Ilustração: Pedro Matallo.

ATO 3

BRIO
BRIO STORIES
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16 min readJan 15, 2016

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O Antes.

Cerca de 40 anos antes de a enxurrada de lama devastar Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e chegar a Barra Longa, a omissão de órgãos de governo abriu a brecha que, décadas depois, resultaria no rompimento da barragem do Fundão e no maior desastre ambiental da história do Brasil. O BRIO mostra neste capítulo como dezenas de autoridades tiveram a oportunidade de evitar o problema, mas não o fizeram.

Década de 1970, ditadura militar no Brasil a todo o vapor. O governo do general Ernesto Geisel (1974–1979) quer a qualquer custo colocar o país na rota do desenvolvimento econômico novamente e tirá-lo da crise em que a nação havia mergulhado depois do golpe de 1964. No período de seu antecessor, o general Emílio Garrastazu Médici (1969–1974), algumas tentativas já tinham sido feitas, a exemplo da rodovia Transamazônica — uma das tantas obras faraônicas do regime ditatorial.

Vigora a Constituição e o Código de Mineração, ambos criados alguns anos antes, em 1967. As duas legislações legitimavam a lógica do “quem chega primeiro” na concessão das riquezas minerais do país. Os instrumentos legais concediam o direito de explorar jazidas minerais àquele que entrasse antes com o pedido no Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), órgão federal criado por Getúlio Vargas em 1934, e que era a autoridade máxima para esse tipo de negócio.

Na época, aspectos socioambientais estavam longe de fazer parte do rol de exigências para a instalação de uma mineradora no Brasil. Como ainda não havia a definição legal de meio ambiente, o código de mineração se limitava a fixar punições para as mineradoras que causassem “prejuízos a terceiros” em decorrência de sua atividade exploratória. Também previa que a empresa deveria promover “a segurança e a salubridade das habitações existentes no local”, bem como evitar a poluição da água e do ar.

Basta provar a viabilidade econômica para que o empreendimento esteja praticamente garantido. Uma vez dado o aval, o empreendedor só precisa pagar pela expropriação da área, quando é o caso, dar início às atividades e faturar com a extração de minérios do solo.

“Naquela época, sempre se preocuparam mais em fomentar a exploração para alavancar o crescimento brasileiro. O controle ambiental, então, era uma coisa que ficava em segundo plano”, explica Valmor Bremm, advogado especializado em direito minerário.

É essa facilidade legal que abre caminho para a mineradora Samarco se instalar entre Mariana e Ouro Preto e construir sua primeira barragem de rejeitos, a Germano, em um subdistrito de Mariana localizado em uma área cerca de 11 quilômetros distante da barragem, chamado Bento Rodrigues, na época, um vilarejo ainda menor.

É a chamada “fatalidade geográfica” da mineração, explica Alberto Fonseca, professor adjunto e pesquisador da área ambiental e mineral da Universidade Federal de Ouro Preto. Como as jazidas minerais estão concentradas em determinada área, a atividade exploratória tem de ocorrer naquele local específico. Senão, fica inviável economicamente.

A Samarco é a segunda grande mineradora a se instalar no município. A primeira, a Samitri, havia chegado seis anos antes. Ambas eram controladas pela Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira. Com a chegada delas na região, as mineradoras colocam fim a um período de décadas sem mineração nas terras de Mariana. Desde que a lendária Mina da Passagem foi completamente desativada em 1954, Mariana vivia mais de suas joias históricas do que de suas minas gerais.

A mineradora chega à cidade trazendo milhares de empregos e o sopro desenvolvimentista tão desejado pela ditadura militar. Em vez de usar os tradicionais caminhões ou trens para transportar minério, a Samarco torna-se pioneira no uso de tubulações, os chamados minerodutos, para escoar sua produção.

Se, por um lado, a inovação apresenta vantagens, como a redução da emissão de dióxido de carbono, um dos principais gases responsáveis pelo efeito estufa, de outro, esse meio de transporte consome grandes quantidades de água, necessária para fazer o minério deslizar por dentro desses tubos na forma de uma lama viscosa.

