O dia em que Odete Roitman decidiu viver

Jess
Cine Suffragette
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4 min readMay 14, 2017
Odete Roitman (Beatriz Segall)

Estou na reta final de Vale Tudo e a cada capítulo terminado surge a vontade de escrever sobre algum aspecto que chamou minha atenção. À medida que a trama foi se desenvolvendo, percebemos a tímida mudança pela qual a personagem Odete Roitman (Beatriz Segall) passa.

Odete Roitman se apaixona, e é o amor que causará sua derrocada.

De repente, a vilã mais temida, aquela que destruiu a vida dos filhos e controlou a todos com o poder de seu capital financeiro, apaixonou-se por César Ribeiro (Carlos Alberto Ricelli). Sim, César, o amante de sua ex-nora, Fátima (Glória Pires). O cara com quem Fátima traiu o filho de Odete, Afonso (Cássio Gabus Mendes), durante quase toda a novela. O amor tem dessas ironias, correto?

O relacionamento entre Odete e César nos coloca cara a cara com um lado pouco conhecido da vilã: o do campo afetivo e do desejo. Antes de César, não tínhamos muito acesso ao íntimo de Odete. Os amantes ocasionais apenas apareciam se tinham importância para a trama, como Walter, que a ajudou a envenenar a maionese fabricada pela empresa de alimentos de Raquel (Regina Duarte).

Quando César aparece, é fire meet gasoline. Primeiramente, Odete está interessada apenas no lado físico do relacionamento e não faz questão de esconder. Não demora muito para que ele se mude para o apartamento que Odete mantém para seus encontros ocasionais com homens. Não há nada de novo para o espectador, que já assistiu outros homens serem sustentados pela dona da TCA.

A novidade começa quando Odete exibe seus sentimentos, e você percebe que ela é uma pessoa como outra qualquer. Apesar de ser a dona de uma empresa de aviões, ela se mostra insegura, questionando César muitas vezes sobre o medo de ser abandonada por ele. Apesar de todas as maldades que realizou, ela precisa esconder o amante da sociedade, pois sabe o que acontecerá se a virem, ela, a toda poderosa, ao lado de um homem mais novo.

É na esfera privada que Odete consegue estar à vontade para ser quem é. Fora do círculo Almeida Roitman e da TCA, ela assiste a seus filmes pornôs e não renuncia ao prazer. No entanto, basta voltar à esfera pública, simbolizada neste exemplo pela casa da família Roitman, para que ela vista a máscara de mulher implacável e forte que não perdoa as derrapadas dos filhos e da irmã.

Contudo, uma armação de César força Odete a sair de sua zona de conforto — e é aí que a derrocada dela começa. Ele começa a insistir para que eles saiam juntos, para que ela o assuma em público. Para agradar o amante, Odete aceita e os dois vão para uma boate, mas que ela não sabe é que seus filhos estarão no mesmo lugar também.

A cena em que Afonso flagra a mãe aos beijos com César é no mínimo constrangedora. O filho faz um escândalo na boate e humilha a mãe. Tudo saíra como César planejou. O shaming ao qual Odete é exposta é tão grande que ela não tem coragem de voltar para casa e acaba dormindo no apartamento que mantém para o amante.

César e Odete.

No dia seguinte, Odete volta para casa, e adivinha? É shaming atrás de shaming. A única pessoa que a compreende é Heleninha (Renata Sorrah), sua filha. De resto, ela é hostilizada até pela irmã Celina (Nathalia Timberg).

A imagem de Odete Roitman perante os filhos é destruída em dois capítulos pelo simples fato de ela ter o direito de amar. A esfera privada e pública não podem conviver juntas, ela precisa escolher entre ser uma mãe e presidenta implacável ou uma mulher apaixonada. O caráter da ligação é questionável, mas será que os filhos devem se intrometer a esse ponto na vida da mãe? Eu acredito que não. Odete é adulta e merece um destino além da presidência e de cuidar dos filhos, ainda que o faça de maneira bastante torta.

Por fim, a vilã decide largar a presidência de sua empresa, seus filhos e sua família, para ir morar com César na Europa. Como li em um neste texto fantástico sobre o retrato de mães na cultura pop, parece que não há meio termo quando falamos sobre elas. Por que elas não podem escolher as duas coisas? Por que só os homens têm esse direito? Odete não poderia ser bem-sucedida em todas as áreas de sua vida?

Acredita-se que a vilã não merece piedade e humanidade de nossa parte. Mentira. As vilãs, apesar dos pesares, são pessoas. Elas merecem nossa empatia quando é necessário. Odete Roitman fez maldades? Fez — e muitas. Ela merece ser punida, mas não assim. Tirar-lhe o “direito de ser mãe” é só reafirmar velhos dogmas em relação à maternidade. Que desserviço.

Feliz dia das mães.

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Jess
Cine Suffragette

Tradutora, noveleira e apaixonada por cinema.