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Esta publicação busca aliar a ampla experiência prática em gestão dos autores com as mais recentes tendências acadêmicas, trazendo dicas rápidas, mas consistentes, para pessoas que têm interesse em conhecer, aprofundar ou relembrar conceitos relevantes de gestão de negócios.

O que a conquista do Polo Sul tem a nos ensinar sobre planejamento estratégico?

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Percursos percorridos até o Polo Sul por Scott (verde) e Amundsen (vermelho), 1911–1912 (fonte: Wikipedia)

Uma das aventuras mais emocionantes do início do século XX foi a conquista do Polo Sul em 14 de dezembro de 1911. No que foi uma acirrada corrida, também disputada pelo inglês Robert Scott, a grande vencedora foi a expedição norueguesa liderada por Roald Amundsen, cujo plano inicial era a conquista do Polo Norte. Exatamente: Amundsen planejou inicialmente conquistar o Polo Norte! Mas, ao ser surpreendido com a notícia de que um norte-americano chegara lá primeiro, decidiu alterar seus planos e ir na direção oposta, competindo contra Scott, que já estava a caminho do Polo Sul. A história que se conta é que ele previra todas as circunstâncias e desafios em cada mínimo detalhe, tendo vencido os obstáculos antes mesmo de partir.

Será que Amundsen poderia ter partido para tentar conquistar o Polo Sul sem nenhum tipo de estratégia e respectivo plano? Assumindo que ele tinha um plano (e ele tinha), será que, durante sua execução, tudo ocorreu como planejado? Ele tinha o apoio de todos os envolvidos em sua empreitada? Como foi possível tal propósito não ter sido extinto no caminho? Essas questões nos ajudam a refletir sobre vários aspectos importantes a respeito da conveniência de uma organização dedicar recursos ao planejamento estratégico. Esta reflexão é fundamentada nos estudos de Ann Langley, Henry Mintzberg, Peter Doyle e Russel Ackoff, pensadores clássicos da estratégia.

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Roald Amundsen, sua tripulação e a bandeira norueguesa no Polo Sul, 1911 (fonte: Wikipedia)

O primeiro aspecto refere-se à necessidade de se pensar no futuro, em que pese sua inerente incerteza. Quanto mais névoa obstruindo a visão à frente, mais cuidado se deve tomar. Imaginar as possíveis barreiras ajuda a não ser surpreendido pelo previsível, sendo que isso não significa, como ensina Russel Ackoff, tentar adivinhar o futuro, mas sim aumentar a capacidade de controle, facilitando a adaptação às mudanças inevitáveis. Amundsen diminuiria suas chances de sucesso sem um estudo detalhado sobre vários fatores, como as personalidades de seus tripulantes, as características de seu navio, a análise de seu concorrente (Scott) e os dados já conhecidos sobre o Antártica. Seu estudo prévio ajudou-o a definir, por exemplo, que pessoas levar, quais os equipamentos adequados, em que época ir, em que local da Antártica iniciar a caminhada e se valeria a pena trocar o Polo Norte pelo Polo Sul.

O segundo aspecto é que não se deveria confundir estratégia com planejamento. Estratégia e planejamento são qualitativamente diferentes, ainda que sejam atividades interrelacionadas essenciais para o alcance de objetivos. Primeiro deve-se definir a estratégia para então criar o plano correspondente. Não seria coerente planejadores buscarem soluções para problemas que não foram ainda bem definidos, ou seja, soluções sem conexão com a visão mais profunda que a organização deveria ter em relação ao seu futuro. Segundo Henry Mintzberg, enquanto a estratégia é uma visão, uma síntese que pressupõe criatividade e intuição, o planejamento é, por meio de análise, o estabelecimento de passos para se atingir um objetivo. A visão de Amundsen foi a conquista do Polo Sul, enquanto que a maneira como ele lá chegou foi compilada em seu planejamento.