Nem tudo, porém, é aproveitado no processo de exploração do minério. O processo de beneficiamento do mineral gera também um grande volume de detritos sem valor comercial — no jargão minerador, os rejeitos.

Com o avançar dos anos, a Samarco aumenta sua produção e, ao mesmo tempo, o volume de rejeitos, que têm de ser armazenados em algum lugar. Surge, então, a necessidade de construir grandes barragens para depositar esse material, formado basicamente por componentes arenosos e lama.

Gigantesca, a estrutura de Germano tem capacidade para suportar até 200 bilhões de litros de rejeitos. Um grandioso canteiro de obras é erguido. Os barulhos das máquinas passam a competir com o canto dos sanhaços e a incomodar os moradores, acostumados a dormir com os pios da coruja e acordar com as galinhas.

Moradora de Bento Rodrigues desde 1966, a dona de casa Ana Luiza Messias, 64 anos, levou um susto quando viu sua terra ser invadida sem convite nem aviso pelo vizinho indesejável. “Nunca perguntaram nada pra gente se queríamos aquilo ali”, afirma.

Ela diz ter perdido as contas de quantas noites passou em claro desde que a barragem começou a fazer divisa com Bento Rodrigues. “De madrugada, ouvia uns barulhos estranhos, pareciam uns aviões, helicópteros, lá dentro”, descreve. “Meu maior medo era que aquilo se rompesse um dia”. Mas não lhe restava outra opção a não ser dormir com o inimigo.

Ana Luiza lembra que, já naquela época, representantes da Samarco faziam visitas periódicas aos moradores de Bento. Batiam de porta em porta e faziam propostas para comprar suas terras. A grande maioria das pessoas, porém, não tinha o menor interesse em vendê-las.

Enquanto os moradores driblam a Samarco, a Vale, que, na época, ainda era a Companhia Vale do Rio Doce, a assediava. Em 2000, a empresa efetivamente compra da Belgo Mineira 63,06% do capital total da Samitri, por R$ 971 milhões, e também 51% de sua subsidiária, a Samarco. Simultaneamente, a Vale vende por cerca de US$ 8 milhões 1% do capital da Samarco para a anglo-australiana BHP Billiton, que já tinha 49% da Samarco e aumenta sua participação na empresa para 50%, passando a deter um controle compartilhado da mineradora brasileira com a Vale.

Com a mudança, vem a pressão dos acionistas por melhores resultados. A produção da Samarco, que era de 10,3 milhões de toneladas de pelotas de ferro por ano, passa para 12,5 milhões, um aumento de 22% em apenas um ano. Por causa do crescimento da atividades e, portanto, do volume de rejeitos, a barragem de Germano precisou de uma nova estrutura de armazenagem.

Em 2007, a empresa corta a fita de inauguração de sua terceira barragem, denominada Fundão, com capacidade para 55 bilhões de litros de rejeitos, um quarto do que Germano podia armazenar.

Em 1994, a Samarco inaugura sua segunda barragem: Santarém, com capacidade para armazenar 6 bilhões de litros de água, recurso fundamental para o processo de exploração mineral e transporte por meio de tubos. Doze anos depois, a altura da estrutura teve de ser aumentada pela primeira vez, o que no jargão técnico é chamado de alteamento.

Em 2007, a empresa corta a fita de inauguração de sua terceira barragem, denominada Fundão, com capacidade para 55 bilhões de litros de rejeitos, um quarto do que Germano podia armazenar.

A novidade da Samarco desencadeou críticas de movimentos sociais, principalmente do Movimento dos Atingidos por Barragem, organização que alerta para os riscos de se ter um vizinho tão perigoso por perto. Antecedentes não faltavam para justificar o medo de um acidente. Até 2008, Minas Gerais já computava quatro rompimentos de barragens de empresas mineradoras.

