Número Zero [uma resenha]

Poli Lopes
Café, Livros e Crivos
3 min readJan 19, 2016

Quando eu decidi tirar duas semanas de férias, de verdade, inclui nessa decisão não responder e-mails dos alunos e muito menos pegar livros teóricos pra ler na praia. Mas como sabia que teria um tempinho livre na beira da piscina, separei dois livros que tinha ganho durante o ano e que não tinha conseguido pôr os olhos ainda. Um deles foi Sobre a Escrita, que já falei aqui, e outro foi o Número Zero.

Primeiro, quero falar da minha relação com o Umberto Eco, esse tiozinho querido que completou 84 anos há duas semanas!

Cabe mais um livro aí, amigão?

A primeira vez que eu ouvi falar dele foi quando assisti O Nome da Rosa. Ok, ele escreveu o livro que inspirou o filme. Daí, lá pelo fim dos anos 1990, na disciplina de Teoria da Comunicação com o Capaverde, ele mandou a gente ler o que o Eco teorizava sobre Semiótica. Sério, não entendi nada naquela época! Confesso, o meu afã de ser jornalista e mudar o mundo deixava as disciplinas teóricas beeeeem chatas!

Nesse momento o escritor virou teórico na minha vida. Tanto na pós quanto no Mestrado e, agora, no Doutorado, Eco é onipresente. Apocalípticos e integrados, Lector in fábula, O conceito de texto, Semiótica e filosofia da linguagem, Os limites da interpretação e Como se faz uma tese são algumas dessas obras que vem e vão, ano após ano.

Então, ler o Número Zero me fez feliz porque trouxe de volta essa outra face do escritor. E me fez pensar sobre o jornalismo, a mídia e o nosso papel enquanto “receptor” (uso receptor entre aspas porque é esse conceito, dentro do quadro unilateral emissor -> mensagem -> receptor, está desatualizado. Estão aí as redes sociais pra confirmar que a recepção não é passiva e a emissão não parte mais somente do órgão oficial).

Tá, mas do que fala o livro?

No romance, Umberto Eco conta a história de…

Um grupo de redatores, reunido ao acaso, prepara um jornal. Não se trata de um jornal informativo; seu objetivo é chantagear, difamar, prestar serviços duvidosos a seu editor. Um redator paranoico, vagando por uma Milão alucinada (ou alucinado numa Milão normal), reconstitui cinquenta anos de história sobre um cenário diabólico, que gira em torno do cadáver putrefato de um pseudo-Mussolini. Nas sombras, a Gladio, a loja maçônica P2, o assassinato do papa João Paulo I, o golpe de Estado de Junio Valerio Borghese, a CIA, os terroristas vermelhos manobrados pelos serviços secretos, vinte anos de atentados e cortinas de fumaça — um conjunto de fatos inexplicáveis que parecem inventados, até um documentário da BBC mostrar que são verídicos, ou que pelo menos estão sendo confessados por seus autores.
Um perfeito manual do mau jornalismo que o leitor percorre sem saber se foi inventado ou simplesmente gravado ao vivo. Uma história que se passa em 1992, na qual se prefiguram tantos mistérios e tantas loucuras dos vinte anos seguintes. Uma aventura amarga e grotesca que se desenrola na Europa do fim da Segunda Guerra até os dias de hoje.

Mas o livro é mais do que isso. Nas entrelinhas, Eco:

  • faz uma crítica às mudanças negativas vividas pela Itália, que adota características de “Terceiro Mundo”.
  • reforça que mesmo que quando um jornal se define como livre, ele sempre defende o ponto de vista de alguém, no caso o cara que eles chamam de editor, mas que é o investidor do projeto.
  • reforça o senso comum do leitor passivo, que recebe e engole tudo o que a mídia mostra.
  • apresenta uma teoria da conspiração — ADORO! — que pode não ser tão teórica assim.

Pra fechar, deixa o Eco falar sobre o livro:

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Poli Lopes
Café, Livros e Crivos

Produção de Conteúdo ⏺️ Professora de #mktdigital ⏺️ Doutora em Processos e Manifestações Culturais ⏺ Pesquiso SMM e cultura de massa ⏺ + em linktr.ee/polilopes