Matintas, Sonhos das Terras Sem Sonhos.

Releitura dos Kiths Oficiais de Bellatierra para o cenário de Ewarë.

Brasil In The Darkness
Brasil na escuridão
11 min readJun 26, 2021

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Por Porakê Martins, Alex Pina, Eros Rosado & Jessele Damasceno.

Versão em Português-BR | Versión en Español

Art by Keoma Calandrini

“Mais do que aprisionar o instante em um clique, a magia da fotografia é reforçar a ilusão de que algo pode resistir à ação do tempo. Não pode! Nada dura para sempre. E somos nós que escolhemos se retiramos deste fato, conforto ou desespero.”

-Lady Eloá, Baronesa dos Campos Plácidos.

A sociedade Caapuã, como qualquer outra, também possui seus tabus, e nenhum deles é maior do que aqueles envolvendo as Terras Sem Sonhos. Para os Caapuãs, a morte é uma parte natural da vida, do ciclo natural, assim como a humanidade é parte do todo que é a natureza, por isso, no início dos tempos as almas dos humanos falecidos seguiam para o Sonhar da Terra, no Fundo, os domínios dos espíritos naturais, para voltar a se integrar ao grande todo, abrindo mão de sua individualidade para dar lugar a novas possibilidades, como ocorre com todos os demais espíritos.

Porém, em algum ponto, a humanidade se rebelou e se recusou a seguir o ciclo, provocando uma cisão no Fundo, que deu origem a Terra sem Sonhos, os domínios sombrios onde as almas dos mortos inquietos tentam se agarrar à Superfície enquanto são permanentemente tragados por um colossal fosso sem fundo que nada mais é do que a manifestação espiritual da própria ambição humana, que jamais pode ser saciada e a tudo consome e destrói.

Os Caapuãs, em geral, evitam as Terras Sem Sonhos e seus habitantes, vendo-os como domínios e criaturas amaldiçoadas por Boiaçu. Felizmente, este não é o caso das Matintas, cuja essência questionadora e a perspectiva única sobre o Sonhar as levam a desafiar não apenas os limites entre a vida e a morte, mas também aqueles que delimitam as convenções sociais, inclusive as de gênero, e os preconceitos mais arraigados.

Matintas são rebeldes e sobreviventes inatas, cuja existência remete às antigas tradições dos pajés indígenas que transitavam entre gêneros para obter uma compreensão mais profunda da natureza humana e dos segredos místicos inacessíveis às mentes subjugadas pelas amarras do senso comum. Segundo a tradição, as Matintas foram criadas por Boiaçu a partir dos sonhos dos povos nativos sobre a morte, os mortos e sobre temores, pesares e esperanças, como questionadoras e mediadoras entre os vivos e os mortos inquietos, que habitam as Terras sem Sonhos, elas possuem profunda compreensão das motivações humanas e daquilo que se costuma chamar de “Destino”.

Embora nem todas cumpram este papel e algumas tenham até mesmo sido seduzidas pelas ambições e a arrogância, supostamente oriunda de sua contraparte humana, sob qualquer olhar as Matintas são seres únicos, mesmo entre os demais Povos Caapuãs, detentoras de poderes, conhecimentos e perspectivas que nenhum outro Povo ou Nação Changeling possui, transitando por domínios que muito poucos são capazes ou ousados o suficiente para trilhar.

Aparência: Em seu aspecto mortal a aparência das Matintas pode ser incrivelmente diversa, elas podem pertencer a qualquer origem étnica, social e cultural, sempre dispostas a questionar estereótipos e explorar novas perspectivas da existência humana. Apesar dos Caapuãs tradicionalmente se referirem às Matintas em geral como “elas”, a existência de Matintas homens é amplamente conhecida em Ewarë, ainda que os membros masculinos deste Povo tendam a ter uma postura bem mais descronstruída em relação a questões sobre gênero e sexualidade do que os de qualquer outro Povo Caapuã. Em seu semblante feérico, Matintas parecem muito mais velhas do que realmente são, embora envelheçam com graciosidade. Rugas prematuras, cabelos grisalhos, vozes ásperas são traços comuns entre as integrantes deste Povo. Seus olhos leitosos com pupilas e íris se fundindo na esclera retêm sempre uma centelha de poder queimando em suas profundezas, reluzindo um conhecimento além de qualquer alcance mortal. A carne de seu rosto não parece mais do que pele esticada sobre ossos, conferindo-lhes uma aparência perturbadoramente esquelética. E independentemente do gênero, suas unhas e cabelos são sempre compridos, embora com uma aparência descuidada, fato que contribui para que os incautos concluam que seu Povo é formado apenas por mulheres.

