A História da Interface

Ricardo Dias
Contexto Delimitado
9 min readAug 12, 2019

Ao passo que descobrimos a história do computador, constatamos que a evolução da IHC (Interface Humano-Computador) ocorreu de forma distinta da evolução do hardware. Neste artigo, pretendo dar uma visão geral sobre a evolução da interface entre usuário e computador, reafirmando a necessidade de perceber que, mesmo com as nossas limitações financeiras e tecnológicas, há diversas maneiras de desenvolver interfaces para auxiliar os usuários:

  • setando o tamanho dos botões, para facilitar que as crianças e as pessoas idosas os enxerguem e consigam clicar neles;
  • escolhendo uma melhor apresentação dos menus para que fiquem mais intuitivos;
  • formatando as opções para expressarem mais claramente as suas funcionalidades.

Enfim, essas são preocupações que, a princípio, podem parecer pequenas e, às vezes, insignificantes, mas que fazem toda a diferença para quem está utilizando o sistema.

Primeira fase

Na primeira fase da história do computador, ele não tinha interface com o usuário. A interação era feita de modo não-amigável, diretamente no hardware, movendo cabos e chaves.

Em 1950, a IBM passou a usar cartões perfurados para fazer programas que pudessem ser inseridos e executados nos seus computadores.

Cartão perfurado da IBM

A única maneira de ter alguma resposta sobre a programação efetuada era por meio de luzes que piscavam. Este tipo de feedback também era pouco produtivo, pois além de ter que entender o porquê da luzes, era preciso esperar o conteúdo do cartão ser processado. Caso o programador esquecesse uma vírgula no código, só saberia depois de horas ou dias de processamento, dependendo da complexidade do cálculo.

Além de tudo isso, o tamanho do computador não ajudava. O ENIAC pesava 30 toneladas, media 5,5m de altura e 25m2. Precisava de uma sala inteira só para ele, sem contar que, por causa da quantidade de válvulas, esquentava muito.

O ENIAC (1943) era programado através de milhares de interruptores, podendo cada um deles assumir o valor 1 ou 0. Para o programar era necessário uma grande quantidade de pessoas que percorriam as longas filas de interruptores dando ao ENIAC as instruções necessárias para computar. Imagem de domínio público, cedida pela “U. S. Army”.

Os BUGS
Quando ocorre algum erro no computador as pessoas dizem que houve um bug. Essa expressão surgiu na época do ENIAC, pois, devido às luzes e ao calor das válvulas, os insetos eram atraídos e, dependendo da maneira que eles entravam na máquina, ocorria um erro, o qual os pesquisadores já sabiam que, possivelmente, teria sido causado por um inseto (em inglês, bug). Então, atualmente, quando falamos bug, também é no sentido de defeito, mas bem diferente dos defeitos de antigamente, afinal, hoje em dia, raramente eles ocorrem por causa de um inseto.

Segunda fase

A segunda fase da história começou com o surgimento dos monitores monocromáticos, que facilitavam a interface com o usuário. Os computadores passaram a deixar de ser uma exclusividade de cientistas, pois agora eram mais baratos e em tamanho menor.

IBM PC 5150

Os computadores eram operados através do teclado, pelo qual digitava-se comandos que eram exibidos no terminal (prompt de comando) através do monitor. Embora fosse um grande avanço, pois um erro de programa podia ser detectado em minutos ao invés de horas ou dias, ainda era pouco intuitivo, obrigando o usuário a decorar muitos comandos de texto para poder usar o computador.

Nesta fase, surgiram os Sistemas Operacionais, como por exemplo, o DOS (Disk Operating System).

MSDOS, O Sistema operacional da Microsoft

Terceira fase

Nesta fase iniciou-se a “era do computador pessoal”, onde as pessoas puderam comprar seu próprio computador devido à redução de preços e à facilidade de uso. A facilidade se dava pelo surgimento das WINP — GUI (Window, Icons, Menus, Pointing Devices / Graphical User Interface), ou seja, as interfaces gráficas com janelas.

Macintosh 1981

Tratava-se de uma interface semelhante à que temos hoje, entretanto, com poucos recursos e não tão bonita. Além das interfaces gráficas, nessa fase surgiram os monitores coloridos e o famoso mouse (ASSIS; SILVA, 2000).

Macintosh 1983

Ao utilizar objetos e algumas ações presentes no cotidiano (as metáforas de interface), os computadores adquiriram uma conotação mais familiar, permitindo uma utilização mais agradável, e, por esse motivo, ganharam espaço no mercado, tornando-se uma ferramenta de trabalho, diversão e estudo.