O primeiro e mais grave deles ocorreu em 1986, na Mina de Fernandinho, do grupo Itaminas, que deixou sete mortos e um rastro de lama no Rio das Velhas. Em 2001, foi a vez de uma barragem da Mineração Rio Verde, hoje pertencente à Vale, se romper em Nova Lima, tirando a vida de cinco pessoas e degradando recursos hídricos e mata ciliar.

Dois anos depois, em Cataguases, rejeitos industriais espalharam 900 milhões de litros de um licor negro — material orgânico de lignina e sódio — na Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul. Em 2006 e 2007, foi a vez da mineradora Rio Pomba lançar 2 milhões de litros de lama de bauxita, inundando as cidades de Miraí e Muriaé.

Depois da sequência de incidentes, em 2008 e 2009, os protestos para alertar a população de Mariana e cercanias sobre os riscos das barragens da Samarco ganham força, capitaneados pelo coordenador da Arquidiocese da cidade, Padre Paulo Barbosa, o Padre Paulinho, com o apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Pressionada, a Samarco volta a assediar moradores de Bento Rodrigues para convencê-los a vender suas terras, na tentativa de tirá-los de perto da barragem. A moradora Ana Luiza lembra que as visitas dos rapazes de uniforme se tornaram mais intensas e que a mineradora passou a aumentar a oferta pelas propriedades.

Em 2011, uma delas foi atraente o suficiente para convencer a família Müller a vender o sitio de 70 alqueires que eles mantinham há quatro décadas em Bento.

Moradores do distrito e donos de terras no local relatam que a Samarco tinham um projeto para mudar a vila de lá, mas a maioria das pessoas não quis sair. Depois de investidas fracassadas, a empresa “parou de insistir”, lembra Ana Luiza.

No final de 2012, a Samarco estoura champanhe para comemorar suas conquistas: prêmio de empresa do ano, recorde histórico de produção mensal — com 21 milhões de toneladas de pelotas de minério de ferro — e o décimo lugar no ranking das maiores mineradoras do Brasil, com faturamento bruto de R$ 6,6 bilhões e lucro líquido de R$ 2,6 bilhões. Mas seu presidente, o engenheiro Ricardo Vescovi, queria mais.

“Estamos certos de que temos os alicerces necessários para a nossa sustentação hoje, assim como o potencial para inovar, que garantirão nosso sucesso em médio e longo prazos”.

Assinada por ele, a carta que abre o balanço anual da empresa destaca as metas ambiciosas para a próxima década: “Dobrar o valor da empresa até 2022 e ser reconhecida por empregados, clientes e sociedade como a melhor do setor. A Samarco está em plena expansão, responsável pelo maior projeto privado [o projeto de ampliação P4P (Plano Quarta Pelotização)] em construção no setor de mineração brasileiro até o momento. Com investimento de R$ 5,4 bilhões, vamos ampliar nossa capacidade produtiva em 37%, saltando dos atuais 22,25 milhões de toneladas para 30,5 milhões de toneladas de pelotas de minério de ferro/ano”.

Ironicamente, a carta garantia que o crescimento da companhia estava sustentado em bases fortes: “Estamos certos de que temos os alicerces necessários para a nossa sustentação hoje, assim como o potencial para inovar, que garantirão nosso sucesso em médio e longo prazos”.

A ampliação da capacidade de produção em 37% para atender o plano P4P significava também maior quantidade de rejeitos. Para alcançar a meta de crescimento, era preciso arrumar mais espaço ou aumentar a capacidade das barragens já existentes para depositar o que sobrasse do processo.

Por isso, ao longo dos anos, as barragens de Germano e Fundão sofrem vários “puxadinhos”, ou modificações e reforço de suas estruturas sem passar pelo conhecimento de órgãos ambientais e de controle.

Sem condições de fiscalizar todas as barragens do Estado, a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) passa a exigir, a partir de 2005, que todas as mineradoras contratem auditorias independentes para avaliar a estabilidade e segurança de seus empreendimentos. A periodicidade do envio de auditorias varia conforme a classificação de risco da estrutura. No caso da Samarco, os laudos deveriam ser emitidos anualmente.

