Russell Westbrook e a jornada do herói do novo MVP da NBA

Heitor Facini
buzzerbeaterbr
Published in
8 min readJun 30, 2017

Do início ao fim, a narrativa do armador do OKC é cativante

Sozinho, umas histórias mais fantásticas dessa temporada.

Um homem comum é colocado face a um problema. Ele, usando uma força e vontade hercúlea, supera todos os desafios colocados no caminho e triunfa. Passa de desacreditado até uma figura mitológica. Temos exemplos de “escolhidos” em toda a cultura pop dos últimos anos. Harry Potter para livrar o mundo bruxo dos perigos de Lord Voldemort; Luke Skywalker livrando a galáxia dos temores do lado negro da força de seu pai Darth Vader; Frodo em sua jornada para destruir o anel; Russell Westbrook, contra os demoníacos do Golden State Warriors e de seu traidor Kevin Durant.

A história por trás do MVP de Russell é tão boa que nem parece que aconteceu de verdade. Aparente ser desenhada estritamente pelos grandes roteiristas do cinema, quadrinhos e livros. É um conto fantástico. Um misto de super-herói com anti-herói, de cidadão que quer vencer a todo custo, que busca vingança, que quer mostrar a todo mundo que ele está ali, (não se esqueçam disso) e não precisa daqueles que viraram suas costas.

O que Russell Westbrook, Harry Potter e Frodo tem em comum? Todos trilharam a jornada do herói.

O caminho trilhado por Russell Westbrook

O início dessa epopéia não é no momento mais óbvio — ida de Kevin Durant para o Warriors — mas sim em seus lampejos anos antes. O mais evidente foi com a lesão do ala em 2014. Naquele momento, Durant ficou boa parte da temporada no estaleiro e coube a Russell a função de guiar o Oklahoma City Thunder. Mesmo encaminhando triplo-duplo atrás de triplo-duplo, o OKC ficou fora da pós temporada. Estava na cara: Russell não era ninguém sem Durant. Era apenas um showman, nada além disso.

Aí chegou o dia fatídico. Stephen Curry e Steve Kerr ofereceram a Durant a oportunidade de cravar o nome na história ganhando um título da NBA. O jogador, depois de muito refletir, se mandou de Oklahoma para Oakland. Russell estava sozinho. Do time montado ao longo de anos, apenas o jovem Steven Adams estava lá. Era pouco. James Harden foi mandado embora, Serge Ibaka saiu e Durant também. Começava assim sua provação.

A Jornada do Herói ou o Monomito

A Jornada do Herói ou a teoria do Monomito foi desenvolvida por Joseph Campbell no seu livro “O Herói de Mil Faces” lançado em 1949. O autor era um especialista em mitologia de todos os lugares do mundo: desde grega até aborígene, passando pelas orientais e religiosas. O objetivo dele era encontrar o fio que ligava todas essas histórias. O conceito do Monomito é que todos, ao redor de todas as épocas, são o mesmo herói e tem a mesma base de história.

Esse livro mudou a forma como se vêem as grandes histórias.

Além de explicar a estrutura de diversos mitos os estudos de Joseph Campbell acabaram virando uma espécie de guia, uma receita para quem quisesse contar algo que fosse fazer sucesso. Era simples: se seguir a fórmula traçada, você conseguiria um hit em suas mãos.

O primeiro passo da teoria de Campbell seria quando o herói, no mundo comum e na sua vida cotidiana, recebe o chamado da aventura: algo que mudaria completamente sua vida e o coloca num lugar completamente diferente. Para Harry Potter é receber a carta de Hogwarts e ir estudar na escola; para Luke Skywalker é receber a mensagem da princesa Leia e encontrar com Obi Wan; para Westbrook é se ver desprovido dos seus companheiros de longa data e ter de carregar o time nas costas.

Normalmente o herói está acompanhado de companheiros. No caso de Frodo em Senhor dos Anéis, temos Sam, Merry e Pippin; no caso de Dragon Ball Z, temos Kuririn acompanhando Goku — e mais pra frente Vegeta, Trunks, Gohan. Westbrook, por exemplo, pode citar Enes Kanter e Steve Adams. São dois jogadores dos menos criticados e mais queridos pelos torcedores.

Todo herói precisa de fieis escudeiros, assim como Vegeta e Freeza, Sam, Merry e Pippin e Steven Adams e Enes Kanter

Temos o mentor. Dumbledore, Gandalf, Obi-Wan e Yoda, Mestre Kame. Escolha um, temos vários e imensos com o passar do tempo. No caso de Westbrook seria com certeza Billy Donovan. Mas, pera? Como assim Billy Donovan? O cara não conseguiu dar um time para Brook jogar! Aí que você se engana…

O time do OKC foi desenhado por Westbrook brilhar

Pare e analise. Russell seria tão espetacular a ponto de conseguir triplo duplo de média, 42 triplos na temporada, se tivesse recheado de jogadores que pudessem ter protagonismo ao seu lado? Nunca. O time do OKC foi estritamente montado, planejado e trabalhado para Russell brilhar nesta temporada. E não, não foi pensado para ser campeão.

