Midsommar — O Mal Não Espera a Noite

Calebe Lopes
calebelopes
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4 min readSep 15, 2019

Da atmosfera de mal estar

Para Ari Aster o horror sempre tem como estopim o luto. Analisando esse segundo filme em paralelo à sua estréia como diretor de longas, o denso Hereditário (2018), fica muito evidente a verve (autoral) temática que lhe apetece, e como tudo o que engatilha o de mais tenebroso na vida de seus personagens parte de uma tragédia pessoal. Aqui está um filme onde o mal estar é prioridade. A opressão, o luto, o machismo, o abuso, a incompreensão, a desorientação, a traição, a obrigação. Tudo no filme conduz o espectador a uma experiência estética onde a única sensação possível é a inquietação.

Em Midsommar — O Mal Não Espera a Noite, que é melhor que seja assistido sem saber até mesmo da sinopse, a família novamente toma um espaço de destaque, e a necessidade de se tomar o devido lugar nela é colocado em uma chave diferente. Se sentir em família é se empoderar.

De exageradamente longa duração (e montagem elipsada que evidencia a ausência de muita coisa) e repleto de personagens tipificados, Midsommar encontra força numa característica de roteiro e montagem que seu antecessor já fazia muitíssimo bem: o conceito de arma de Chekhov, que permite que o filme não dê ponto sem nó. Aster sabe o que mostrar, quando mostrar e como mostrar, apresentando um domínio cênico de precisão absurda. Tudo o que tem destaque em tela terá sua devida importância para a trama, e o roteiro é muito eficiente em plantar todas as pistas de maneira orgânica. Isso, aliás, jamais é sinal de que o filme irá racionalizar e explicar tudo o que ocorre, pelo contrário, há certa sofisticação em plantar informações que desinformam, subtramas que são trabalhadas sempre de maneira tangencial e, por nunca atingirem uma total compreensão, mantém uma das características mais essenciais no cinema de gênero — e que parece ter se perdido nas últimas duas décadas — : o mistério. Midsommar é um filme com excesso de fascínio pelo oculto, pelo que não se compreende, pelas brechas da razão que a vida apresenta.

Para Aster o que mais parece importar é o estado de espírito, é a criação de atmosfera, é o mal estar. Tudo no filme está ali para gerar isso, cada elemento de texto e mise-en-scène como engrenagens servindo a um único propósito. Há uma sensação de passividade a que os personagens são submetidos e consequentemente nós, enquanto público, muito rara. É o cinema ostentando esse lugar de controle perante a platéia como há muito eu não via, em um filme que se pretende ser denso e sombrio sem nunca soar um fetiche, uma pretensão vazia. Essa atmosfera que grita mal estar em cada plano, em cada corte, e em cada som, é o que mais me ganha em Midsommar.

O trabalho sonoro é soberbo, sem redundâncias, incômodo. É um filme que se delicia em passar para o espectador muito das sensações que sua protagonista, oprimida de diversas formas sem nunca parecer meramente passiva ao que ocorre ao seu redor, sofre. A sensação era a de O Bebê de Rosemary encontrando O Homem de Palha. Era a de estar vendo algo que eu não deveria estar assistindo, como se presenciasse o relato de algo que deveria permanecer oculto, uma fita maldita, um pesadelo audiovisual intenso e radical que nunca soa gratuito, nem mesmo quando nos força a ver, em planos muito aproximados, as mais hediondas violências gráficas. Existem muitas imagens impactantes aqui, seja pela beleza, seja pela repulsa, seja pela composição, seja pelo terror. Ari Aster sabe o que mostrar. Isso basta para seu cinema já estar entre os grandes do horror contemporâneo.

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