Essa é a mistura do Brasil com o Egito

Descobrindo mais sobre faraós e eu mesma

Regiane Folter
Histórias que queria ter contado

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Percorrendo um cartão postal

O rio Nilo é o mais cumprido do mundo. Num cartão postal que tenho, um desenho do rio cortando o Egito mostra as diferentes belezas que se podem encontrar nas suas margens. Se tratam de edifícios milenares, templos, relíquias e paisagens que sobreviveram ao passar dos anos, às batalhas e inclusive aos toques e flashes dos turistas abobalhados. Eu fui uma deles. Em 2011 comecei uma jornada de seis semanas no Egito, outra viagem pouco premeditada, mas tão intensa como a Turquia seis anos antes. Meu novo destino estrangeiro me levou a um novo continente e a uma vida completamente diferente do que eu poderia imaginar.

Aos 19 anos, tomei um avião com destino ao Cairo. Seis meses antes nem imaginaria que estaria passando minhas férias de verão no país dos deuses pop, Cleópatra e múmias. Tudo aconteceu muito rápido: era mais ou menos metade do ano quando uma organização de intercâmbios chamada AIESEC realizou sua primeira palestra no campus da minha universidade, a Unesp de Bauru. Eu estava lá. O frio na barriga que senti enquanto escutava a palestra continuou durante todo o processo para participar do projeto: desde a primeira entrevista com a organização até ser aceita num projeto voluntário internacional do qual queria ser parte. Basicamente é isso que a AIESEC faz: facilita a conexão entre jovens voluntários com projetos em ONGs ou instituições educativas, como no meu caso. Me apaixonei por um projeto realizado em uma universidade no Cairo, que tinha o objetivo de organizar workshops sobre direitos humanos na capital do país em plena revolução da Primavera Árabe!

Então, enquanto acompanhava as notícias que jornalistas de todo o mundo davam desde Tahrir Square, eu tomei minha decisão. Queria ser parte disso, porque além do ar de aventura do Egito do presente, as histórias do seu passado sempre tinham chamado minha atenção. E em poucas semanas comecei a organizar os preparativos para a viagem.

Cada destino é único e tem a sua beleza, mas até hoje acredito que minha experiência egípcia foi a mais revolucionária. Não pela Primavera nem nada do estilo — vi muito pouco dessa parte conflituosa no meu tempo no país. Não, a revolução que vivi no Egito estava dentro de mim. O avião que me levou e o que me trouxe de volta transportaram duas garotas completamente distintas. A universitária que foi, em plena metade do curso, tinha tudo planejado: um namorado, objetivos muito claros, uma ideia definida do mundo. Seis semanas, um Natal e Ano Novo, e muitos passos depois, a versão dela que regressou sentia que tudo estava de cabeça para baixo. Seu mundo tinha dado cambalhota e nada seria como antes: nem seus planos, nem seus relacionamentos, e nem um pouco seu entendimento de que o mundo é mais imenso do que imaginamos.

Lar, doce lar: Cairo

Nas seis semanas entre dezembro de 2011 e janeiro de 2012 que residi no Cairo, meu endereço era o edifício Obour, 15to andar, apartamento 17. Naquele confortável apartamento de três quartos eu passei parte fundamental da vivência do intercâmbio, convivendo dia a dia com cerca de outras 10 garotas. Sempre digo que no Egito pude conhecer também pedacinhos de outras nações, sneak peaks dos países da onde eram minhas homemates: China, Austrália, Índia, Grécia, Argentina, Singapura, Inglaterra e Colombia.

Naquele verão, o comitê da AIESEC onde realizei meu intercâmbio era responsável por dezenas de jovens intercambistas, divididos em diferentes projetos e espalhados por toda a cidade. Embora bem intencionados, os membros da organização não conseguiam dar conta da bagunça que é ter tantos jovens entusiasmados em um país completamente diferente. Eu, pessoalmente, adorei a bagunça. Todos os dias aprendia algo novo, vivia algo absolutamente único e até mesmo o tempo parecia passar de maneira distinta. Um interâmbio com duração de um mês e meio não é muito, mas algo acontecia com os minutos no Egito, porque se estiravam, se tornavam preciosos, muito mais valiosos e intensos. Me lembro do meu último dia no país e como chorava no aeroporto, infeliz por dizer adeus aos amigos, que pareciam de uma vida toda, e a um cotidiano com o qual me acostumei tão rapidamente.

