Como fazemos os roteiros?

Victor Amaral Arias
Comunicast
Published in
10 min readOct 1, 2020

Olha, para falar a verdade, nem sei se tenho autoridade para falar sobre roteiro. Digo isso porque o Comunicast tem claramente um desenvolvimento nas histórias que contamos e como elas são construídas. Sinto que esse desenvolvimento não é só do grupo, mas meu também. Aliás, estou na faculdade para aprender junto com meus colegas. Então, baseado nas vivências que eu, Victor Arias, tive com os podcasts que criamos, falarei um pouquinho de como escrevemos nossas histórias.

Mas antes, é importante você saber de uma coisa. Existem inúmeras maneiras de contar uma história. No Comunicast, usamos o projeto para experimentar todo e qualquer formato que nós, estudantes, queremos fazer. Não importa se está certo ou errado (̶é̶ ̶ó̶b̶v̶i̶o̶ ̶q̶u̶e̶ ̶n̶ã̶o̶ ̶v̶a̶m̶o̶s̶ ̶m̶e̶n̶t̶i̶r̶ ̶o̶u̶ ̶f̶a̶l̶a̶r̶ ̶u̶m̶a̶ ̶i̶n̶f̶o̶r̶m̶a̶ç̶ã̶o̶ ̶f̶a̶l̶s̶a̶,̶ ̶t̶á̶ ̶l̶o̶c̶o̶?̶)̶ , o que importa é experimentar. Incentivamos você a fazer o mesmo!

Certo! Vamos ao que interessa.

As ferramentas

  • Google Docs

Vamos falar sobre o que usamos. No Comunicast escrevemos com muitas mãos. Dificilmente uma pessoa vai ser responsável inteiramente por esse processo. E aí o Google Docs vem sendo perfeito. Quando queremos iniciar um roteiro, criamos um documento no Google Drive e compartilhamos com os reponsáveis. Não é propaganda não, mas assim, cada um consegue fazer de qualquer lugar com internet.

  • Jargões

Sim, temos alguns jargões que podem ser usados ou não. O importante é você, seus colegas e seu editor(a) entenderem.

O BG, também conhecido como background, pode se considerar tudo aquilo que está sobreposto a um áudio. No caso, a música tensa era BG do áudio “BECO 2”.

Sonoras são trechos das gravações de entrevistas que fazemos. Como temos muitas delas, não usamos a palavra sonora em cada arquivo porém, é importante saber em que ela consiste.

Música é música. No sentido literal mesmo.

Paisagem sonora constitui em todos os elementos sonoros que você escuta em um ambiente.

  • Formatação

Depois de abrir o Google Docs, formatamos a página. Existem várias formatações para roteiros em áudio. Nós preferimos usar a folha deitada, com letra de sua preferência (eu gosto da Courier New), tamanho 12, com espaçamento 1,5, TUDO ESCRITO EM CAPS LOCK E POR EXTENSO. fAZEMOS; opa. Fazemos assim pois todo podcast tem um narrador(a), ou apresentador(a) que vai ler o texto. Dessa maneira fica mais fácil da pessoa não se confundir e se enrolar. Quer ver?

Leia em voz alta o seguinte número: 29/09/2020.

Agora faça a mesma coisa aqui: VINTE E NOVE DE SETEMBRO DE DOIS MIL E VINTE.

O narrador(a), no primeiro caso, não precisa ver o número inteiro para seguir com o texto. É só ler linearmente e seguir com o texto. Escrever dessa forma não tem só essa vantagem. A cada 997, ou melhor, novecentos e noventa e sete carácteres, é equivalente a um minuto. Claro, pode variar de acordo com sua interpretação na hora da fala, mas é por aí.

Nesse formato também inserimos a técnica do roteiro. Existem uma série de ferramentas e recursos que você pode usar para complementar a sua história. Áudios de arquivos, entrevistas, músicas e o silêncio. A técnica é tudo aquilo que você vai usar sem ser falado na gravação.