Andre Roberson é nulo no ataque. Mas não precisa mais do que isso, já que as funções do ataque se concentram em Westbrook. A função dele é defender o perímetro, sejam de alas, ala armadores e armadores. É essa a função para que Russ deixasse de lado a preocupação defensiva e focasse no ataque.

Se ele erra seus arremessos, precisa de alguém para pegar os rebotes. Esse é o intuito de Steve Adams no time: segurar as pontas lá na frente. Domantas Sabonis foi selecionado por ser um stretch four e abrir o ataque para infiltrações. Oladipo para atrair marcações. Até Taj Gibson chegou para pegar mais rebotes e Doug McDermott para espaçar a quadra para as infiltrações insanas de WB.

É simples, o mentor serve para que o herói conclua o seu desafio. A ideia é que sem sua facilitação isso seria impossível. E diria que sem Billy Donovan não teríamos essa temporada espetacular do MVP.

Billy Donovan é pra Russell o que Obi Wan e Yoda foram para Luke Skywalker

Kevin Durant: o nêmesis

Por fim, para caracterizar o herói e transformar ele em algo peculiar e único, sempre existe um objeto, uma arma, algo que o acompanhe para conseguir chegar ao seu objetivo. Pode ser uma varinha mágica, um sabre de luz, um escudo, um anel poderoso, uma espada. No caso de Russell Westbrook são seus triplos duplos. Sem eles, de longe não conseguiria ser eleito o melhor da temporada. É isso que transforma seus feitos em história. Ele quebrou recordes. Ele foi apenas o segundo na vida a ter uma média de dígitos duplos em três estatísticas em uma temporada.

Por fim, o herói enfrenta vários desafios, entre eles enfrenta seu nêmesis, seu arqui inimigo, que no nosso caso é Kevin Durant. A narrativa do herói normalmente existe se há uma oposição, alguém para ser um vilão. Segundo essa história KD deixou de lado toda a sua honra e se vendeu por um anel, ao invés de tentar construir uma história com seu lar em Oklahoma.

Pausa aqui. Eu discordo disso. Kevin não foi traíra e nem perdeu a honra. Apenas escolheu o melhor para ele e o lugar onde poderia evoluir mais seu basquete. Mas isso que deixa mais a história melhor.

Kevin Durant é o grande vilão aqui.

A punhalada nas costas de KD em WB é um motivo muito bom para construir toda a narrativa. Ele mostra que há um motivo, algo a se provar. Provar que é alguém que pode ser um excelente jogador sozinho e que não precisa de alguém para ser grande.

Por isso, Kevin Durant é o vilão perfeito. O companheiro que virou suas costas. O irmão que virou inimigo. A história se encaixa. E, obviamente, a figura de Kevin Durant se espalha por todo o time do Golden State Warriors. Eles são o lado negro da força que seduziram seu amigo com poder fácil.

Mas… e o título?

Mas aí você pode ser que na sua cabeça você pense: o Golden State Warriors foram campeões e não existe glória maior que isso na NBA. No geral isso seria, mas para na jornada do nosso herói, esse nunca foi o objetivo.

Para Westbrook e o Oklahoma, nunca foi o final da história. Sabiam desde o momento que Kevin Durant saiu da equipe que brigar por título estariam seria dar socos em ponta de faca. Não havia espaço para construir a equipe do zero.

O que tinham para fazer é conseguir manter Russell feliz na equipe, para, no futuro, conseguir algo melhor. E fizeram. Construíram o melhor esquema para isso e se utilizaram de toda a narrativa que fãs e imprensa teceram.

Manter Westbrook feliz sempre foi o objetivo. E conseguiram.

Junta isso ao fato deste ano os prêmios terem sido completamente diferentes. Para tornar mais popular, a NBA transformou tudo num espetáculo. E, com tamanha exposição, obviamente que a narrativa de um herói, seguindo toda a jornada pré-traçada, atrairia muito mais o público. Por tamanha exposição, o público influencia mais os votantes para o prêmio. E, junte isso aos recordes e a história sendo feita: batata. Westbrook foi o MVP.

A narrativa do herói venceu

Assim, pode-se ignorar padrões históricos de premiações. Normalmente só alguém que jogue num time que seja no máximo um terceiro seed de conferência ganha o prêmio. Na história é preferido um jogador que tivesse efeito no grupo e não só na sua performance individual.

Mas, nesse caso, isso foi deixado de lado — e com razão. Ninguém foi mais VALIOSO nessa temporada para a liga que Westbrook. Toda essa narrativa de “EU POSSO TUDO” foi comprada muito bem pelo público e pela imprensa.

A história, meticulosamente detalhada, deu resultado. Russell, sozinho, conduziu um time em frangalhos a glória. Chegou aos playoffs. Se doando pelos companheiros, jogando como três. A narrativa foi comprada e assim, o MVP existiu.

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