Embora estivesse no Egito para realizar o projeto na universidade com minha equipe de seis pessoas (três brasileiros, um etiopiano, uma índia e uma grega), o horário era flexível e consegui conhecer muitas paisagens do país. Como vivia no Cairo, essa foi a cidade onde mais passeei. Inclusive no meu segundo dia na capital já me juntei a um grupo de intercambistas para visitar as famosas pirâmides. Queops, Quefren e Miquerinos foram os faraós que construíram essas imensidões de pedra e foram também minha bem-vinda no Egito. Praticamente sai do aeroporto e em menos de 12 horas estava lá, numa das maravilhas do mundo antigo, totalmente surreal. As pirâmides ficam afastadas do centro de Cairo, em uma cidadezinha vizinha. Surgem imponentes no meio de um campo de areia (rodeado, por sua vez, de lixo e coisas jogadas fora. Um contraste impressionante), e a seus pés vários turistas impressionados e vendedores locais oferecendo alguma coisa.

Lindas de qualquer perspectiva

No caso do meu grupo, tivemos a sorte de ir até às pirâmides com um egípcio, membro da AIESEC, que nos ajudou a desviar dos insistentes vendedores e conseguir um bom preço para dar a volta nas pirâmides e esfinge em um passeio em camelos. Muita caminhada e fotos depois, já no entardecer, observava os restos grandiosos da esfinge e agradecia mentalmente por estar ali.

Outros passeios impressionantes no Cairo me fizeram conhecer um pouco mais da cultura do Egito de hoje, seus costumes marcados pela religião muçulmana e as influências do sempre presente mundo ocidental. Alguns dos lugares mais especiais que conheci foram:

O mercado Khan Al Khalili e a barganha infinita

Cidadela e Mesquita Muhammad Ali

Mesquita Al Nasir

Museu Egípcio (você pode encontrar muita info sobre o faraó pop Tutankhamun)

Parque e Mesquita Al Azhar

Nilometer

Coptic Cairo e o lado católico do país

Khan Al Khalili — Mesquita Muhammad Ali — Coptic Cairo
O Nilo — Entrada do Museu Egípcio

O ar mediterrâneo de Alexandria

Meu segundo destino no Egito foi a cidade de Alexandria, não muito longe de Cairo. Com um aspecto muito mais praieiro que a metrópole onde vivia, Alexandria foi um sopro de mar Mediterrâneo no nosso dia a dia. Como sempre, viajávamos em grupos de múltiplas nacionalidades e assim nos sentíamos um pouco menos perdidos naquela terra de idioma enrolado. Passamos um fim de semana em Alexandria, no qual visitamos a Cidadela Qaitbay, o Pilar da Pompeia e a histórica Biblioteca de Alexandria.

A biblioteca de Alexandria por dentro — o Pilar da Pompeia

Nessa cidade costeira, o contraste entre seu passado, que aparece nos resquícios de uma cultura há muito abandonada, e a modernidade, muito bem representada com a reconstrução da Biblioteca, era gigantesco. Dois Egitos se conectavam ali, o dos faraós, e o das pessoas menos glamourusas, mas totalmente reais, que preenchem as ruas, as mesquitas e a orla da praia. Tão distintos ao que eu estava acostumada, tão assombrados sempre que aquele grupo barulhento e multicultural passava. Foram colisões muito bem vindas.

As ruas de Alexandria e o Mar Mediterrâneo
Vistas da Cidadela de Qaitbay

Aventura ao Sul: Aswan

Uma vez de volta ao Cairo, com minhas companheiras de aventura começamos a planejar uma viagem mais cumprida. Queríamos ir para a outra ponta do Egito, até quase a fronteira com o Sudão, e conhecer mais lugares únicos. Nas últimas semanas do nosso intercâmbio tomamos um trem e por horas e horas nos movemos em direção ao sul do país. Primeira parada: Aswan e o templo de Iris.

