Sobre Harry Potter, ônibus de dois andares e a Rainha

“Quanto tempo dura o para sempre?”

Regiane Folter
Histórias que queria ter contado

--

3 semanas de para sempres

Há um diálogo na história da Alice no País das Maravilhas que é mais ou menos assim: a Alice pergunta ao Coelho Branco “Quanto tempo dura o para sempre?”, ao que ele responde “Às vezes somente um segundo”. Eu sempre achei uma passagem bonita, mas somente entendi o seu significado quando visitei a casa do autor dessa história e senti que a eternidade durava um piscar de olhos. Em 2012 passei 3 semanas na Inglaterra, mas foi tão intenso que pareceu muito menos tempo. Outro “para sempre” que durou apenas alguns momentos.

A possibilidade de conhecer esse país nasceu a partir de uma mistura entre meu incipiente vício por viajar e as oportunidades de intercâmbio que oferecia minha universidade. Uma delas é a iniciativa Santander Universidades, em que o banco e distintas universidades participantes promovem intercâmbios estudantis de poucas semanas, mas com muitos benefícios.

Buscando algum intercâmbio que encaixasse comigo, encontrei esse projeto enfocado em estudantes que queriam desenvolver o inglês e conhecer a cultura anglo-saxônica na Universidade de Oxford e me joguei. Graças a todos os deuses, fui selecionada! Isso significava que o Santander me daria a passagem, a estadia e o curso nessas 3 semanas mágicas na terra da rainha, do Harry Potter e do sotaque britânico maravilhoso.

Aí vamos nós :)

Lar, doce lar: Oxford

Minha turma do intercâmbio era formada por vários estudantes e professores universitários de muitos lados do Brasil. Todos nós viajamos juntos de São Paulo a Londres, e de aí logo fomos recebidos por uma espécie de guia e gestor da nossa viagem.

Esse simpático inglês nos acompanhou por todo o trajeto de Londres, até Oxford, uma cidade famosa pela universidade que abriga e que seria nossa casa por mais ou menos 20 dias. Oxford possui cerca de 38 faculdades e nosso grupo teve a sorte de alojar-se na Christ Church College.

Vistas de Christ Church

Se somente passássemos todo o tempo do intercâmbio dentro desse edifício, já teria sido uma linda experiência. Essa faculdade gigante é constituída por vários jardins, dormitórios e salas de estudo, além de — pasmem — um salão de jantar que foi o que inspirou o salão de Hogwarts no filme O.O

Como se isso não bastasse, a escadaria que leva até o salão foi cenário de algumas cenas do longa. Depois de tantos anos consumindo vorazmente tudo relacionado a Harry Potter, me senti verdadeiramente no castelo mais famoso do mundo.

Harry esteve aqui :D

Tudo em Oxford foi parecido com a sensação de estar em Hogwarts: a cidade é encantadora e realmente mágica, com suas ruazinhas cercadas por casas antigas e jardins históricos. Nosso curso aconteceu durante as férias de verão, então estava tudo meio vazio e tínhamos o lugar nossa disposição. Passamos a maior parte do tempo aí, tendo aulas de inglês e cultura britânica de segunda a sexta em um edifício perto da faculdade, passeando e conhecendo os encantos de Oxford. No caminho entre Christ Church e o curso (um prédio mais moderno e menos charmoso) eu gostava de perder-me nas ruas sem nome e ir listando os lugares que queria conhecer quando saísse da aula. Alguns deles foram:

The Radcliffe Camara & The Bodleian Library

The Bridge of Sighs

Marty’s Memorial

Oxford Castle

The Covered Market (e os melhores e maiores cookies do mundo!)

Carfax Tower

Alice’s Shop (by the way, o autor de Alice era professor em Christ Church)

Colleges: Magdalen, Trinity, Balliol, New College (um mais lindo do mundo, queria estudar em todos)

Passeando por Oxford

Sobre Churchill e Shakespeare

O intercâmbio também envolvia viajar, por isso em alguns fins de semana nós deixávamos Oxford e visitávamos outros lugares icônicos da cultura inglesa. Nessas ocasiões eramos acompanhados por nossos professores e fazíamos trajetos mais culturais, e igualmente interessantes.

Nossa primeira parada foi o Blenheim Palace, uma incrível mansão que foi casa do famoso Primeiro-Ministro Winston Churchill. Tudo na Inglaterra respira sobriedade e aquela áurea de tradição que a monarquia inspira. Eu nunca tinha entendido bem como um país considerado tão “desenvolvido” podia manter essa história de reis e rainhas até os dias de hoje. Meio retrógrado, não?