Dá uma olhada no inicio do roteiro do segundo episódio, da primeira tempoda, do Vida Em Quarentena, Quarentena Na Rua:

MARIA

ANDRELINA: ESSA É A MARIA, NOME FICTÍCIO QUE A GENTE ESCOLHEU PARA CONTAR A HISTÓRIA DE UMA MULHER QUE VIVE EM SITUAÇÃO DE RUA. EU PEÇO QUE VOCÊ FAÇA UM EXERCÍCIO AGORA. POR UM MOMENTO, TENTE SE COLOCAR NO LUGAR DE ALGUÉM QUE MUITAS VEZES NÃO TEVE OPORTUNIDADES OU ATÉ RECEBEU UM SORRISO, UM ABRAÇO EM UM MOMENTO DIFÍCIL. A MARIA TEM O BECO DO CANDEEIRO COMO CASA. PRA VOCÊ QUE NÃO É DE MATO GROSSO, O BECO É A PRIMEIRA RUA DA CAPITAL CUIABÁ, QUE FEZ 300 ANOS EM 2019.

ÁUDIO BECO 1

ANDRELINA: O NOME É POR CONTA DOS CANDEEIROS QUE FICAVAM ACESOS EM CASAS E TABERNAS. MAS O LOCAL TAMBÉM FOI PALCO DE UMA CHACINA NO DIA 10 DE JULHO DE 1998.

TEC BG TENSÃO E ÁUDIO BECO 2

Nesse caso, tudo seguido de ANDRELINA, foi narrado; já “MARIA”, “AUDIO BECO 1” e “TEC BG TENSÃO E ÁUDIO BECO 2”, eram os áudios, pré-selecionados, para tocar entre cada fala. O legal também desse pedaço é que, se você escutar o episódio, vai perceber que “MARIA”, foi uma entrevista que fizemos; “ÁUDIO BECO”, era um documento em áudio, encontrado na internet, sobre o que estavamos falando e; “TEC BG TENSÃO E ÁUDIO BECO 2”, é uma música tensa junto de um documento em áudio.

É assim que formatamos nossos roteiros. Aqui tem um template que você pode baixar.

Por onde começar o meu roteiro?

Todo roteiro começa a partir de uma ideia. A ideia, em si, já é considerada parte importante do roteiro. É ela que vai guiar as suas escolhas durante o processo e isso vai gerar muito documentos, anotações e áudios. Guarde todos os documentos gerados!

No entanto, tenha cuidado. Não deixe que uma ideia pré-defina os seus caminhos. Permita-se descobrir novos olhares para o tema que você está abordando.

Ao começar algum podcast ou pauta você vai se ver em uma jornada e cada passo dela é importante para a construção do roteiro, então, guarde todos os documentos.

Agora, vou considerar que você já fez suas entrevistas e pesquisas. Antes de abrir o docs, precisamos escutar as entrevistas. Meu sonho é poder pagar um programa decente para transcrever as conversas. Enquanto esse dia não chega, fazemos de outra maneira. Nós escutamos e anotamos os assuntos abordados. Aí vai da maneira que preferir. Conheço gente que anota mentalmente. Eu não recomendo.

Para a nova temporada do podcast Vida Em Quarentena (VEM AÍ!), eu e o Daniel Nascimento, estudante de jornalismo na Universidade Federal do Pernambuco, no campus de Caruaru, começamos a transcrever por nossa conta. Perdemos muito tempo mas, como nós queriamos experimentar, tentamos. Até então, em todos os podcasts do Comunicast, nós escutavamos e já escreviamos o roteito. Dessa vez, eu e o Daniel escutamos cada entrevista e fizemos anotações sobre o que era abordado na fala de cada um. Foi muito mais rápido e eficiente para a escolha dos trechos que vão entrar no episódio e como eles vão se relacionar com o texto.

Vou te falar uma coisa: Esse processo é mágico para o roteirista. Depois que você escuta tudo, as falas vão se juntando e, na sua cabeça, já começa a se construir uma linha temporal do podcast. É muito loco!

