Mais Glamour, menos Banalidade!

Sobre Changeling e representatividade LGBTQIA+ no Mundo das Trevas.

Brasil In The Darkness
Brasil na escuridão
6 min readJun 27, 2021

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Por Eros Rosado

Ilustração do suplemento Book of Storyteller Secrets para a 2ª Ed de Changeling: The Dreaming.

No Mundo das Trevas (MdT) temos uma gama enorme de cenários e cada um possuí sua própria temática sob a ótica e vivência das criaturas sobrenaturais. Desde imortais Múmias às Aparições (fantasmas), Changelings (fadas), Magos, Metamorfos (lobisomens e outros) e as grandes estrelinhas, os Vampiros. Cada um deles trás, por meio do RPG, uma abordagem diferente a respeito do individual e coletivo, do político, social e místico; com a abordagem de temas maduros e densos cujos aprofundamentos vão depender, tanto em sentido, quanto em complexidade, do interesse e particularidade de cada mesa.

É possível jogar Mundo das Trevas sem trazer os elementos políticos, sociais e as críticas sob a realidade histórica e material das sociedades? Na minha perspectiva pessoal não só é, como está tudo bem em fazer. Às vezes precisamos mergulhar em algo que não seja conflituoso, por exemplo o cenário de agora (2021) em tempos de COVID-19 em que estamos todos calejados de alguma maneira. Porém, não dá para negar que esse é o melhor cenário se você deseja fazer abordagens mais sérias, conscientes e críticas a respeito do mundo (das trevas) em que vivemos.

Sendo o mês do Orgulho LGBT+ um espaço para a reflexão, vou voltar minha atenção para o cenário que em minha leitura mais se aproxima da realidade das pessoas que contrariam os padrões socialmente estabelecidos de gênero e sexualidade. Vale a pena dizer que ele não é apenas sobre esta temática, mas que pode abordar muitas de suas questões. E não somente, é um cenário que os próprios jogadores do World of Darkness negligenciam até hoje por sabe-se lá o porquê. Afinal estamos falando das fadas, inseridas em cenários plurais e coloridos, com elementos como o glamour, encanto, Sonhos e fantasia. E vamos combinar tudo isso é meio… nada cisheteronormativo.

Correlacionando experiências com Changeling: O Sonhar…

Eros de Fiona, Cavaleiro Caipora das Marcas do Viridário. Arte de Júlia GMA.

Quero aproveitar para fazer uma saudável provocação ao jogador que não considera Changeling bom o suficiente para pertencer ao MdT. Começando por lembrar que em Changeling os horrores, pavores e angustias não só ganham vida em sua totalidade, como também podem ferir a você e as pessoas que você ama; assim como tudo que é belo e prazeroso é amplificado, nossos horrores e desgostos também são. Bem como, te lembrar que os Changelings tocam um mundo repleto sonhos, encantos e maravilhas e ao mesmo tempo lidam com a lenta e dolorosa decadência dos mesmos. Tente imaginar a dor de perder tudo aquilo que você é e tudo aquilo que você poderia ser. O “horror” em Changeling pode ser encontrado de diversas outras maneiras, basta dar uma chance e deixar o Glamour fluir.

Bem, vamos começar por um elemento básico. Qual o maior inimigo dos Changelings? Aquele que derrubou todas as fadas de suas posições quase divinas, fazendo muitas delas engolir a própria arrogância no passado e forçando todas aquelas que não conseguiram retornar para a segurança de Arcádia a recorrer ao Expediente Changeling, na tentativa de viabilizar sua existência neste plano mortal em processo de padecimento. Ela mesma, a banalidade!

A banalidade pode ser entendida como aquela energia, força ou ideia contrária ao glamour sendo então sistemática, cética, padronizada, rígida, monocromática e imutável dentre outros adjetivos. A partir disso, te convido a refletir sobre como isso de fato se manifesta e se desdobra em nossa sociedade, é aqui que podemos começar a questionar e compreender as algumas coisas.

Por exemplo, questões que podemos chamar de conservadorismo, fanatismo, etnocentrismo, consumismo, opressão e preconceito — conceito pré-estabelecido — e outras questões sociais são parte ou consequência da banalidade e se desdobram em adoecimentos físicos, mentais e sociais. A banalidade também torna impensável qualquer coisa que seja diferente de uma ideia predeterminada, e isso leva a estagnação, ignorância, incompreensão e a rejeição.

