Das personas aos requisitos do produto

Como utilizei o canvas proposta de valor para ajudar a definir as funcionalidades de um aplicativo.

Rodrigo L. Carneiro
CESAR Update
8 min readOct 8, 2018

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Nesse outro post, falei um pouco sobre pesquisas com usuários e como condensar esse conhecimento em personas. Mas isso foi só uma fase inicial de um processo maior: criar um novo produto digital.

Produtos digitais têm a vantagem de “amadurecer” com o tempo graças a adição de novas funcionalidades. É como se ao comprar um moedor de grãos de café, você recebesse após um tempo “atualizações” como: novas lâminas ou novos níveis de granulação.

As funcionalidades são as ações que o produto faz e estão relacionadas com as necessidades do usuário e os objetivos de negócios. Mas como fazer para definir, após as pesquisas, as funcionalidades de um novo produto? Você pode usar várias ferramentas para isso. Escolhi usar o canvas de proposta de valor e vou explicar um pouco o porquê:

Canvas proposta de valor. fonte: https://strategyzer.com/canvas/value-proposition-canvas

Sobre potencializar ideas

Aqui no CESAR, temos um processo de desenvolvimento de soluções em um modelo de Design de triplo diamante, que consiste em identificar, potencializar e concretizar ideias. Giselle Rossi Araujo, consultora de UX do CESAR, falou melhor sobre esses processos no post linkado:

Potencializar é a fase da ideação, tem a ver com gerar e produzir ideias advindas dos processos de pesquisa. Estava nessa fase e por isso buscava uma ferramenta para me auxiliar no processo de "idear".

Atividades da missão do CESAR, com potencializar em destaque.

Fiquei pensando sobre como criar produtos digitais é algo que, apesar de utilizar ferramentas recentes como o computador e a internet, não foge ao padrão de criação de produtos investigados há décadas na área de Design. Utilizam e adaptam-se métodos de acordo com as necessidades do projeto.

E foi isso que fiz ao adaptar uma ferramenta de avaliação de negócios para criar histórias que viraram as funcionalidade de um novo produto da área automobilística.

Preparação

Foram feitas entrevistas com público-alvo que ajudou a enxergar o problema através de uma lente: a do usuário. Assumir que a visão necessária para começar a gerar ideias para o produto é dos designers, ignora a visão dos demais stakeholders do projeto, como desenvolvedores e pessoal de negócios.

Entretanto, é exatamente a soma dos diferentes perfis, complementando-se, que geram ideias mais ricas e produtivas. Assim como propor ideias e ter conhecimento sobre o problema é uma responsabilidade de toda a equipe envolvida. Dessa forma, para alinhar o entendimento da equipe seguimos essas ações:

  • O time de desenvolvimento participou da fase de pesquisa (5 visitas técnicas e 30 entrevistas foram feitas, sempre em dupla, geralmente com um desenvolvedor);
  • Foi feito uma reunião de apresentação dos resultados da pesquisa (ajuda a ajustar e alinhar o conhecimento da pesquisa);
  • Criamos 5 personas relevantes para o problema (representado o perfil dos entrevistados).

Feito isso, estávamos prontos para gerar ideias.

Destravando

Começamos com uma sessão de brainstorming e várias ideias surgiram. Mas quanto mais a conversa evoluiu, maior era a percepção que as ideias estavam ficando dispersas. As contribuições eram baseada em percepções pessoais mais do que na pesquisa.

Como deixar a equipe alinhada com os resultados da pesquisa para gerar ideias?

O desafio foi procurar uma ferramenta que tivesse o foco nas questões do usuário e em transformar isso em um negócio. Pensando nisso e com o viés de Design de Serviço escolhemos a ferramenta Canvas de proposta de valor.

O Canvas de proposta de valor é uma ferramenta utilizada para aprofundar e testar novas ideias de negócios. É um processo mais detalhado do preenchimento de um Canvas de modelo de negócios. A ferramenta é preenchida pensando no encaixe entre um segmento de clientes (ou usuário) com a proposta de valor do negócio que está sendo criado. O segmento do cliente descreve o usuário através:

  • Das tarefas que ele quer realizar para resolver algum problema;
  • As dores que eles tem ao tentar fazer essas tarefas;
  • Os ganhos que eles esperam ter ao completar as tarefas.

Já a proposta de valor tem a ver com:

  • Uma lista de produtos e serviços que podem ser oferecido ao cliente, ajudando-o na realização das tarefas;
  • O que poderia aliviar as dores ou dificuldades encontradas pelo usuário;
  • O que poderia criar ganhos ou benefícios aos usuários.

Organização inicial

No nosso caso, utilizamos um canvas proposta de valor para cada uma das 5 personas criadas. Isso foi feito para que as ideias de funcionalidade e de negócio fossem desenhadas pensando nos diversos perfis entrevistados, mas ao mesmo tempo nos permitisse focar nas necessidade de cada perfil.