Senta que lá vem história

Como os roteiros no Comunicast são feitos em grupos, depois da escuta, nos reunimos para definir que maneira iremos contar as histórias.

Aqui, vou fazer uma pausa em nosso processo para discutir o formato de todas as histórias.

Toda história tem começo, meio e fim! Toda! Independente de como você vai fazer. Nem precisa ser uma história, pode ser um raciocínio. Tudo tem começo, meio e fim. Como você irá contar o começo, meio e fim de sua história, você define. Agora…vamos pensar nessa estrutura: Começo, meio, fim. (Eu pareço um louco falando mas você vai entender). O começo, é a apresentação daquilo que você quer evidenciar. O meio, é o desenvolvimento, os passo a passo para aquilo acontecer e o clímax, o acontecimento mais tenso da história. O fim, é a conclusão ou os desdobramentos. Entre cada palavra existe uma vírgula e ela representa uma mudança ou um novo acontecimento.

Porém, aqui tem uma coisinha a mais que é muito importante. A introdução. Por mais que você siga a estrutura apresentada, o ouvinte precisa saber sobre o que ele vai ouvir nos próximos minutos. Em no máximo dois minutos, no começo, óbvio, fale sobre o que você abordará. Pode ser uma frase chocante de um entrevistado ou algo criado por você. Explore os elementos mas deixe claro no começo quais são suas intensões.

Levamos isso para todos os roteiros que fazemos. Uma história bem contada, é aquela que tem pontos de mudança (ou pontos de viradas) que te surpreenda e um climax interessante.

Além do mais, toda história também tem um motor que está impregnado nos pontos de viradas. Geralmente são perguntas escondidas dentro dos acontecimentos. “Como que o (a) personagem fez isso?”; “Porque?”; “O que acontece depois?”. Cabe você a formular o motor de sua história pelo roteiro. Dessa forma você instiga o ouvinte a continuar de fone.

Formatos

Podcasts tem diversos formatos e maneiras de como contar uma história ou falar sobre um assunto. Vou focar em podcasts narrativos porém você vai ver que formatos diferentes podem ajudar a compor sua história.

  • Com narração escrita

Aqui no Comunicast usamos bastante esse formato. Ele consiste em escrever as narrações, que serão gravadas no fim do desenvolvimento do roteiro, de forma a amarrar com o conteúdo que vem a seguir. Usamos muito os blocos na tentativa de amarrar temas diferentes com uma história.

“óia…”
  • Sem narração escrita

Um formato que eu sou apaixonado é esse. A ideia dele é fazer um roteiro só com o que foi captado em entrevistas. Nesse caso, eu imagino que seja essencial transcrever as entrevistas. Se você pensar em outra maneira de fazer, manda uma mensagem que eu estou curioso.

Tem um podcast americano chamado Radio Diaries muito conhecido por isso, porém, vou exaltar um nacional. O Faxina fez um episódio nesse formato e fiquei encantado. Escuta aqui:

“Faxina Fa Fa Faxina”
  • Tudo em um

Eu estou escrevendo sobre 3 formas de fazer e o tudo em um junta as duas primeiras mais mesa redonda e outros formatos que vierem na cabeça. Tudo junto e misturado para contar uma história. Pra mim, o maior exemplo do topico, é o especial que o Budejo produziu sobre Luiz Gonzaga.

“Casa já cheia de gente…’Toca Luiz!’, ‘Toca pa nóis Luiz!’”

Debate sobre roteiro em áudio

Até aqui a conversa foi mais técnica de quais as ferramentas você necessita, a estrutura das narrativas e os formatos dos podcast. A partir daqui vou falar sobre o processo criativo do roteiro e os elementos que você pode usar.

  • Áudio é afeto

Acreditamos muito nisso! O que você escreve ou é falado por uma pessoa pode carregar um pesso emocional para além do que é dito. É aqui que a empatia do ouvinte vai aparecer! Nós gostamos muito de explorar esse lado. A gente entende que, por meio das histórias, consiguimos fazer com que o ouvinte entenda e sinta o que o personagem está transmitindo para então refletir sobre o tema que estamos abordando.