Pensando nas pessoas LGBTs é possível intuir algumas coisas a partir da listagem anterior, sendo possível fazer um paralelo entre a LGBTfobia e o conceito de banalidade do cenário de Changeling: O Sonhar. Se por um lado existe uma onda de ideias e pensamentos permeados por conservadorismo, ódio e preconceito que vão oprimir, criminalizar e tentar eliminar a existência da população LGBT+ em nossa realidade, por outro, temos elementos análogos, quando não idênticos, corroendo os sonhos do mundo e forçando cada Changeling a enfrentar uma luta diária pela sua própria existência.

Um elemento interessante para analisar é a força da identidade no cenário de Changeling. Pense só, cada Kith (ou Gallain, para os não europeus) possuí em si a essência dos sonhos das culturas, seres humanos e sua psique, da própria natureza e etc. Os Caiporas, por exemplo, tanto são os sonhos sobre a fauna e a (re)conexão do homem com o meio ambiente e os animais, que isso se reflete em tudo aquilo que ele é, como suas habilidades, personalidade e também seu semblante feérico (aparência).

A partir disso, é imaginável a profundidade do conceito de identidade que vai muito além de apenas nossas aparências ou gostos pessoais, ela é o que somos e está sempre mudando. Quando violada no cotidiano, leva o Changeling a se submeter ao mundano e agressor cotidiano do sujeito autodeclarado “normal”, por conta de sua banalidade, podendo até mesmo leva-lo ao adormecimento de sua alma feérica que é basicamente a morte. Pensando, sobretudo na sigla T, a necessidade de respeitar a identidade de alguém pode ter um sentido análogo.

Todo Changeling vive uma luta diária pela manutenção de sua existência, tal como uma pessoa LGBT+ em muitos sentidos. A banalidade que constantemente ataca o Changeling, vem no cotidiano a partir de pequenas ações ou outras coisas mais brutais, tal como ocorre a LGBTfobia com ações pequenas e/ou naturalizadas e outras em maior escala. Ambas vêm sempre em um mesmo sentido na tentativa de oprimir, recriminar e apagar, tentando fazer o que foge do padrão preestabelecido voltar ao seu predeterminado devido lugar. Ser você mesmo em um mundo onde o desconhecido é demonizado ou criminalizado, a ignorância ocupa cargos de liderança e as ideias são negadas antes mesmo de serem entendidas ou experimentadas, torna tudo difícil para os Changelings e pessoas LGBT+.

Representatividade LGBTQIA+ em nosso trabalho na Brasil in the Darkness…

Símbolo da Capitania do Rio Negro. Arte de Júlia GMA.

Embora haja muitos elementos que podemos trazer e fazer paralelos, espero ter conseguido exemplificar algumas ideias. Falemos um pouco do que está por vir pela Brasil In The Darkness no que diz respeito representatividade LGBT+ no cenário de Changeling: O Sonhar no Brasil, afinal fazer a devida representatividade e não mera representação é um diferencial que sempre nos propomos a fazer.

Em Ewarë, O Reino Encantado da Amazônia, está localizada a cidade de Manaus, que diferentemente de todo o restante do território, se vinculou ao Império do Crepúsculo. Estamos falando da Capitania do Rio Negro que é liderada pelo personagem LGBT+ Capitão Marcelus, um Sidhe Outonal e herói nascido na periferia de Manaus. Em sua capitania se encontra Lady Eloá, a Baronesa dos Campos Plácidos, que ocupa o cargo de liderança da Antiga Ordem das Ikamiabas, guerreiras ancestrais que fazem oposição ao culto patriarcal a Jurupari.

Lady Eloá é membro do Povo conhecido como Matintas. Gallain que transitam entre os mundos, atravessando barreiras postas pela banalidade que polarizam a vida entre masculino e feminino, morte e vida, sagrado e profano, mundano e mágico e impedem o reconhecimento da diversidade e consolidam tabus que embasam violências, não só de gênero e sexualidade, mas contra tudo aquilo que é repelido pela ignorância mortal.

Para maiores detalhes sobre nossa proposta do cenário brasileiro que estamos propondo para Changeling: O Sonhar, confira o link abaixo:

Ewarë, o “Reino” Encantado da Amazônia.

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Brasil na escuridão

Fanpage brasileira do universo clássico de RPG de Mesa, Mundo das Trevas (World of Darkness).