Auditoria contratada pela mineradora em 2012 atesta que Fundão “encontrava-se em condições adequadas de segurança” e tinha “estabilidade garantida pelo auditor”, mas a Samarco precisava cumprir nove recomendações. Entre elas, instalar novos instrumentos de monitoramento e calibrar equipamentos que fariam a drenagem da barragem.

Os ruídos de água “correndo feito rio” e de caminhões ficaram cada vez mais frequentes para os moradores de Bento. “Passou a ser todo dia”, relata a moradora Ana Luíza Messias.

Em 2013, a Samarco dá entrada nos papéis para a renovação da licença ambiental da barragem de Fundão. A empresa queria também aumentar a altura da represa de 920 para 940 metros para suportar o aumento da produção, e também unificar as barragens de Fundão e Germano.

José Miguel Cota, secretário de Meio Ambiente de Mariana na época, não queria dar o aval para a renovação do licenciamento porque não estava concordando com algumas questões.

Representantes da Samarco conseguem uma audiência com o secretário. Trazem debaixo do braço um dossiê com todos os documentos e estudos das barragens para uma apresentação detalhada sobre os dois projetos:

– Secretário, aqui estão todos os documentos. Como o senhor pode ver, é a melhor solução para o município — afirmam os enviados da mineradora.

– Hum… Não estou bem certo disso — responde o secretário.

– Não tem outro lugar para construir outra barragem. Sem falar que, se tivermos que construir uma nova, vai causar novos impactos, pois teremos de desmatar outra área — alegam os representantes da empresa.

– Preciso de um tempo para avaliar a questão — responde o secretário.

Terminada a reunião, Cota comenta o assunto com outros funcionários da secretaria:

– O que vocês acham desse pedido de renovação da Samarco, hein?

– Ah, a gente não tem o que falar sobre isso não — respondem os funcionários, que não entendiam por que o secretário estava criando caso para renovar a licença de um empreendimento que já estava ali há tanto tempo.

A Samarco consegue também uma audiência para tratar do assunto com o prefeito, Celso Costa Neto.

Passa-se um tempo e o secretário assina uma declaração de concordância do município tanto para a renovação da licença de Fundão com um novo alteamento quanto para a unificação de Fundão e Germano. Deixando de seguir o protocolo correto, o secretário não coloca o caso em votação no Conselho Municipal de Desenvolvimento e Meio Ambiente, do qual ele era o presidente na época, e assina sozinho o documento que dá o sinal verde para a Samarco.

Superadas as exigências municipais, a mineradora precisa convencer agora autoridades e órgãos de fiscalização em âmbito estadual de que seu empreendimento cumpre todas as regras e que não oferece perigo nem ao meio ambiente nem à população vizinha à barragem.

A empresa monta, então, mais um dossiê com pilhas e pilhas de documentos e o envia para os órgãos ambientais. Recebe um protocolo. O dossiê passa nas mãos de diversas autoridades e instituições de fiscalização.

Outro laudo de auditoria contratada pela Samarco reforça em 2013 que Fundão era segura, embora os técnicos tivessem constatado trincas na estrutura. A estabilidade física da barragem, aponta o laudo, agora dependia do cumprimento de seis novas recomendações. Os auditores pedem para a mineradora continuar registrando as “anomalias” identificadas nas inspeções visuais e manter o monitoramento periódico de Fundão, além de reparar as trincas, recompor canaletas e revisar a carta de risco.

Apesar da necessidade de cumprir as recomendações dos auditores externos para garantir a segurança plena da barragem, um parecer da Secretaria Estadual de Meio Ambiente recomenda a renovação da licença.

O processo de licenciamento ainda precisava passar pelo crivo de um conselho ambiental, conhecido como Copam, que também é subordinado à Secretaria Estadual de Meio Ambiente. Os conselheiros Paula Meireles Aguiar, da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), e Fabiano Blanc Xavier, representante do Sindicato da Indústria Mineral do Estado de Minas Gerais, recomendam a renovação, seguindo os termos do parecer da Secretaria de Meio Ambiente.

