Clown Café, um tesouro além do rio

David Ferrás
Carretel Arte & Jornalismo
4 min readJun 29, 2018
Clown Café, em Guaíba. Foto: Reprodução

Por David Ferrás

Porto Alegre é uma cidade cheia de lugares inspiradores que trancendem o que é arte. Entretanto, nós, resolvemos explorar nossas raízes e procurar um quarto elemento para compor nossa reportagem. O que poderia ser mais pessoal e intrínseco do que de onde viemos? Somos jovens admiradores de três cidades distintas: Canoas, Nova Santa Rita e Guaíba. Nesta última, encontramos o cenário perfeito para expressar mais uma essência da arte: o teatro.

Era fim de tarde. Fim de semana. Fim do outono. Atravessamos, bem, dois terços de nós atravessou o Rio Guaíba para desfrutar de um lugar deslumbrante. Para chegar até o Clown Café você tem duas opções: subir duas lombas ou encarar os 147 degraus da escadaria 14 de outubro. Miley Cyrus, em Hannah Montana: O Filme, nos aconselhou que “a vida é uma escalada, mas a vista é ótima”. E que vista! Depois dos degraus, chegamos ao mirante e fomos agraciados com um visual espetacular da capital dos gaúchos.

“Mas onde fica o Clown?”, perguntou a mais ávida das tripulantes da embarcação. Com o mesmo sinal que Beyoncé fez em Irreplaceable, a esquerda foi indicada. Arte é isso. É vivência. É explorar o novo. É refazer, restaurar, reviver. O estabelecimento em tom vermelho e localizado no ponto mais alto e privilegiado da cidade lembra uma cereja, que milimetricamente estava posta fora do bolo.

Mas o que é clown?

Os clowns, personagens antigos do teatro e do circo, são caricaturas vivas do ser humano. Há diferentes tipos de clowns. Uma distinção clássica se refere a dois tipos: o branco e o augusto. O clown augusto é o palhaço coadjuvante. É o bobão, o ingênuo, manipulado pelo clown branco, que encarna o “chefe”, o sabe-tudo.

Mas o clown branco acaba demonstrando seu lado fraco, o ridículo que habita em todos nós. E de repente o augusto surpreende, mostra-se genial, essa genialidade que também em todos nós se encontra adormecida. O clown representa a ordem rígida, o dever, e é de se destacar a coincidência de “branco” ter sido, no século XIX brasileiro, o tratamento de submissão que o sinhô recebia dos negros escravos. Subitamente, porém, nasce um Pelé.

Essa dupla, branco e augusto, pode ajudar a entender as relações sociais, e que papel cada um representa nesse cotidiano mais cotidiano, ao qual os artistas têm às vezes mais acesso do que os cientistas, assumindo os cientistas o papel de brancos, e o de augustos os artistas.

O cineasta italiano Federico Fellini, diretor de “I Clowns”, gostava de usar essa chave de interpretação. Para ele, Hitler era um clown branco. Mussolini, um augusto. Papa Pio XII, um branco. Papa João XXIII, um augusto. Freud, um branco. Jung, um augusto. O augusto é sonho, não é sério, arrisca, leva um tombo. O branco não brinca em serviço, cobra resultados, impera.

O Clown Café pode ser entendido como a mistura de ambos. Ele arrisca nos cardápios e iniciou arriscando a ser um dos pioneiros do ramo, na cidade guaibense. Mas também impera, num ponto estratégico, cercado de toda parte histórica que Guaíba possui.

Com quatro anos de existência, o Clown é um mimo. É aconchegante, parecido com casa de vó. Essa é a descrição que mais aparece nos reviews do Facebook. Também pudera, para cada lado que olhar verá um requinte manual, um artesanato. Um luxo em simplicidade. Um tesouro perdido além do rio.

A comida, as bebidas, a descontração do ambiente. Você pode estar trabalhando com o notebook numa mesa e, simplesmente, levantar e colocar um chapéu de cowboy, uma peruca colorida, um nariz de palhaço. Você pode pegar um livro para ler, se quiser. Você pode participar de um sarau poético, de um workshop de fotografia. O Clown Café te convida a mergulhar na arte do teatro e explorar teu eu-lírico.

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