Quarta fase

Tem-se estudado novas maneiras de interagir com os computadores, de formas cada vez mais naturais e intuitivas. Novos tipos de interface estão surgindo, algumas já estão sendo utilizadas enquanto outras se encontram e desenvolvimento:

a) Realidade virtual (RV)

Também chamada de virtual reality (VR), faz uso de um hardware mais poderoso, como luvas, óculos estereoscópicos (usados em “filmes 3D”), mouse 3D (usado atualmente para modelagem e design 3D), capacetes (usado para jogos e simuladores), entre outros, o usuário é “transportado” para dentro da aplicação na qual realiza suas interações. Quando o usuário vê a interface sendo alterada de acordo com os seus movimentos, a interação torna-se mais rica e natural, gerando mais engajamento e eficiência. Um exemplo disso é a utilização da RV na medicina, onde, através de um dispositivo e um monitor, o médico é capaz de operar um soldado em campo de batalha sem correr os riscos inerentes de uma operação presencial.

Segundo Bavor (2017), a Realidade Virtual e a Realidade Virtual Aumentada diferem no que diz respeito a seu objetivo. Enquanto a primeira leva uma pessoa real para um ambiente virtual que não existe, a segunda traz ao nosso ambiente real elementos virtuais que não existem.

Playstation VR

Um exemplo de Realidade Virtual é o Playstation VR. Exclusivo para jogos do Playstation 4, o dispositivo desenvolvido pela Sony leva o usuário para dentro do jogo de forma fluída, permitido uma sensação de realidade muito grande.

A seguir, pode-se entender, através dos exemplos propostos, dispositivos que utilizam a Realidade Virtual Aumentada, que é o inverso do exemplo anterior.

O Pokemon GO, famoso jogo de realidade aumentada baseada em smartphones possibilita a interação, unindo ambientes reais com os virtuais, através do GPS, da internet e de radares metereológicos. Cada usuário se torna um “caçador” de pokemons, caminhando pelas ruas de sua cidade em busca de criaturinhas e realizando batalhas com outras pessoas.
Os elementos reais, como o clima ou a proximidade com escolas ou ginásios, influenciam na quantidade de pokemons presentes e a possibilidade de encontrar campos de batalha, onde as pessoas interagem entre si a fim de obter pokemons raros.

Interface do Pokemon GO

O Pokemon GO é muito divertido e inovou os jogos do gênero, trazendo para muitas pessoas a noção de realidade aumentada de forma fácil e simples. Embora a febre do Pokemeon GO tenha passado, ainda é possível encontrar pessoas correndo atrás das criaturinhas com seu celular em mãos.

Outro exemplo de Realidade Virtual Aumentada é o Focals. Embora pareça um óculos comum para quem observa de fora, na verdade, o Focals é um monitor holográfico, que exibe informações diretamente para a visão do
seu usuário.

Mantendo-se conectado à internet, o usuário pode pedir um Uber, consultar sua localização, descobrir como chegar em algum lugar e, caso esteja a pé, ser orientado sobre para qual direção deve caminhar.

Interface do Focals

Além de funcionalidades úteis para o dia a dia, como consultar a sua agenda
pessoal ou verificar a previsão do tempo, ainda é possivel compartilhar coisas com outros usuários de forma simples, utilizando os olhos, a voz ou um anel que acompanha o dispositivo.

Este é mais um exemplo útil de Realidade Aumentada, que tenta adicionar tecnologia à vida cotidiana de forma natural, incrementando funcionalidades virtuais à realidade.

b) Interfaces tangíveis

Possibilitam que as informações digitais tenham formas físicas, podendo ser tocadas e manipuladas com as mãos. Assistindo o filme do Homem de Ferro, observe que a informação é representada como algo real no ar e é possível manipulá-la como se fosse um objeto, sendo assim, a tecnologia é “palpável” ou “tocável”, garantido uma interação muito mais realista entre homem e computador.

Microsoft PixelSense

c) Computação Vestível

A Computação Vestível (Wearabel Computing) é uma forma de usar o corpo como meio de interação. Usando dispositivos que não causem desconforto, como óculos, relógio, sapatos, blusas e todo o tipo de acessórios, essa tecnologia tenta tornar o gerenciamento de máquinas cada vez mais natural para o ser humano.

As interfaces da Computação Vestível não exigem atenção total como as interfaces convencionais dos softwares para computadores, podendo, muitas vezes, usufruir dos sentidos e da própria anatomia humana.