Técnicos do Prístino haviam se deslocado até a barragem de Fundão para avaliar in loco as condições da estrutura. Depois de várias vistorias, elaboram um laudo mais cauteloso que os contratados pela Samarco, com diversos alertas sobre a segurança da barragem. É como a premonição de uma tragédia anunciada.

Em paralelo, o promotor de Justiça Carlos Eduardo Ferreira Pinto havia solicitado um laudo técnico ao Instituto Prístino, organização sem fins lucrativos especializada em diagnósticos ambientais, antes de emitir seu parecer sobre o empreendimento.

Técnicos do Prístino haviam se deslocado até a barragem de Fundão para avaliar in loco as condições da estrutura. Depois de várias vistorias, elaboram um laudo mais cauteloso que os contratados pela Samarco, com diversos alertas sobre a segurança da barragem. É como a premonição de uma tragédia anunciada.

Um dos novos problemas apontados, e agora investigado como uma das causas da tragédia, é o risco de erosão que poderia ser provocado pela sobreposição já existente entre a barragem de Fundão aos rejeitos de uma outra mina, a de Fábrica Nova, operada pela Vale. A primeira descarta rejeitos numa estrutura úmida. A segunda é seca, conhecida no meio técnico como pilha de estéril, e está localizada ao lado da Fundão.

O contato entre essas duas estruturas poderia desestabilizar a pilha seca. O laudo do Prístino é claro quanto às consequências do contato entre as duas barragens: ruptura da estrutura que criaria “um fluxo de material com grande massa de estéril se deslocando para jusante em direção ao corpo da barragem do Fundão e adjacências”.

Diante dos riscos, o Prístino recomenda à Samarco um monitoramento constante das duas estruturas e à Superintendência de Meio Ambiente (Supram), órgão da Secretaria Estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais, um estudo de impacto da sobreposição das duas barragens.

Com o laudo do Prístino em mãos, o promotor de Justiça emite um parecer em 24 de outubro de 2013 que condiciona a renovação da licença de Fundão ao cumprimento de uma série de medidas que deveriam ser adotadas pela Samarco. Entre essas exigências, está a apresentação de um plano de contingência em caso de riscos ou acidentes, especialmente em relação à comunidade de Bento Rodrigues.

O processo de licenciamento ainda precisava passar pelo crivo final do Copam. O promotor de Justiça se abstém de votar, pois não estava seguro quanto às condições de segurança da barragem. O conselheiro Ronaldo Vasconcellos Novais, representante da Organização Ponto Terra, ONG especializada em comunicação e educação socioambiental que integra o Copam, também se abstém.

Apesar dos alertas, os outros conselheiros votam a favor e a licença de Fundão é renovada em 29 de outubro de 2013. Também é autorizado o reforço da estrutura, mas sem o chamado alteamento. O pedido da Samarco para aumentar a altura da barragem de Fundão para 940 metros e unificá-la com a barragem de Germano segue sob análise.

Vencida a batalha do licenciamento, a Samarco passou a encarar outro desafio para concretizar seu plano de ampliar a produção: a crise do minério de ferro. Os preços dos produtos despencavam no mercado global, puxados pela redução da demanda da China, grande consumidora da commodity. Além disso, a Samarco ainda teria de fazer frente às concorrentes australianas, que ofereciam o minério de ferro por valores muito mais baixos do que os praticados pelas empresas brasileiras.

A Samarco, então, decide implantar um programa de redução de custos aliado a um aumento da produção. De 2013 para 2014, a quantidade de minério produzida cresceu 15% e a de rejeitos salta de 16,5 milhões para 22 milhões de toneladas de material arenoso e lama — numa comparação bizarra, mas real, é como se cada um dos 2,38 milhões de moradores de Belo Horizonte fosse substituído por dois elefantes. Todos eles juntos pesariam aproximadamente o volume de lama acumulado pela Samarco em 2014.

