Serviços ecossistêmicos
O que a natureza viva tem para oferecer à humanidade?
É dezembro e Cristina, que passou o ano inteiro juntando dinheiro para alugar uma casa na praia mais legal do litoral do seu estado, chega para as tão merecidas férias com toda a família. Depois de arrumar a bagunça, as crianças correm para aquele banho de mar. Cristina nota um cheiro muito ruim e logo percebe que um rio pequenino e malcheiroso deságua perto de onde escolheu para nadar. Mas, tudo bem! Nada pode estragar suas férias maravilhosas. Três dias depois, o maridão está com os pés cheios de micose e as crianças passaram a noite com febre e vomitando na emergência mais próxima. Bosta! Literalmente, foi o que estragou metade das férias.
O fato é que a natureza ofereceu um serviço totalmente de graça para nós, uma praia com águas frescas e limpas para aproveitarmos no verão, e a gente só percebeu quando o serviço parou de ser oferecido com qualidade. Os serviços que a natureza nos oferece são chamados de serviços ecossistêmicos, nos proporcionam bem-estar e, em última instância, favorecem a sustentabilidade da vida na terra (MEA; ONU, 2005). Os serviços não se resumem a uma praia de águas claras, mas também, ar limpo para respirar, água para beber e irrigar lavouras, paisagens naturais que nos trazem diversão e contemplação. Até coisas menos óbvias como insetos para polinizar e garantir a produção de alimentos (frutas, verduras, cereais, grãos) e florestas que contribuem para que o ciclo natural das chuvas aconteça em equilíbrio, são serviços indispensáveis ao nosso bem-estar.
Claro que o bem-estar de uma comunidade passa por atividades individuais e coletivas que por vezes nem percebemos como nos impactam. O que estragou as férias da Cristina, nossa querida mãe de família, foi o fato de que o governo local não garantiu um sistema de destinação e tratamento adequado de esgoto, os proprietários das residências, na ausência de sistema de saneamento, não se preocuparam em implantar fossas adequadas, e os donos de fábricas não se preocuparam em tratar os rejeitos da produção de suas empresas. E tudo foi lançado nos rios que desaguam no oceano. Isso acontece muito. Os rejeitos das fábricas e o esgoto das casas contêm muitas bactérias, e parte delas são prejudiciais ao nosso organismo. Esses rejeitos e esgoto também são alimento para algas invisíveis que vivem nas águas, e em condições normais, não causam maiores problemas. Mas estas algas, diante de tanta comida, passam a se reproduzir descontroladamente, causando o que chamamos de eutrofização. A água eutrofizada fica turva, o que impede a entrada de luz do sol. Sem a luz do sol, outras algas que precisam dessa luz para gerarem energia, morrem. Muitos peixes que comem essas algas também morrem. Isso é uma reação em cadeia que, após muitos anos, não tem volta.
Além da água limpa, o ar também é um serviço ecossistêmico muito importante para os seres humanos, por razões óbvias. Mas, mesmo assim, as fábricas, as refinarias de petróleo, os carros, as motos, os caminhões jogam todos os rejeitos das suas chaminés e escapamentos no ar que respiramos. O valor da água e do ar limpos é muito mais que tomar banho de mar e respirar profundamente sem se sufocar. Os governos economizariam milhões se as pessoas que ficam doentes com problemas associados à qualidade baixa da água e do ar não tivessem que ser atendidas pelo sistema de saúde. A Cristina, por exemplo, gasta um dinheirão com remédios, todo ano, quando as crianças sofrem com problemas respiratórios associados à poluição.
O ar e a água ocorrem em abundância no planeta Terra, mas não são infinitos. Na verdade, eles até seriam infinitos, se nós, de novo, não estivéssemos destruindo as bombas naturais gratuitas que a natureza nos forneceu e que filtram água e ar de forma muito eficiente: as árvores. As florestas, por devolverem a umidade da atmosfera que captam do solo pelas raízes, são grandes responsáveis pela manutenção do ciclo de chuvas. A floresta Amazônica, por exemplo, produz boa parte da chuva que cai no Sul e Sudeste do Brasil (José Marengo, entrevista BBC Brasil, 2012). O Sul da América do Sul, em comparação a outras áreas de mesma latitude nos hemisférios Norte e Sul, deveria ser um grande deserto. Porém, em vez disso é considerada uma área fértil, responsável por cerca de 70% da riqueza produzida da América do Sul (Carlos Nobre, TEDxAmazônia, 2010), em boa parte, graças às chuvas que vêm da Amazônia.