O templo de Iris

Nessa segunda viagem respiramos o ar de um Egito muito histórico. Ver as representações dos deuses das histórias me fez sentir muito privilegiada. Ali estava eu, olhando para marcas e artefatos de milhares de anos de idade, e compartilhando ideias com pessoas que, desde suas perspectivas e nacionalidades, tinham variadas visões sobre aquela cultura e crenças. Em seguida a Aswan, viajamos um pouco mais até chegar à ilha Philae e conhecer o majestoso templo da deusa Iris. Esses lugares foram nossa introdução ao mundo dos faraós, uma preparação para o destino mais ao sul que fomos, e também o mais esperado.

Abu Simbel

Conhecer Abu Simbel era um must na nossa lista e foi lindo, realmente. Me lembro até hoje da sensação de crescente expectativa na caminhada desde o portão de entrada até o lugar onde os dois gigantescos faraós de pedra estavam. Ali escutamos as histórias meio reais meio mitos sobre essa tumba, que originalmente estava localizada em um local que se iluminava perfeitamente a cada nascer do sol, como se mesmo com todas as penúrias e a falta de tecnologia daqueles anos milenares não tivessem impedido seu povo de construir maravilhas da física. Ao lado da tumba principal, uma versão mais delicada e minimalista que não esperávamos era o refúgio para a vida após a morte de Nefertari, a esposa preferida daquele faraó.

O grande templo de Abu Simbel e o pequeno templo em homenagem à Nerfetari

Naquela região tão ao sul também começamos a ver influências de outras culturas africanas, devido à proximidade com o país fronteiriço. Para conhecer melhor essa mistura, fomos até um vilarejo Núbio para um almoço inusitado. Casinhas azuis e brancas enfeitadas com muitas outras cores surgiam de um lado para outro nas ruas feitas de areia e terra. Haviam muitas pinturas coloridas nas paredes, bastante diferente dos detalhes em pedra e do sempre presente terracota dos edifícios históricos do Egito, e muito mais próximo ao colorido que eu estava acostumada no Brasil.

Em toda essa trajetória de quilômetros, fomos um pouco atrevidas e grande parte da viagem fizemos sozinhas, contando apenas com mapas e intuição. De qualquer maneira, sabíamos que nem sempre poderíamos depender só da sorte, então nas diferentes paradas contamos com os serviços de guias turísticos que organizavam nossos passeios por preços acessíveis.

A antiga Tebas

Fazendo o caminho de volta para o norte do país, paramos duas vezes mais. Uma delas foi na incrível cidade de Luxor, antigamente conhecida como Tebas. Na região da ex capital do Egito abriga alguns dos templos mais grandes e interessantes que visitei: grandes edifícios de pedra, que ainda hoje se mantém com suas colunas impressionantes e restos de aposentos. Nas paredes que ficaram é possível ver desenhos, escrituras e imagens que atiçam a imaginação. Passear por esses corredores é quase sentir-se parte da história do mundo e das intrigas e aventuras que sempre relacionamos ao misterioso Egito:

Karnak Temple

Luxor Temple

Hatshepsut Temple

Templos: Luxor, Hatshepsut, Karnak

Nossa última parada foi o Vale dos Reis, um sítio arqueológico onde centenas de múmias foram encontradas, algumas mais ou menos ilustres que outras. Embora as Pirâmides sejam o destino mais pop, nem sempre os faraós eram enterrados nesse tipo de tumba. Na verdade, muitos deles estavam debaixo da terra, em verdadeiras maravilhas subterrâneas que eram ricamente construídas e adornadas para recebê-los em sua morte. Com o passar dos anos, 167 múmias foram encontradas ali. Mas nem sempre puderam achar os seus tesouros, já que muitos deles foram saqueados no passado.

Quem levei na mala (e no core)

Em pouco tempo, aqueles que conheci no Egito tiveram um significado muito grande na minha vida. Com alguns, mantive o contato por muito tempo e ainda hoje nos seguimos nas redes e acompanhamos nossa transformação de universitários voluntários mais perdidos em jovens adultos (ainda perdidos hehe).