Auditores independentes fazem nova vistoria anual na barragem de Fundão. Os técnicos dão novamente seu aval para os quesitos estabilidade e segurança da barragem, mas aumentam para 11 a lista de recomendações, que repetem três que já haviam sido requeridas em 2013: monitoramento e registro de anomalias na estrutura, reparação de trincas, recomposição de canaletas que apresentam problemas e a revisão da carta de risco da barragem.

Em agosto de 2015, a mineradora decidiu retirar os sensores de alta precisão que monitoravam quaisquer alterações na barragem. Além de emitir alertas em caso de rompimento, esses equipamentos ajudariam a planejar ações emergenciais para minimizar danos.

Naquele ano, a Samarco comemora a conclusão de seu plano de expansão, o P4P. Segundo o próprio balanço de sustentabilidade da empresa, R$ 6,4 bilhões foram investidos apenas em 2014 para ampliar a capacidade instalada e cumprir as metas de aumento de produção estabelecidas pelo plano. No entanto, os investimentos em recursos hídricos, emissões atmosféricas, resíduos e rejeitos somam apenas R$ 88,3 milhões no mesmo ano, o equivalente a 1,38% do total investido em expansão.

Para reduzir ainda mais as despesas, em agosto de 2015, a mineradora decidiu retirar os sensores de alta precisão que monitoravam quaisquer alterações na barragem. Além de emitir alertas em caso de rompimento, esses equipamentos ajudariam a planejar ações emergenciais para minimizar danos. Cada sensor custava R$ 120 mil.

Apesar das diversas ações de corte de custos, a mineradora não queria transmitir a imagem de que isso comprometeria a segurança do complexo. Para isso, no início de outubro de 2015, a Samarco investe na contratação de uma produtora de Belo Horizonte para produzir um vídeo sobre os benefícios da barragem para a população.

Ainda em 2015, outro laudo de auditoria externa contratada pela própria Samarco novamente atesta que Fundão encontrava-se “em condições adequadas de segurança, desde que atendidas as recomendações com relação à sua estabilidade física”. A lista de exigências soma 12 itens, que de novo pedem a adoção de medidas de segurança já requeridas anteriormente, entre elas fazer o monitoramento constante de anomalias na barragem, reparar trincas e recompor canaletas, monitorar a vazão da surgência de água já detectada em laudos anteriores e, pela terceira vez, revisar a carta de risco.

O prazo para a Samarco atender tais requisitos é estendido até 2016, mas não deu tempo de concluir a tarefa.

No início de novembro de 2015, em Barra Longa, os moradores presenciariam algo que eles não imaginavam ver nem mesmo em um filme.

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Maria Paola de Salvo é jornalista, formada pela Universidade de São Paulo e mestre em Mídia, Comunicação e Desenvolvimento pela London School of Economics and Political Science (LSE), além de ter especialização em redes sociais pela Columbia University. Paola trabalhou por dez anos como repórter e editora de várias revistas da Editora Abril, entre elas Quatro Rodas e Veja São Paulo. Também já trabalhou para a ONG britânica Development Media International (DMI). Atualmente é gerente de comunicação na Global Health Strategies, consultoria internacional em comunicação e advocacy especializada em temas de saúde global.

Karla Mendes é mestre em jornalismo investigativo e jornalismo de dados pela Universidade King’s College (Canadá). Graduada em Jornalismo pela Universidade Federal de Minas Gerais, trabalhou por quase cinco anos como repórter na editoria de economia do Estado de Minas, em Belo Horizonte, e por mais de um ano e meio no Correio Braziliense e na Agência Estado/Estadão, em Brasília. No Rio de Janeiro, Karla atuou por quatro meses como repórter de economia no jornal O Globo e, há um ano, é correspondente da agência americana SNL Financial na América Latina, cobrindo bancos e seguradoras. Na Espanha, trabalhou no Expansión, maior jornal de economia do país.

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