O que a conquista do Polo Sul tem a nos ensinar sobre planejamento estratégico?
Uma das aventuras mais emocionantes do início do século XX foi a conquista do Polo Sul em 14 de dezembro de 1911. No que foi uma acirrada corrida, também disputada pelo inglês Robert Scott, a grande vencedora foi a expedição norueguesa liderada por Roald Amundsen, cujo plano inicial era a conquista do Polo Norte. Exatamente: Amundsen planejou inicialmente conquistar o Polo Norte! Mas, ao ser surpreendido com a notícia de que um norte-americano chegara lá primeiro, decidiu alterar seus planos e ir na direção oposta, competindo contra Scott, que já estava a caminho do Polo Sul. A história que se conta é que ele previra todas as circunstâncias e desafios em cada mínimo detalhe, tendo vencido os obstáculos antes mesmo de partir.
Será que Amundsen poderia ter partido para tentar conquistar o Polo Sul sem nenhum tipo de estratégia e respectivo plano? Assumindo que ele tinha um plano (e ele tinha), será que, durante sua execução, tudo ocorreu como planejado? Ele tinha o apoio de todos os envolvidos em sua empreitada? Como foi possível tal propósito não ter sido extinto no caminho? Essas questões nos ajudam a refletir sobre vários aspectos importantes a respeito da conveniência de uma organização dedicar recursos ao planejamento estratégico. Esta reflexão é fundamentada nos estudos de Ann Langley, Henry Mintzberg, Peter Doyle e Russel Ackoff, pensadores clássicos da estratégia.
O primeiro aspecto refere-se à necessidade de se pensar no futuro, em que pese sua inerente incerteza. Quanto mais névoa obstruindo a visão à frente, mais cuidado se deve tomar. Imaginar as possíveis barreiras ajuda a não ser surpreendido pelo previsível, sendo que isso não significa, como ensina Russel Ackoff, tentar adivinhar o futuro, mas sim aumentar a capacidade de controle, facilitando a adaptação às mudanças inevitáveis. Amundsen diminuiria suas chances de sucesso sem um estudo detalhado sobre vários fatores, como as personalidades de seus tripulantes, as características de seu navio, a análise de seu concorrente (Scott) e os dados já conhecidos sobre o Antártica. Seu estudo prévio ajudou-o a definir, por exemplo, que pessoas levar, quais os equipamentos adequados, em que época ir, em que local da Antártica iniciar a caminhada e se valeria a pena trocar o Polo Norte pelo Polo Sul.
O segundo aspecto é que não se deveria confundir estratégia com planejamento. Estratégia e planejamento são qualitativamente diferentes, ainda que sejam atividades interrelacionadas essenciais para o alcance de objetivos. Primeiro deve-se definir a estratégia para então criar o plano correspondente. Não seria coerente planejadores buscarem soluções para problemas que não foram ainda bem definidos, ou seja, soluções sem conexão com a visão mais profunda que a organização deveria ter em relação ao seu futuro. Segundo Henry Mintzberg, enquanto a estratégia é uma visão, uma síntese que pressupõe criatividade e intuição, o planejamento é, por meio de análise, o estabelecimento de passos para se atingir um objetivo. A visão de Amundsen foi a conquista do Polo Sul, enquanto que a maneira como ele lá chegou foi compilada em seu planejamento.
O terceiro ponto diz respeito à necessidade de se construir uma estratégia, e seu respectivo plano, flexíveis o suficiente para possibilitar as adaptações que serão, quase que certamente, demandadas durante a execução. As estratégias e os planos devem ser elaborados de modo a não imobilizar a organização diante de imprevistos. Mintzberg destaca que uma das falácias do planejamento estratégico é a premissa de que a situação permanece inalterada durante o planejamento e também durante a sua implementação. No caso de Amundsen, podemos ver que ele foi flexível tanto em sua estratégia quanto em seu planejamento. Sua estratégia inicial era “conquistar” o Polo Norte, mas ele adaptou-se a uma mudança da situação (o Polo Norte fora atingido por outra equipe) ajustando sua visão, que passou a ser a “conquista” do Polo Sul. A flexibilidade de seu planejamento pode ser exemplificada no caso da alimentação: como ele sabia que a disponibilidade de alimentos na Antártica era reduzida, ele não só planejou levar alguma comida reserva como levou mais cães para puxar os trenós do que o razoável, pois esses cães poderiam servir (e serviram!) como alimento.
Um quarto aspecto essencial à reflexão sobre o planejamento estratégico nas organizações é o apoio que os diversos interessados (stakeholders) precisam dar para a consecução dos objetivos. Conforme Peter Doyle, acionistas (shareholders), clientes, fornecedores, governos, gerentes, empregados, grupos minoritários, comunidade e credores têm interesses que necessitam ser considerados, caso contrário cada um deles poderá, em menor ou maior medida, prejudicar o desempenho da empresa. Logo, há necessidade de unir todos esses diversos interessados em torno de algo comum. Mais uma vez evidencia-se a importância da estratégia, da visão que a organização pode se valer para que todos os atores envolvidos, internos e externos, colaborem e se esforcem na mesma direção, aceitando temporariamente desequilíbrios desfavoráveis em relação aos seus interesses. Na expedição ao Polo Sul, Amundsen conseguiu o apoio de stakeholders distintos, como a Sociedade Geográfica Norueguesa (SGN) (interesse científico), o governo da Noruega (projeção nacional) e principalmente da própria tripulação (realização pessoal). Sua empreitada procurou fazer jus a esses apoios, tentando equilibrar o que cada um almejava: levou cientistas para atender à SGN, preocupou-se muito em divulgar a bandeira da Noruega no Polo Sul para satisfazer o governo e tratou seus tripulantes como heróis.
O quinto aspecto a ser abordado diz respeito à capacidade de planejar estrategicamente com adequada dose de análise, evitando, por um lado, a superficialidade, e por outro, o excesso de estudos. De acordo com Ann Langley, uma organização pode sofrer de “paralisação pela análise” ou “extinção por instinto”, devendo ser buscado um equilíbrio entre esses dois extremos. O tempo para pensar na estratégia não pode comprometer o timing para a execução. Ao decidir alterar seu objetivo do Polo Norte para o Polo Sul, Amundsen planejou o máximo que possível, mas não prolongou seu tempo de planejamento ao ponto de permitir que Scott chegasse lá primeiro. Boa parte do planejamento da expedição foi realizado na travessia para a Antártica.
Diante da complexidade do mundo moderno em que as organizações devem atuar, especialmente os desafios impostos pela globalização e o rápido desenvolvimento de tecnologias emergentes, o planejamento estratégico, se bem compreendido e corretamente aplicado, é de suma importância. Uma visão estratégica flexível desenvolvida sem análises paralisantes ou imposições tendenciosas, com a participação de todos os stakeholders, tem a possibilidade de comprometer todos a esforçar-se na mesma direção e lidar com as incertezas, adaptando-se constantemente às novas condições.
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