Mas durante a viagem pude entender que embora o reinado não signifique muito em termos de decidir os passos do país, representa muita riqueza — o turismo na Inglaterra não seria tão rentável sem uma rainha para adorar. E a verdade é que todas aquelas histórias de princesas e contos de fada realmente fascinam. É uma bobagem, mas é uma linda bobagem de ver.

Blenheim Palace

No caminho para nossa próxima parada, passamos por uma charmosa torre em ruínas chamada Broadway Tower. Nunca me senti tão inglesa que segurando o guarda-chuva naquele dia cinza e chuvoso, mas espetacular.

Pouco tempo depois, chegávamos a uma nova cidadezinha chamada Stratford-upon-Avon. Com esse nome pomposo só poderia ser conhecida por algum ilustre e dramático cidadão, não? E esse cidadão, embora tenha existido há muitos e muitos anos, continua sendo muito conhecido por todos nós. Strat é a cidade natal de Shakespeare.

Em um dia ensolarado passeamos pelas ruas da cidade e conhecemos a casa de Shakespeare, onde inclusive conseguimos ver um dos primeiros fólios do escritor. Além disso, a exposição também mostrava obras, objetos e até mesmo roupas que nos levaram por alguns segundos ao dia a dia da Inglaterra do século XVIII.

A cidade é muito jovial: prédios baixos, ruas largas, árvores, muitas cores. É mais informal que a séria Oxford e encantadora de outra maneira. Percorremos um pouco da região e da casa onde Shakespeare viveu fomos até a sua morada final. Em uma igreja alta e muito iluminada visitamos o túmulo do escritor.

A casa de Shakespeare
A catedral onde está seu túmulo

Para fechar o dia com chave de ouro no entardecer nos reunimos na entrada de um grande teatro para ver “A Megera Indomável”. A Shakespeare Royal Academy é um grupo que tem a missão de representar as variadas obras do autor, mudando um pouco as abordagens, atualizando personagens, mas sempre compartilhando as histórias que ele queria contar. No nosso caso, a peça foi uma surpresa já que todo o elenco era de descendência índia e nessa versão, A Megera Indomável tinha toda uma produção a la Bollywood. Confesso que não entendi muito do inglês já rebuscado de Shakespeare, ainda mais com o sotaque dos atores. Mas adorei cada segundo das cores, das danças e daquela modernidade antiga que só a Inglaterra consegue ter.

Uma das casas da Rainha

Outro passeio aconteceu num luminoso fim de semana em que nos dirigimos a Windsor Castle, uma das residências da família real. Deve ser estranho morar em um lugar que está constantemente entupido de turistas, mas provavelmente a rainha e seus parentes devem estar acostumados.

Windsor é imenso! E isso porque somente uma parte do castelo está aberta para visitação. Passamos boas horas aí conhecendo aposentos e mais aposentos luxuosos e passeando pelo jardim perfeitamente cuidado do castelo. Um dos grandes momentos do passeio foi ver de perto a Casa de Bonecas da Rainha Mary.

A casa tem 2 metros de altura e é bastante mais ambiciosa como casa de bonecas que qualquer uma que eu já vi. Sua criação demorou 4 anos e cerca de 2000 artesãos estiveram envolvidos. Outro lugar lindo foi a catedral (sim, Windsor tem sua própria catedral), com uma arquitetura e decorações ricas em detalhes e lindas.

London Calling

Obviamente ir a Londres era um must, e em um fim de semana em que não tínhamos visitas agendadas, armei minha mochilinha e logo cedo saí em direção à parada de ônibus.

Em Londres estive dois dias e caminhei muito, sempre alerta e com o mapa aberto para não perder nada de vista. Para ir a locais mais distantes, usei o metrô e o famoso ônibus de dois andares. Tentei ver a maior quantidade possível de lugares já que tinha um tempo reduzido e uma lista grande de paisagens para ver. Fiz todo o trajeto turístico: fotinha no Big Ben, recorrido glamouroso no museu de cera da Madame Tussauds, passeio aerodinâmico na roda gigante London Eye.