  • Experimente!

Eu já falei lá em cima que adoramos experiementar e é muito verdade… De gráficos sonoros até história curta de ficção. Se você tem uma ideia, faça! Se vai dar certo ou não, é você quem vai falar. O importante é não se limitar criativamente e explorar o áudio de todas as maneiras.

  • Paisagem Sonora

A definição que fiz lá nos jargões do áudio diz muito sobre paisagem sonora. Todo ambiente tem som. Você pode não perceber, mas ele está lá. Vamos fazer esse exercício. Para tudo e escuta. O que você está ouvindo? Eu, enquanto escrevo, ouço o barrulho do ventilador, as teclas sendo pressionadas, alguns pássaros no fundo, cigarra e, as vezes, uma moto que passa na rua debaixo.

Esse elementos são riquizimos! Inclusive, existem podcasts que exploram só as paisagens sonoras de diversos lugares.

Passarinho…que som é esse?

Quando você dá o play, parece que você é transportado para outro ambiente completamente diferente.

Em uma narrativa, a paisagem sonora pode ajudar a contar uma história. Ela pode ser construída com arquivos da internet ou captadas em campo. Essa ferramenta pode fazer o ouvinte ser levado para diferentes ambientes apenas com o fone de ouvido.

  • Música

Música funciona como um potencializador ou um enquadramento de uma série de acontecimentos. Só tome cuidado! Escute bem onde você está inserindo a música para não ficar forçado. O ouvinte sabe quando tentamos propor algo só que, quando não é bem recebido, o público pode reagir mal.

  • Silêncio

O patinho feio do áudio. Tadinho, as vezes as pessoas esquecem do silêncio. Eu mesmo quase deixei de falar sobre ele. Enfim, silêncio é um instrumento muito delicado que, se usado da maneira certa, fica incrível. Mas se usar da maneira errada, o ouvinte pode pensar que acabou ou deu problema na sua edição. O silêncio pode significar muitas coisas. Pode funcionar como uma transição de histórias ou momentos. Pode significar reflexão, do ouvinte, do personagem ou sua. Pode ser também aquele momento depois de um momento engraçado para que o ouvinte ria junto. Existem muitas maneiras de usar essa ferramenta mas tome cuidado. Confia no seu ouvido e escute bem.

  • Edição

Sim, edição! O roteiro só é finalizado quando o podcast for publicado. Pensa bem, o roteiro, por mais que seja escrito de forma falada, ele não é sonoro. Então, você só saberá como vai realmente ficar nos ajustes finais da edição. Nesse momento é muito importante ser crítico. Escute e pense: Eu gosto disso? Será que ficou legal?

Peça a opinião de um colega e se ficar ruim, não tem problema! Mude audios de lugar, voltei para o roteiro, escute as entrevistas novamente…revise o que você fez e mude o que achar necessário.

Por esse motivo que eu coloquei “escute bem” no tópico da música e do silêncio.

Por fim…Escute

Não só escute na edição, escute podcasts narrativos e quando for fazer isso, pense em como se construiu o episódio. Como o personagem foi introduzido?Onde entra a música? Quais os sons compoem essa conversa? Qual a motivação da história no episódio?

Seja crítico e reflita sobre a estrutura do que você está ouvindo…meio que uma engenharia reversa dos programas. Com certeza vai te ajudar na consrtução das suas próximas produções.

Vish…eu posso debater roteiro o dia todo. Eu acho muito legal entender como as histórias são contruídas. Porém, só a prática da escrita vai te permitir entender todo o processo e a melhorar em cada produção. Pelo menos, é isto que está acontecendo no Comunicast: um constante crescimento e aprendizado.

Se você caiu de paraquedas aqui, saiba que tem outros artigos explicando como o Comunicast produz os podcasts lá na página principal do Medium. Corre lá para ler sobre como criamos um podcast, como fazemos as entrevistas e outras dicas. Tenho certeza que você vai gostar!

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