Preto no RPG

Brasil In The Darkness
Brasil na escuridão
3 min readNov 4, 2021

Por Kynni Kayode

“Não!”, “Não!”, “Não!”; sendo os jogos de RPG um reflexo da sociedade excludente, “Não” é o que um jovem rpgista preto lê nas entrelinhas de livro que se dispõe a explorar o tons mais coloridos de nossa imaginação. Em Universos que se dispõe a trazer uma libertação fantasiosa para a frieza mecânica da realidade, com seres místicos, armas lendárias, magias, e uma imersão fantástica. É incrível que por mais que se pense em diversas raças e clãs, as questões reais de racismo que vivemos se façam tão distantes e pouco presentes. Nos RPGs e na vida, para ser entendido e aceito enquanto preto, tem que se enquadrar, se submeter às maneiras que eles nos impõem.

O “não” está em tudo, no fato de pouco se explorar mitologias e culturas africanas ou afrodiaspóricas, e quando se explora, costuma ser algo estereotipado, e da pior forma possível. Sou consciente que sou negro, por saber que eles querem um negro fantasiado de branco, um roleplay da vida real. Mas no meu storytelling, o protagonista sou eu, liberto de amarras ideais, a narrativa de um preto por um preto, o Herói que quero ser, não a mácula negra do vilão demoníaco e animalesco que eles criaram.

O “Sim” que o preto diz para o RPG, é o reflexo da luta, das conquistas e dos acessos que o preto obteve na vida real. O RPG que ouve e abraça o preto, automaticamente se torna mais amplo e lida com a realidade de forma mais acurada. Somos o Brasil da umbanda, do candomblé, do Caruru, da Capoeira, do atabaque, do samba, do gingado, da libertação, da cura: existe uma negritude em tudo isso, uma intelectualidade, uma capacidade de união, de enxergar e acolher o outro, uma capacidade de ser revolucionário que nem Bakunim conhece. Nosso sim é uma conquista coletiva, a libertação de reavermos nossos nomes, roupas, cortes de cabelo, danças, religiosidade, apetrechos, de batermos forte no peito e dizermos que temos orgulho disso tudo, e isso nos engrandece.

O acolhimento tribal de um licantropo, a perversão descarada de um cainita, ou mesmo o olhar escatológico e sombrio de uma aparição, quando transpassados pela questão racial se potencializam! Explico: Imagine entrar numa gira de umbanda pela primeira vez, mas não, você não é um médium na roda, ou um visitante na assistência, e sim uma Aparição que até pouco tempo não sabia que havia falecido e precisa resolver questões da vida passada, com a consciência do axé e da ancestralidade que atravessa nossa existência preta. O olhar preto multiplica!

Em um mundo onde o poder está intimamente ligado às milícias, reais e digitais, e mesmo a execução de parlamentares passa impune, como um silêncio que grita e indigna, o Sabá Cainita pode até não parecer grande coisa, mas a imaginação ainda é capaz de promover a reflexão e a catarse que nos mantêm atentos e dispostos a questionar tanto os absurdos cotidianos, quanto os óbvios fictícios.

O Preto no RPG é isso, dizer sim para realidades silenciadas, mas ao mesmo tempo descaradas e bem visíveis. É recorrer à liberdade da ficção para encontrar as forças necessárias para libertar a realidade.

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Brasil In The Darkness
Brasil na escuridão

Fanpage brasileira do universo clássico de RPG de Mesa, Mundo das Trevas (World of Darkness).