Televisão

Entrevista com o Vampiro, parte II: A memória é um monstro

Com novos personagens e ambientações, a segunda temporada de “Entrevista com o Vampiro” finaliza sua história enquanto sinaliza a expansão do universo de Anne Rice

Clara Costamilan
Caderno 2
Published in
5 min read5 days ago

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Louis e Claudia recém chegados em Paris/ Reprodução: Larry Horricks/AMC

Confira a resenha completa da primeira temporada

Aviso de spoilers

A segunda parte de “Entrevista com o Vampiro” chega nesta segunda-feira (22) ao streaming brasileiro da Prime Video. A série finaliza nesta segunda temporada a adaptação do primeiro livro das “Crônicas Vampirescas” de Anne Rice, e sinaliza a continuidade do universo na televisão.

Seguindo os eventos da parte I, Louis (Jacob Anderson) e Claudia (Delainey Hayles) deixam Nova Orleans pela Europa numa peregrinação por outros vampiros e por um novo lar. Após o assassinato de Lestat (Sam Reid), Louis é assombrado pelo luto e pela culpa — e pela personificação do fantasma do ex-marido. Fabricado pela mente paranoica e traumatizada de Louis, a projeção de Lestat o acompanha até a presente entrevista em Dubai, onde as tensões aumentam a cada memória desvendada.

Enquanto Paris se recuperava no pós-guerra, o par pôde finalmente construir uma rotina confortável e um novo lar. Louis, decidido por um recomeço independente e regado a tudo que a liberdade sexual e o florescimento artístico na Paris de 1940 podia oferecer. Claudia, já mais madura e ressentida com o pai/irmão, procura por novos imortais, e o conhecimento e pertencimento que a poderiam fornecer.

Observados pelos vampiros locais, o encontro era iminente e eles recebem um convite. O Teatro dos Vampiros, clã de mais de 150 anos, apresentava peças de teatro temáticas acompanhadas de presas falsas, sangue de xarope e monólogos melodramáticos. Num disfarce tão ridículo e camp que os humanos não paravam para olhar duas vezes. No entanto, ao apresentarem-se a esse grupo, Louis e Claudia entram em um campo minado que acabará na maior tragédia de suas vidas.

Teatro dos Vampiros / Reprodução: Larry Horricks/AMC

Um novo entrevistado

Na atual Dubai, Louis é agora acompanhado na entrevista pelo vampiro Armand (Assad Zaman), anteriormente presente como o singelo Rashid, assistente de Louis, num disfarce em plena luz. O antigo Maître do Teatro dos Vampiros parece ter uma habilidade intrínseca de mostrar-se ora o poderoso vampiro de 500 anos que é, ora o garoto que um dia foi. Com a linguagem corporal de uma estátua de mármore, é na sutileza das suas expressões faciais e inflexões de voz que Armand dá pistas de suas motivações contraditórias e sua história angustiante — tudo na performance delicada e hipnotizante de Assad.

Ao lado do sempre excelente Jacob Anderson, os dois atores contam a história do relacionamento de Louis e Armand com charme e performances carregadas — da atmosfera encantadora do primeiro encontro às suas maiores crises. A união de 77 anos é recheada delas, e de histórias muito mal contadas, dinâmicas de poder em constante mudança, e ressentimentos mútuos. Afinal, o fantasma de Lestat está mais que vivo na cabeça de Louis — e, para a surpresa do público, de Armand também. Lestat, que foi um dos criadores do Teatro, deixou Paris (e Armand) para nunca mais voltar — mas com seus motivos. Resta Louis descobri-los também.

Armand / Reprodução: Larry Horricks/AMC

“O que é o tempo, para um vampiro?”

Desconfiado mas ainda muito interessado na história de Louis, o jornalista Daniel Molloy (Eric Bogosian) está ciente desde o início que não pode confiar na narrativa de olhos vendados. Agora, com mais um jogador no seu xadrez investigativo, Daniel enfrenta dificuldades ainda maiores para desvendar os anos que seguiram Nova Orleans. Ainda assim, Molloy dribla constantemente os vampiros apenas com o discurso. Daniel é sagaz em perceber quebras na narrativa, possíveis fabricações, esquecimentos e padrões na linguagem em que Louis, e agora Armand, compartilham suas histórias.

A memória é o tema central de “Entrevista com o Vampiro”, e quando reconta-se algo que viveu é difícil ser objetivo ou imparcial. Seja pela distância temporal ou emocional, lembrar nunca é um exercício fácil. Para Louis e Armand, envolve sentimentos pelos envolvidos, o luto que pode modificar as saudades, e lacunas criadas pelo que é tão traumático que é apagado, conscientemente ou não, da mente dos entrevistados — e do entrevistador, que tem uma família de pulgas atrás da orelha em relação à sua primeira entrevista com Louis du Lac, em 1973.

No episódio 5 “Don’t be afraid, just start the tape” (na minha opinião o melhor episódio da temporada), temos uma brilhante narração do primeiro encontro de Louis e Daniel em São Francisco. É uma sequência de terror psicológico e drama que pergunta: Que memórias são essas que martelam na cabeça de Daniel Molloy, e o quão grande é o envolvimento desses vampiros na sua própria história? A entrevista com Louis é um quebra-cabeça para o jornalista, que recapitula sua juventude regada a drogas e sombras.

Armand, Louis e Daniel em 1973 / Reprodução Larry Horricks/AMC

“Eu quero isso, para me lembrar”

A cada memória trazida à luz na entrevista, mais as histórias dos personagens são aprofundadas e entrelaçadas. O que aconteceu em Nova Orleans, Paris e São Francisco está presente na cobertura em Dubai. Para Louis, seu luto é eterno como sua vida imortal. As consequências de Paris são a própria razão pela qual ele decide contar sua história a Daniel. O tempo passa e modifica cada personagem, mas eles carregam seus passados em sua cada ação. Contando sua história, Louis pode enfim compreender o que viveu e por fim aceitar-se.

O ritmo da segunda temporada é uma montanha russa que inicia lenta e segue numa crescente sequência de episódios fulminantes. Com novos personagens e ambientações, a segunda temporada de “Entrevista com o Vampiro” enriquece o material original com suas mudanças na adaptação, e ao incluir fragmentos de outros livros das Crônicas, como de “O Vampiro Lestat”, “A Rainha dos Condenados” e “O Vampiro Armand”. Carregada de drama, a série também diverte no seu humor sarcástico e momentos de absurdidade. Com uma reviravolta atrás da outra, a escrita enlaça os seus vários temas numa final muito satisfatória e que promete a continuação do universo de Anne Rice.

“Entrevista com o Vampiro” foi renovada para uma terceira temporada. As gravações iniciam no final deste ano.

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