Estilo de Vida: Enquanto Karuanas são amplamente reconhecidos como senhores dos segredos das Terras dos Sonhos, as Matintas são as mestras inquestionáveis dos mistérios das Terras Sem Sonhos, é verdade que tal posição costuma estar longe de conferir o mesmo tipo de prestígio, e embora Matintas possam ser ainda mais temidas e respeitadas que qualquer Karuanas, elas não estão livres dos estigmas que insistem em seguir no encalço de quem ousa desafiar tabus tão arraigados no imaginário contemporâneo, como aqueles relacionados à morte e aos papéis de gênero.

Por sua natureza e ousadia, estão entre os Caapuãs que possuem mais chances de interagir com Pródigos como Vampiros e Aparições em seus próprios termos, sendo capazes de obter Glamour de formas perturbadoras demais para a maioria dos outros Changelings e de se adaptarem de maneira sagaz e determinada ao caos dos grandes centros urbanos do Brasil e da América Latina.

Matintas se sentem atraídas por carreiras que as mantenham vinculadas a missão que lhes foi conferida por Boiaçu ou onde possam obter o máximo de proveito de seus dons únicos, profissões como a de médica legista, corretora de seguros, carpideira, dona ou funcionária de funerária, taxidermista, enfermeira de CTI, investigadora de polícia, advogada criminalista ou repórter policial, bem como antropólogas, filosofas e cientistas sociais que se dedicam a temas ainda encarados como tabus, como questões de gênero, suicídio e ritos funerários.

Suas Infantes são crianças introvertidas e consideradas bastante esquisitas, com um fascínio precoce pela morte e tudo relacionado a ela, comumente sendo alvo de bullying, embora demonstrem uma maturidade bastante precoce. Suas Estouvadas muitas vezes se sentem atraídas pela estética gótica, assim como por todas as formas de misticismo, buscando expandir ao máximo seus conhecimentos sobre o Fundo, a Terra Sem Sonhos e tudo relacionado a eles, inclusive no que diz respeito à Pródigos como Vampiros e Aparições, eventualmente metendo-se em confusões e atraindo atenções indesejadas. Aquelas que sobrevivem para se tornar Rezingonas são criaturas incrivelmente sábias, poderosas e perigosas, muito procuradas por seus conhecimentos e capacidades únicas, embora bastante difíceis de encontrar, se este não for seu desejo.

Matintas alinhadas ao seu Aspecto Dia tendem a ser criaturas sábias e poderosas, genuinamente comprometidas com sua missão ancestral de mediar conflitos entre os vivos e os mortos inquietos e vice-versa, heroínas ousadas e muitas vezes injustiçadas por tal ousadia. Aquelas que cedem a seu aspecto Noite são criaturas egressas dos piores pesadelos, desenvolvendo e explorando suas habilidades únicas para subjugar vivos e mortos aos seus desejos através de pactos e manipulações maquiavélicas.

Símbolo Caapuã para o Povo Matinta.

Organização: Felizmente, ou infelizmente, a organização não costuma ser um forte das Matintas, por sua natureza introspectiva e questionadora, elas tendem a agir sozinhas e então entre os Povos com o menor nível de organização interna. A renomada Lady Eloá, a mais proeminente representante deste Povo que se tem notícia, preferiu se unir à Capitania do Rio Negro e aceitar um Título menor da nobreza Kithain do que aceitar o convite para compor o Grande Conselho de Ewarë, ascendendo à posição de Líder da Guarda da Capitania no processo. Infelizmente, esta atitude não contribuiu muito para diminuir o estigma sobre as Matintas entre os Kithain fora da Capitania do Rio Negro e ainda é bastante comum que Matintas sejam confundidas com Thallain nos Reinos que compõem o Império do Crepúsculo. Mesmo dentro de Ewarë, o mais comum é que elas sejam encaradas com mais temor do que respeito.