Além de ajudar na formação das chuvas e ajudar a regular o clima, a vegetação nativa ajuda a proteger as fontes e reservas de água acima e abaixo do solo. As raízes das plantas ajudam a estabilizar o solo, impedindo que sedimentos sejam carregados e depositados nos rios, destruindo a sua calha. As raízes também ajudam a diminuir a velocidade do escoamento da água, impedindo enchentes, e filtram os poluentes vindos das cidades e os agrotóxicos das lavouras que poderiam contaminar os lençóis freáticos. Quando uma área natural é transformada em áreas utilizadas economicamente pelo homem (e.g. áreas urbanas, pastagens e agricultura) existe a adição de áreas não permeáveis. A água da chuva, então, não infiltra para repor o lençol freático, e pesticidas e poluentes urbanos, além de sedimentos são carregados para os corpos de água, comprometendo sua qualidade.
Mas, vamos voltar à Cristina lá na praia. Finalmente, as crianças ficaram boas e o maridão achou no maps aquela “prainha” mais afastada onde a qualidade da água parecia melhor. Depois de decidir enviar um e-mail à ouvidoria da prefeitura cobrando mais cuidado com a rede de esgoto, ela finalmente relaxa à beira-mar. Em sua revista favorita, ela lê que a grande diminuição das populações de abelhas pode afetar a colheita de frutas, cereais, café e até chocolate. Ela pensou no cafezinho com bolo de chocolate que lhe custou 25 reais na tarde anterior e cancelou rapidamente o suco de laranja básico que tinha acabado de pedir. Quando foi que viver ficou tão caro!? Pobre Cristina, ela não tem sossego.
Cristina continuou lendo e descobriu que a polinização é um serviço ecossistêmico essencial. Entre 60–90% das espécies de plantas de interesse comercial depende de animais como polinizadores. Organizações internacionais vêm alertando para um declínio nas populações de polinizadores em todo o mundo. Mas em alguns lugares, as pessoas já estão se beneficiando do que a natureza tem a oferecer para economizar dinheiro. Por exemplo, em uma fazenda de café na Costa Rica, alguns pesquisadores perceberam que, se as plantações de café fossem localizadas ao lado de pequenas florestas, a colheita seria maior, tudo por causa da presença de abelhas nativas polinizadoras. Cristina decidiu tomar somente café da Costa Rica.
Assim, da próxima vez que você ouvir que as ações humanas são a maior ameaça à sustentabilidade do planeta Terra, por favor, não torça o nariz. Pense que a poluição da água e do ar, a conversão de áreas nativas de floresta para expansão de cidades, agricultura e pecuária, e a destruição da diversidade de animais e plantas são os motivos pelos quais os serviços ecossistêmicos estão tão ameaçados. Pense na natureza como um componente da economia, que tem um equilíbrio que precisa ser mantido para funcionar.
É passado o momento em que os seres humanos precisam entender que, para continuar desfrutando dos serviços naturais essenciais à qualidade de vida, é preciso achar meios de explorar os recursos naturais de forma sustentável. A civilização humana pode coexistir harmonicamente com a natureza e pode, sim, usufruir de seus produtos. Porém, para reverter os processos que quebram o equilíbrio natural, é preciso tomar ações que vão desde cobrar dos governantes assinaturas e cumprimentos de acordos internacionais, passando por políticas que protejam os recursos naturais, até atitudes individuais, como repensar o seu modo de consumo e o impacto que ele causa no meio ambiente. Todos devemos ter em mente que, o ecossistema equilibrado oferece à civilização humana não somente serviços que são indispensáveis ao nosso bem-estar, mas também que possibilitam a própria existência da vida no planeta. A Cristina, certamente, já se ligou nisso.