Com os famosos da Madame Tussauds ;)
Essas belezinhas estão pertinho uma da outra

Na minha lista também estavam alguns locais menos convencionais, mas igualmente importantes para a adolescente dentro de mim. Comprovei que sou trouxa conhecendo a estação 9 3/4, passei uma tarde babona nos estúdios do filme do bruxinho e provei cerveja amanteigada! Também visitei o The Sherlock Homes Museum e comprovei que o chapéu de investigadora fica muito bem em mim.

Sherlock feelings!
Nos estúdios é possível ver vários detalhes do filme, das cartas que o Harry recebia até o Knight Bus

Outros passeios charmosos e artísticos foram:

The National Gallery

Buckingham Palace

St. Paul’s Cathedral

Westminster Abbey

British Library (foi um destino muito escritoresco: aqui vi de perto uma das bíblias de Gutenberg e a Magna Carta de Roma)

Piccadilly Circus

O parlamento inglês

Cruzar o rio Tamisa e passar por baixo da Tower Bridge

Meridiano de Greenwich

Linda Londres :)

Quem levei na mala (e no core)

Eu sempre brinco que não pratiquei tanto o inglês nesse intercâmbio, já que vivia rodeada de estudantes brasileiros. Uma delas se tornou minha amiga e confidente nessa viagem e nos conectamos daquela maneira única que só a viagens permitem. Hoje já não somos mais tão próximas, mas continuo muito grata a ela por ter sido minha companheira e por toda a ajuda que me deu no curso, já que tinha um nível de inglês que deixaria Shakespeare orgulhoso!

Nosso professor também foi uma pessoa importante, com seu discurso de que deveríamos praticar sempre (“practice, practice, practice”), suas sugestões e conselhos para dentro e fora da sala de aula. Foi ele que me disse algo que sempre levo comigo, que é o fato de que não deveria tentar esconder o meu sotaque. Ele é parte de quem sou, parte da minha raiz, e não há razão para perdê-lo.

Uma terceira pessoa que me marcou foi o simpático e alegre guia/gestor que em várias ocasiões nos acompanhou em passeios, idas a restaurantes e até mesmo nos levou a uma caminhada noturna para conhecer as histórias de terror de Oxford. Doces pessoas que fizeram da minha viagem algo inesquecível!

5 coisas random que nunca vou esquecer…

  • Crumble de maçã e morango do The Royal Oak
    Essa sobremesa entrou pro meu top 10!
  • Sentir-me no mundo do Harry Potter
    Desde morar em Christ Church até passar por lugares como os estúdios ou outros edifícios antigos que serviram como cenário para o filme foram especiais para mim.
    A história de J.K. Rowlling cresceu comigo e me acompanhou nessa trajetória intensa de deixar de ser criança para se tornar um projeto de adulto consciente e bondoso. HP me ajudou a chegar lá.
  • Estar perto de ícones das letras
    Lewis, Rowlling, Tolkien, Shakespeare… esse intercâmbio foi uma linda oportunidade de sentir-me mais próxima de grandes nomes da literatura mundial, e ver que de perto todos somos muito mais parecidos do que pensamos. Se até o escritor de O Senhor dos Anéis ia frequentemente a um bar (aka pub) pra fazer um happy hour com os amigos, imagina nós!
  • Estar no topo da London Eye
    No entardecer, eu era um pontinho no céu londrino. Enquanto tentava gravar na minha cabeça a vista do Tâmisa, parlamento e Big Ben, agradecia mentalmente minha sorte em poder estar ali.
Vista de noite da London Eye
  • Piqueniques nos mil e um parques
    Em Oxford e Londres, muitas vezes preferi fazer o almoço ou lanche da tarde do lado de fora. Sentar-se no parque para comer e conversar era uma prática comum, principalmente no verão em que todos querem deixar as lembranças do frio pra lá e aproveitar o clima gostoso. Dessas lembranças, resgato principalmente a delícia de provar framboesa (obviamente colocando cada gominho num dedo e ir comendo um a um) e os corres que a gente deu pra tirar fotos dos esquilos nativos.

Se quiser escutar mais sobre a vida na Inglaterra, conheça a história de um amigo. Phil morou lá por um ano e dá dicas bem legais nesse post :)

Gostou desse texto? Deixe seus aplausos ali do lado! ❤

Curta o Coisinhas Flutuantes no Facebook

--

--

Regiane Folter
Histórias que queria ter contado

Escrevi "AmoreZ", "Mulheres que não eram somente vítimas", e outras histórias aqui 💜 Compre meus livros: https://www.regianefolter.com/livros