O diálogo entre o Cinema brasileiro e a Direita brasileira

Calebe Lopes
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5 min readJan 24, 2019

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“Que Horas Ela Volta?”, dir. Anna Muylaert

Há um tempo eu digo que me incomoda de certa forma os “filmes políticos” (aspas, muitas aspas) brasileiros que parecem que só se comunicam com quem pensa de maneira similar a quem os faz. Ou seja, são filmes majoritariamente feitos sob ideologia de esquerda que só se comunicam, e impactam e emocionam quem é de esquerda.

Generalizações(e ressalvas) à parte, esse cinema de autoafirmação de princípios, valores, e visões de mundo acaba criando uma barreira que me parece muito clara entre o tipo de pessoa que consome o que seria um “cinema brasileiro não comercial” e da real necessidade que se tem de debater e trazer à luz certas questões que, claramente, me parecem mais pautas para se debater com quem se pensa diferente.

São questões, aqui, que trago mais como forma de pergunta e convite ao pensamento e discussão (inclusive, tá todo mundo convidado a comentar neste post o que pensa a respeito, quero aprender e ver outras maneiras de enxergar a situação), mas minha resposta ao subtítulo do post seria “sim, com certeza precisa”.

Há um recorte social de classe, gênero e raça que perpassa por todas essas questões, mas não desejando adentrar por eles e sim passar superficialmente pelo grosso da questão, me questiono sobre esse cinema político que não atenta para a democracia de pensamentos e automaticamente já excluiria quem pensa diferente e, pior, quem, por ignorância, desconhece o assunto do que se trata. Essa categoria de público, aliás, o ignorante, talvez seja o que mais precisa de um cinema que se comunique melhor. E quando digo “se comunique melhor” não me refiro apenas aos temas, à forma de fazer, aos jargões e códigos pré-estabelecidos, à negação ou proliferação dos lacres, mas um cinema que, acima de tudo, alcance. E aí, abre-se espaço para o cinema de gêneros, o cinema de ação, o cinema de fantasia, o cinema de comédia, o cinema de drama, o cinema que não se esgote na forma pré-estabelecida dos festivais, da crítica, da curadoria, na tendência do assunto que se deve (porque sim, deve) discutir, debater, denunciar ou sonhar, mas um cinema que alcance. É preciso existir espaço e respeito por todos esses cinemas, inclusive, nos festivais — já que a distribuição comercial segue outra lógica, a do capital.

No último post aqui do blog, entrevistei o cineasta Felipe Bragança, que em determinado momento, questionando-se sobre a situação do país e do nosso cinema, me traz a reflexão:

“O cinema do otimismo naturalista, do realismo afirmativo, do recorte identitário, vai ser suficiente para esteticamente desafiar o mal que agora se embrenha no imaginário brasileiro? Vai ser suficiente para nos devolver linguagem diante dessa afasia em que nos metemos todos?”

As questões, claro, vão além do naturalismo e do realismo (sugiro ver a entrevista aqui para entender o contexto), mas a fala de Felipe traz uma importância que o cinema nacional tem e terá ainda mais que é a de desafiar o mal que está no imaginário brasileiro. O segundo ponto é a perda da linguagem (sobre a qual fala um pouco no debate que ocorreu essa semana durante o Festival de Tiradentes, que pode ser visto aqui) e a afasia em que se colocou o país dos extremos, das fake news, do cansaço da corrupção, das ideias conservadoras, do fanatismo, da cegueira. Essas questões são importantíssimas de serem vistas pelo cinema brasileiro nos próximos anos, o próprio cinema brasileiro que, por umas certas bandas aí, virou sinônimo de estereótipos outros para além da “favela, bunda, comédia global”, e agora é o cinema dos artistas vagabundos, esquerdistas, mamadores das tetas do governo. Atentemos para um recorte específico entre essas Direitas existentes, um recorte de classe que determina a quantidade de acesso à informação. O cinema é um importante instrumento para “voltar para a base”, como diria Mano Brown.

Em meio a um momento tão único de políticas identitárias, de um cinema de afirmação, de narrativas outras, de empoderamentos tão essenciais, de questões tão fundamentais tendo voz na tela, pode o cinema brasileiro se comunicar com quem não enxerga a importância de nada disso? Pode um cinema ainda tão branco, hétero, burguês, sair da sua zona intelectual e não apenas falar com e dar voz às minorias, mas falar com seus opositores? Pode o cinema brasileiro hoje ser não ideologicamente agradável, mas atrativamente assistível por bolsominions? Pode o cinema brasileiro fazer pensar ao mesmo tempo que diverte o dono ou a dona de casa que acha que todo mundo na política é corrupto, que vota nulo, que acha que tudo é causa perdida?

Quando a conversa é difícil, quando as forças em jogo são tão extremas que a aproximação é complicada, quando o preconceito, a má fé e a ignorância explodem na sala ao lado, pode o cinema brasileiro ser ponte para o diálogo? E esse diálogo, pressupõe o falar e o ouvir, ou apenas o falar? Será que os filmes brasileiros não estão se comunicando apenas com um público de classe média progressista e consciente (por vezes até negador) de seus privilégios que precisa dar aquela catarse, aquela expiada de culpa, aquela comemoraçãozinha por ver a Jéssica entrando na faculdade enquanto o seu próprio “quarto de empregada” ainda é utilizado como o termo manda?

São questões delicadas, realmente complexas, e que partem apenas de uma observação minha, ou seja, não se tem dados científicos, é tudo a partir das análises de um observador altamente finito e que faz parte de tudo isso que busca pôr em crise aqui. Não pretendo encerrar o texto com nenhuma conclusão possível, mas reafirmo essa necessidade que o cinema brasileiro tem e terá de se comunicar mais. A resistência, a oposição, também precisa estar nas telas, e se queremos fazer filmes politizados, creio que essa política deve ser para todas e todos. Não se trata de buscar “fazer filmes de fácil compreensão” ou coisas didáticas, panfletárias, nada disso. Faz-se o filme que se quiser. Mas consciente de qual tipo de público ao menos se almeja alcançar. É bom que existam filmes brasileiros diversos, que consigam se comunicar com os diversos públicos, e o que mais tem ocorrido é que parece que se comunicam apenas com um lado da moeda. Como disse o Ewerton Belico outro dia num debate, “qual o lugar do intelectual no país dos analfabetos?”. É autocrítica e autoquestionamento. Fica o convite à reflexão, já que nossa câmera é nossa arma e a apontamos para onde quisermos.

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