia do contexto já estabelecido em outro continente, como uma “Aliança Ahadi Tupiniquim”.

Vejamos agora como o material oficial trata cada uma das Raças Metamórficas no que tange a América do Sul e o Brasil e como propomos explora-las no contexto dessas regiões de uma forma realmente única:

Início | Ajaba | Ananasi | Bastet | Camazotz | Corax | Grondr

Gurahl | Kitsune | Mokole | Nagah | Nuwisha | Ratkin | Rokea

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Porakê Munduruku
Brasil na escuridão

Mombeu’sara, griô amazônida e escritor. Administrador da Página Brasil in the Darkness e integrante da Kabiadip-Articulação Munduruku no Contexto Urbano.