Meditation Park (2017), de Mina Shum
Muitos cineastas iniciantes usam sua própria história de vida — ou a história de membros da família — como inspiração para seus primeiros filmes. A cineasta Mina Shum está longe de ser uma iniciante — ela está na ativa desde 1993, escrevendo, produzindo e dirigindo curtas, longas, documentários e episódios de TV. Por isso, seu filme de 2017, “Meditation Park” se beneficia de dois elementos aparentemente conflitantes: a história de uma amadora e a experiência de uma profissional.
No seu aniversário de 65 anos, o contador Bing Wang (Tzi Ma) deixa a comemoração para ir direto atender a um chamado de seu chefe. Ele volta para casa de madrugada, e na manhã seguinte, ao esvaziar os bolsos da calça do marido antes de lavá-la, Maria Wang (Cheng Pei Pei) encontra uma calcinha de renda. Em vez de confrontar o marido sobre o item, ela faz do incidente o estopim para mudar a própria vida.
Para começar, ela decide procurar um emprego. Como sua única experiência profissional foi como recepcionista em Hong Kong há mais de 40 anos, as oportunidades são poucas. Assim, ela acaba se juntando a um grupo de mulheres para vender vagas de estacionamento em terrenos particulares — uma prática ilegal. Para prosperar nos negócios, as mulheres vão ter de driblar a concorrência por vezes desleal do vizinho Gabriel (Don McKellar).
A próxima mudança é aprender a andar de bicicleta, e para isso ela pede ajuda para a filha, Ava (Sandra Oh). A intenção de Maria é usar o meio de transporte para seguir o marido. Ao aproximar-se de Ava, um efeito colateral atinge Maria: ela fica sabendo sobre o casamento próximo de Charlie, o filho que Bing desconsidera devido a um incidente ocorrido muitos anos antes. Conversando com Ava, Maria fica cada vez com mais vontade de ir ao casamento.
Embora Bing, o marido, também tenha alguns conflitos, é sábia a decisão de focar nos problemas de Maria. Assim como quase todas as mulheres de sua geração, Maria estudou pouco, trabalhou em um emprego simples até se casar, e depois do casamento dedicou toda sua vida aos filhos e ao marido. Por questão de tradição, ela deve obediência ao marido, e de fato Bing a proíbe de fazer muitas coisas. Mas, felizmente, os tempos mudaram — e as mulheres mudaram junto.
Considerando-se o ano de 2017 como tempo presente no filme, refazemos a linha do tempo e descobrimos que a família Wang migrou de Hong Kong para o Canadá, onde se passa a história de “Meditation Park”, em 1978. Nos anos 70, sob o comando do Reino Unido, Hong Kong estava passando por uma série de transformações, a maioria delas econômicas. Socialmente falando, a geração de Maria e Bing Wang havia nascido logo após o fim do domínio japonês sobre Hong Kong, que foi bastante violento e traumático. Do ponto de vista comportamental, é ainda uma geração conservadora — haja vista a maneira como Bing trata a esposa.
No Canadá, cerca de 5% da população é descendente de chineses, a maioria de Hong Kong. A própria roteirista e diretora Mina Shum nasceu em Hong Kong e mudou-se para o Canadá com um ano de idade. Mina conta que seu objetivo com “Meditation Park” é mostrar as diferenças entre as gerações — dos imigrantes e de seus filhos, já nascidos ou criados no Canadá — e ela consegue fazê-lo sem recorrer a conflitos geracionais. Além disso, ela quer mostrar que, se Maria pode encontrar poder para mudar, todos nós podemos.
A atriz Cheng Pei Pei é também produtora executiva de “Meditation Park”. Por ser uma das atrizes chinesas de maior sucesso internacional, Cheng é cotada para diversos papéis — ela estará no live-action de “Mulan”, com estreia prevista para 2020 — mas mesmo assim ela se surpreendeu com a possibilidade de ser protagonista de uma comédia na sua idade — o que mostra que representatividade é importante tanto para o público quanto para os intérpretes.
É raro, mas inspirador, ver um filme como “Meditation Park”, em que uma mulher mais velha toma consciência da opressão que sofre e luta para mudar essa situação. Há mais exemplos de resignação, de “ela é de outra época”, ou de libertação dúbia, como no final de “A Esposa” (2017).
Não é preciso ter medo de se desvencilhar das amarras do patriarcado. É como Maria diz em certo momento, meio sem jeito, causando riso — mas é a pura verdade: tudo vai ficar bem. É como Mina quis nos mostrar: tudo vai ficar bem se, assim como Maria, encontrarmos dentro de nós o poder para mudar.