A dinâmica para criação do canvas aconteceu durante um workshop, em que foi reunido: gerentes de negócios e projeto, desenvolvedores e o designer. Nos preparamos e desenhamos na parede as 6 áreas do canvas de proposta de valor, dividindo as partes com fita adesiva em um tamanho considerável, para que o preenchimento das ideias fosse feito ao mesmo tempo por mais de uma pessoa.

Para anotar as ideias usamos canetas e o artefato preferido nº 2 de qualquer designer: o post-it (Google é o nº 1). Também levamos o livro Value Proposition Design de Osterwalder Alex, pois ao fazer essa dinâmica muitas dúvidas surgem e precisam ser sanadas rapidamente.

Segmento cliente/usuário

Começamos escolhendo uma das 5 personas e escrevemos no mínimo 3 tarefas feitas por ela. Em seguida, partimos para as dores e ganhos que a persona tem ao realizar as tarefas. Essas etapas foram relativamente simples e fáceis de fazer, pois havia um bom material de pesquisa, bastando relembrar e discutir sobre as personas.

Equipe fazendo o canvas na parede.

Proposta de valor

A proposta de valor, em geral, é utilizada para saber se uma ideia de negócio é válida ao atender as tarefas, dores e ganhos do usuário. Utilizamos a proposta de valor para nos guiar em ideias e propostas de funcionalidades para nossas personas. Mas, quando passamos para as ideias que aliviam as dores e que criem ganhos percebemos que existia uma tendência em criar uma relação direta de problema (dores) e solução (aliviar as dores).

O que estava acontecendo era que as ideias propostas não eram necessariamente um serviço. Exemplo: “perder tempo para fazer revisão na concessionária” (dor) era respondido com “Agilidade na revisão do carro” (alívio da dor). Para resolver esse problema nos propomos a se aprofundar mais nas soluções, demonstrando algum serviço ou funcionalidade real. Desta forma, o alívio da dor ficou: “Revisão expressa de 15 minutos garantido em um histórico de erros”. Fizemos o mesmo com as soluções de criador de ganhos. O desafio nesse momento foi tentar ser mais abrangente e não repetir um ganho como um alívio de dor ou um criador de ganhos.

Por fim, descrevemos na parte de produtos e serviços, de forma resumida, novas ideias e soluções baseadas nas proposta anteriores, com foco nas tarefas do usuário.

Épicos

Cada um dos 5 canvas (sendo um por persona) resultou em uma série de ideias de soluções que deveriam ser priorizadas para iniciar o desenvolvimento de um novo produto. Uma solução mais completa é chamada de “épico”, feito em 2 etapas:

1. Quebrar épicos em histórias:

A primeira atividade foi analisar os épicos para descartar os semelhante e em seguida dividi-los em atividades menores, as “histórias do usuário”. Histórias ajudam a manter o foco na atividade e como implementar essa atividade, para isso é descrita para quem é a atividade, o que ele quer resolver e qual é finalidade de fazer aquilo.

Então, uma história do usuário é descrita da seguinte forma: — “Eu, como dono de veículo, quero saber onde o meu carro está, para acompanhar o trajeto do meu filho”.

2. Pontuar valor:

Ao todo, 22 histórias do usuário foram feitas. Para prioriza-las, foi criado uma planilha de avaliação que a equipe deveria avaliar segundo suas perspectivas para o produto. A avaliação seria feita através dos seguintes critérios:

  1. Valor para o usuário, opinião do designer;
  2. Custo de implementação/desenvolvimento, opinião dada pelo time de desenvolvimento;
  3. Valor para o negócio, opinião dada pelo gerente de negócios; e
  4. Valor para o cliente, opinião dada pelo cliente.

Os critérios deveriam ser pontuados numa escala de 1 a 4 (sendo 1 = muito baixo, 2 = baixo, 3 = alto e 4 = muito alto) e aplicado a cada uma das 22 histórias. A priorização das atividade alem de definir uma ordem de implementação das soluções também equilibra as vontades do time ao pesar custos de desenvolvimento e valores para o negócio e usuário.

Após a priorização, a história com maior valor foi 4 e a menor 1,75. Em seguida, a equipe definiu um cronograma de 15 dias de atividade com as histórias com maior nota e partiu para o desenvolvimento.

Mão na massa!

Ao final desse processo, o time e o cliente estavam alinhados com expectativas e funcionalidades definidas a serem desenvolvidas. Em poucos dias saímos de um desconhecimento de uma solução que resolvesse as dores e anseios das personas para um caminho bem definido e planejado do que deveria ser feito.

A próxima etapa seria agora concretizar. Transformar isso em algo palpável, interativo, configurar (dar a forma) o artefato para depois testar e validar as funcionalidades.

Mas isso é um assunto para outro post.

Ps. Muito obrigado as incríveis Tamires A Agripino Serra e Aurea Didier pela revisão do texto. Vocês são fera!

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