O Apple Watch é um dispositivo que, embora pareça um simples relógio, na verdade é um observador de comportamento que monitora e coleta informações sobre o corpo humano.

Apple Watch

Desenvolvido pela Apple, o Apple Watch possibilita o monitoramento de saúde, notificações de frequência cardíaca, auxílio nos exercícios físicos, dicas inteligentes sobre diversas atividades ligadas à saúde, detecção de queda, SOS de emergência, além de recursos comuns como Walkie-Talkie, Streaming de Música e Podcasts.

O Ring Zero (Smart Ring) é um dispositivo, em forma de anel, é um identificador de gestos que, uma vez vestido no dedo indicador, possibilita o reconhecimento de comandos feitos com a mão.

Ring Zero, Smart Ring

O Ring ZERO é um anel inteligente que permite, através de gestos simples, controlar smartphones, eletrodomésticos e muito mais. Além de ser prático, está conectado na nuvem, possibilitando controlar dispositivos à distância.

d) Interfaces orgânicas

Usando como referência as coisas observadas na natureza. Este tipo de interface faz uso das três interfaces anteriores, adaptando-se à forma como as pessoas vivem. Existem vários exemplos desse tipo de interface, sendo um deles o E-Paper, um monitor flexível que se assemelha a uma folha de papel, podendo ser dobrada e manuseada como um papel convencional.

Paper-thin, smartphone desenvolvido no Canadá

e) Interfaces humano-computador

São interfaces que utilizam o corpo humano para comunicação com o computador. Entre os vários exemplos de aplicação, pode-se citar as próteses robóticas controladas pelo cérebro, onde uma pessoa sem mãos pode controlar uma mão artificial usando as informações transmitidas pela sua mente.

Mão artificial (Oscar Mattsson/Divulgação/VEJA)

A preocupação com o usuário

O pesquisador Keinonenm (2008) descreve quatro momentos importantes do desenvolvimento da interface, no que diz respeito à preocupação com o usuário:

Nomeado de type-forms, o primeiro momento não é focado em todas as pessoas. Nessa época, nem havia uma interface (primeira fase) e era preciso grande domínio para manipular cabos, entender todas as fiações e tudo mais. Neste primeiro momento, somente os cientistas conseguiam manipular a máquina;

No segundo momento, a preocupação foi focalizada no desenvolvimento das tecnologias. Nesse período, onde acontecia a segunda guerra mundial, os esforços não eram direcionados para os usuários, mas para o desenvolvimento de ferramentas úteis e eficientes para combater o inimigo;

Foi apenas a partir do terceiro momento que houve uma preocupação com as pessoas, surgindo tecnologias para utilização no mundo real. No entanto, de maneira geral, o usuário ainda não era a preocupação central pois o foco se restringia a temáticas específicas, como o desenvolvimento de equipamentos para auxiliar na área da saúde ou da pesquisa, por exemplo;

Finalmente, no quarto momento, começou existir uma maior preocupação com as pessoas, suas necessidades e suas características, pois passou-se a perceber que toda a evolução não teria sentido se as pessoas não a soubessem utilizar.

Leia também o próximo artigo sobre o assunto:

Leia todos os artigos desta série:

Referências para aprofundamento

NORMAN, D. A. O Design do Dia a Dia. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.

RAMALHO, B. L. Educação como exercício de diversidade. Brasília: UNESCO, 2005.

ROCHA, H. V.; BARANAUSKAS, M. C. C. Design e avaliação de interfaces humano-computador. Campinas: NIED/UNICAMP, 2003.

APPEL, A. P. et al. GACIV — A Realidade Virtual Apoiando o Desenvolvimento de Interfaces com a Participação Efetiva do Usuário. In: XIII SBES — Simpósio Brasileiro de Engenharia de Software. out. 1999, Florianópolis, 1999.

VEJA. Pesquisador desenvolve braço artificial controlado pelo pensamento. Disponível em <https://veja.abril.com.br/ciencia/pesquisador-desenvolve-braco-artificial-controlado-pelo-pensamento/>. Acesso em 06/07/2019.

PC WORLD, FROM IDG. The future of the desktop is a tabletop. Disponível em <https://www.pcworld.com/article/2095487/the-future-of-the-desktop-is-a-tabletop.html>. Acesso em 06/07/2019.

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Ricardo Dias
Contexto Delimitado

Apaixonado por padrões, programação clara, elegante e principalmente manutenível. Trabalha como desenvolvedor deste 2000, incrementando a cada ano este loop…