O terceiro ponto diz respeito à necessidade de se construir uma estratégia, e seu respectivo plano, flexíveis o suficiente para possibilitar as adaptações que serão, quase que certamente, demandadas durante a execução. As estratégias e os planos devem ser elaborados de modo a não imobilizar a organização diante de imprevistos. Mintzberg destaca que uma das falácias do planejamento estratégico é a premissa de que a situação permanece inalterada durante o planejamento e também durante a sua implementação. No caso de Amundsen, podemos ver que ele foi flexível tanto em sua estratégia quanto em seu planejamento. Sua estratégia inicial era “conquistar” o Polo Norte, mas ele adaptou-se a uma mudança da situação (o Polo Norte fora atingido por outra equipe) ajustando sua visão, que passou a ser a “conquista” do Polo Sul. A flexibilidade de seu planejamento pode ser exemplificada no caso da alimentação: como ele sabia que a disponibilidade de alimentos na Antártica era reduzida, ele não só planejou levar alguma comida reserva como levou mais cães para puxar os trenós do que o razoável, pois esses cães poderiam servir (e serviram!) como alimento.

Um quarto aspecto essencial à reflexão sobre o planejamento estratégico nas organizações é o apoio que os diversos interessados (stakeholders) precisam dar para a consecução dos objetivos. Conforme Peter Doyle, acionistas (shareholders), clientes, fornecedores, governos, gerentes, empregados, grupos minoritários, comunidade e credores têm interesses que necessitam ser considerados, caso contrário cada um deles poderá, em menor ou maior medida, prejudicar o desempenho da empresa. Logo, há necessidade de unir todos esses diversos interessados em torno de algo comum. Mais uma vez evidencia-se a importância da estratégia, da visão que a organização pode se valer para que todos os atores envolvidos, internos e externos, colaborem e se esforcem na mesma direção, aceitando temporariamente desequilíbrios desfavoráveis em relação aos seus interesses. Na expedição ao Polo Sul, Amundsen conseguiu o apoio de stakeholders distintos, como a Sociedade Geográfica Norueguesa (SGN) (interesse científico), o governo da Noruega (projeção nacional) e principalmente da própria tripulação (realização pessoal). Sua empreitada procurou fazer jus a esses apoios, tentando equilibrar o que cada um almejava: levou cientistas para atender à SGN, preocupou-se muito em divulgar a bandeira da Noruega no Polo Sul para satisfazer o governo e tratou seus tripulantes como heróis.

Convergência de esforços (fonte: autor)

O quinto aspecto a ser abordado diz respeito à capacidade de planejar estrategicamente com adequada dose de análise, evitando, por um lado, a superficialidade, e por outro, o excesso de estudos. De acordo com Ann Langley, uma organização pode sofrer de “paralisação pela análise” ou “extinção por instinto”, devendo ser buscado um equilíbrio entre esses dois extremos. O tempo para pensar na estratégia não pode comprometer o timing para a execução. Ao decidir alterar seu objetivo do Polo Norte para o Polo Sul, Amundsen planejou o máximo que possível, mas não prolongou seu tempo de planejamento ao ponto de permitir que Scott chegasse lá primeiro. Boa parte do planejamento da expedição foi realizado na travessia para a Antártica.

Diante da complexidade do mundo moderno em que as organizações devem atuar, especialmente os desafios impostos pela globalização e o rápido desenvolvimento de tecnologias emergentes, o planejamento estratégico, se bem compreendido e corretamente aplicado, é de suma importância. Uma visão estratégica flexível desenvolvida sem análises paralisantes ou imposições tendenciosas, com a participação de todos os stakeholders, tem a possibilidade de comprometer todos a esforçar-se na mesma direção e lidar com as incertezas, adaptando-se constantemente às novas condições.

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Rodolfo Wadovski
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Written by Rodolfo Wadovski

Oficial da Reserva da Marinha do Brasil, Mestre e Doutor em Administração pelo Coppead/UFRJ

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