Entre os nativos, quatro garotos egípcios me marcaram muito. Eles eram totalmente diferentes entre si, mais muito amigos, e todos faziam parte da AIESEC que me recebeu. Em diferentes momentos, esses jovens me acompanharam em passeios, no projeto, em uma visita nada bonita a um hospital, em diversos descobrimentos e até mesmo celebramos juntos Natal e Ano Novo. Conheci mais da sua cultura e do que é ser jovem no Egito graças às nossas conversas cheias de sotaques. Eles cuidaram de mim, e me fizeram apaixonar-me por tudo que a AIESEC representava.

A maior parte do meu tempo porém, passei com garotas incríveis. Uma energética índia, uma engraçadíssima grega e duas doces chinesas (que moravam em Singapura e Austrália) foram minhas amigas em aventuras dentro e fora daquele apartamento. Das poucas coisas que tínhamos em comum, foi o inglês e aquela música do Michel Teló que na época era um inexplicável sucesso internacional o que nos conectou logo de cara.

Juntas vivemos o desafio de cuidar de uma casa internacional, fomos peixinhos fora d’água andando por aí sem usar véu, rimos sem parar das nossas barganhas com egípicios em todos os lados, cozinhamos uma ceia natalina improvisada e deliciosa, e até mesmo vimos Crepúsculo em um cinema diferente (legendado em árabe, muito interessante).

5 coisas random que nunca vou esquecer…

  • Comer Koshary e outras delícias
    Voltei do intercâmbio com uns bons quilinhos a mais porque a comida deliciosamente calórica foi um grande ponto positivo no Egito! Em especial, o prato Koshary, que levava mil ingredientes e um molhinho picante mara, e os sorvetes e sucos de saladas de frutas.
YAMMMMM!
  • Estar em Tahrir Square e sentir a revolução
    Não deveríamos ter ido até Tahrir Square, o coração dos protestos egípcios. Pelo menos isso foi o que os nativos falaram. Mas a curiosidade foi mais grande e numa manhã gelada decidimos aventurar-nos — até porque, naquele momento histórico, ir no Egito e não passar por essa praça era quase como ir até lá e não ver as Pirâmides!
    Tivemos que passar por algumas barreiras policiais, evitando os pontos de checagem com medo de ser detidas por qualquer razão (isso acontecia bastante naquele momento). A praça em si era pequenina, mas imponente com todas aquelas bandeiras e a tensão no ar.
  • Conhecer tantas culturas
    Aprendi que na Índia é comum usar henna para deixar os cabelos mais sedosos e brilhantes. E que na China, se toma água quente (sem chá, café ou qualquer coisa assim) para espantar o frio. Aprendi que há distintas nuances na cultura muçulmana e por isso existem também diferentes maneiras em que a mulher se cobre. Inclusive, aprendi que muitas mulheres não consideram o véu uma prisão, e sim sua liberação. Aprendi que em português falamos os nomes dos deuses gregos totalmente errado. Pequenos conhecimentos, inúteis ou não, que levo na memória e no coração.
  • A sensação de andar de camelo
    Eu, que nunca tinha montado nem em um pônei, me arrisquei a subir num camelo. Épico. O camelo é um animal altíssimo e pra subir ele meio que se senta/deita no chão. Você senta, aí ele sobe. Primeiro estira as patas traseiras (e você vai com tudo pra frente), depois as dianteiras e começa a caminhar num ritmo bem malemolente, e vamo que vamo!
  • Ver hieróglifos de perto
    Para uma fascinada por ler e tudo relacionado à palavra, ver uma das primeiras representações da escrita da humanidade foi de tirar o fólego. As paredes pedra repletas de marcas e desenhos contavam histórias que eu não vivi, mas que de alguma maneira fui espectadora. E, de alguma maneira, me transformaram.

Espero que tenha gostado das minhas lembranças e se interessado ao menos um pouquinho pelo Egito e seus encantos! Um dos meus companheiros de aventura, um egípcio apaixonado pelo Brasil, fala um pouco mais sobre seu país nessa entrevista.

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Regiane Folter
Histórias que queria ter contado

Escritora brasileira vivendo no Uruguai 🌎 Escrevendo em português e espanhol 🖋️ Compre meus livros: https://www.regianefolter.com/livros