Entre os Caapuãs, Matintas podem tanto tomar parte de Anamas, integrando Grupos de Caça e Conselhos de Anciões, quanto optarem por agir de forma independente, dependendo unicamente de suas inclinações individuais e do quanto se sentem acolhidas pela comunidade local. Pois seu estreito vínculo com a Terra Sem Sonhos e os mortos inquietos pode ser visto com desconfiança mesmo entre os demais Povos Caapuãs. Porém, quando integradas a uma Anama, elas tendem a ser membros ativas e ocupar posições de liderança, servindo à comunidade com dedicação e obtendo muito respeito por sua sabedoria e dons únicos. Seja como for, como parte de uma Anama ou agindo sozinhas, Matintas possuem uma grande empatia e afinidade com os Panemas (Thallain nativos), muitas vezes se associando a eles e buscando protegê-los ou recrutá-los como capangas, dependendo do alinhamento com seu aspecto Dia ou Noite.

Elas também possuem um vínculo estreito com os Eborás, compartilhando conhecimentos e experiências sobre como lidar com a Terra Sem Sonhos e os mortos inquietos e cultivando com eles relações de respeito mútuo. Por tudo isso, é bastante comum que fora dos limites de Ewarë, Matintas tomem parte de Egbés Eborás e até mesmo cheguem a alcançar dentro deles a posição de Egbomi.

Já entre os Kithain, elas costumam encontrar bastante hostilidade, perseguidas e expulsas por nobres locais, embora também existam exemplos de nobres que secretamente utilizam seus serviços como conselheiras e feiticeiras, em especial, para lidar com problemas envolvendo os mortos inquietos. Esta postura, faz com que Matintas se esforcem para ser bastante discretas quando se fixam nos territórios reivindicados pelo Império do Crepúsculo, tendo pouca ou nenhum vínculo com a comunidade Kithain local. A exceção são os Sluagh, com quem as Matintas costumam ter boas relações, eventualmente colaborando para lidar com Aparições.

Como já foi dito, as Matintas estão entre os Caapuãs mais prováveis de manterem relações com Pródigos como Vampiros e Aparições. Elas possuem laços ancestrais com uma estirpe de vampiros nativos autointitulados Afogados, que tendem a ter níveis de Banalidade bem menores que os demais mortos-vivos, essa relação costuma ser ainda mais próxima com um Povo conhecido entre eles como Corpos-Secos, e algumas vezes chegam a ser confundidas com tais criaturas. Elas também mantêm uma antiga aliança com Aparições de um Reino Específico na Terra Sem Sonhos, chamado de Reino de Tucumã, trocando favores com estes fantasmas em troca de obter mais conhecimentos sobre a Terra Sem Sonhos.

Características: Matintas tendem a priorizar atributos Mentais e Físicos aos Sociais, assim como Conhecimentos e Talentos às Perícias, valorizando especialmente: Empatia, Intimidação, Tino, Persuasão, Enigmas, Gramática Mágica e Tradição Oral. E têm afinidade pelos seguintes Antecedentes: Posses, Lembranças, Séquito, Aliados Espirituais (para refletir seus aliados entre os mortos inquietos) e Vínculo Espiritual (normalmente para representar sua ligação especial com o Totem da Rasga-Mortalha).

Artes: Como os demais Caapuãs, Matintas têm livre acesso às Artes mais comuns como: Andanças, Chicana, Prestidigitação e Princípio. Porém, possuem uma afinidade especial por: “O Toque da Caipora” (Metamorphosis) para explorar novas perspectivas e percepções sobre a Superfície e o Fundo; “Presságios de Yamandú” (Vaticínio), devido a sua compreensão inata das teias do destino; e “O Sigilo de Jaci” (Autumn), devido sua familiaridade com as Terra Sem Fundo e os Mortos Inquietos.

Afinidade: Ator.

Euforia: Matintas recuperam Glamour comparecendo a funerais, participando de rituais fúnebres ou em memória dos mortos e compartilhando histórias trágicas ou assustadoras sobre assombrações. Elas também apreciam vagar por cemitérios, ouvindo as histórias dos recém falecidos e de pessoas vivas que visitam seus mortos.

Desencadear: Quando as Matintas recorrem ao Desencadear o tempo parece parar e revelar as linhas da trama do Destino. Imagens sombrias piscam em todos os lugares, levando a várias probabilidades diferentes. Os espelhos mostram rostos como poderiam ter sido, ou como ainda vão ser, enquanto o cheiro de túmulos antigos e de sepulturas recém-revolvida enche o ar.

Laços que unem (Herança): Seu vínculo estreito com a morte torna sua conexão com os vivos ainda mais importante. Matintas podem tocar outra pessoa e gastar 1 de Glamour para absorver sua dor emocional, raiva ou tristeza, restaurando 1 de Força de Vontade do alvo e aliviando seu estado emocional. (Se você está familiarizado com Aparição: O Esquecimento, esta Herança também permite às Matintas restaurar um ponto do Pathos de uma Aparição por ponto de Glamour gasto). Estar ligado à morte também significa que elas são capazes de sentir instintivamente a presença de Aparições (Novamente, se você está familiarizado com Aparição: O Esquecimento, tal efeito poderá exigir um teste de Percepção+Tino com dificuldade igual ao nível da Mortalha local). Adicionalmente, elas ainda podem gastar 1 de Glamour para perceber a presença de Aparições e se comunicar com elas por uma cena.

Previsto é advertido (Herança): Uma vez por sessão de jogo, a Matinta pode gastar 1 de Glamour para rolar novamente qualquer teste, contudo, o novo resultado deve ser mantido, mesmo que seja pior do que o primeiro teste. Elas podem usar isso para beneficiar ou prejudicar outro personagem em sua linha de visão, mas usá-lo em um alvo hostil ou relutante requer pelo menos um sucesso em um teste de Força de Vontade (dificuldade igual ao nível de Força de Vontade do alvo).

Verdades Inevitáveis (Fragilidade): É dito que para assegurar que as Matintas cumpram seu papel como mediadoras de forma diligente, Boiaçu lhes impôs a sinceridade como uma maldição. Muitas delas tentam burlar esta limitação simplesmente mantendo-se caladas sempre que é possível ou medindo cada palavra com atenção, quando não têm escolha. Todas elas sofrem do defeito da “língua de bardo” (Changeling pág.187). Além disso, uma Matinta deve ser bem-sucedida em um teste de Força de Vontade (dificuldade 7) para evitar fazer uma avaliação totalmente honesta quando sua opinião é solicitada. Elas não são obrigadas a falar, mas, se o fizerem, é difícil conter o que consideram ser a verdade. Isso torna difícil para eles usarem mentiras inocentes e outras invenções “socialmente aceitáveis”, o que lhes garante uma reputação de franqueza entre os Caapuãs, embora não contribua para sua desenvoltura em situações sociais. Curiosamente, essa fragilidade não se aplica quando a Matinta se dirige a crianças mortais, ou qualquer pessoa que tenha sido alvo do vínculo emocional conferido pela Herança “Laços que unem” durante aquela mesma cena, permitindo que mesmo mentiras sejam usadas para aliviar a dor do luto nestas pessoas.

Pontos de Vista

Franca e altiva, Lady Eloá reflete sobre diferentes formas que a sabedoria pode assumir:

ALICANTOS: Há uma inegável sabedoria em ser capaz de se adaptar aos novos tempos.

BOIÚNAS (Sachamamas): Como a própria Boiaçu elas representam o equilíbrio entre força e sabedoria que todos devemos almejar.

BORAROS: Essas caras precisam aprender que a tradição até pode ser como uma bússola, nunca como uma camisa de força.

CAIPORAS: Eles veem além do óbvio e estão sempre atentos às mudanças, têm minha admiração.

CURUPIRAS: A perseverança é uma característica admirável, mais ainda quando combinada à sagacidade, assim são os Curupiras.

KARUANAS: É possível ser sábio e passional? Os Karuanas provam que sim.

MAPINGUARIS: Ter tornado seus maiores guerreiros, também os mais relutantes, é uma das maiores provas da sabedoria de Boiaçu.

UIARAS (Encantados): Evitar conflitos que não se pode vencer é uma importante lição que eles nos ensinam.

EBORÁS: Nenhum de nós conviveu por mais tempo com a humanidade, não parece sábio lhes dar ouvidos?

KITHAIN: É tolice não reconhecer que temos muito a aprender com eles.

| ALICANTO | BORARO | BOIÚNA | CAIPORA | CURUPIRA |

| KARUANA | MAPINGUARI | MATINTA | UIARA |

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Então conheça mais detalhes de nossa proposta de cenário alternativo o jogo no link abaixo:

Ewarë, o “Reino” Encantado da Amazônia.

A Nação Caapuã: Herdeiros dos Sonhos Nativos.

Cosmovisão Caapuã

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