Olhos que falam
Aos 18 anos não me sentia confortável com o meu corpo. Me achava magra demais. Tinhas as pernas finas e vergonha de ir à praia. O cabelo encaracolado, fora da moda vigente. Mas gostava dos meus olhos. Gostava de pintá-los. Achava-os bonitos, quando estavam pintados. Sem maquiagem me sentia esquisita. Meus cílios, grandes e volumosos, eram loiros e no verão chegavam a brilhar, porque com o sol ficavam mais claros ainda.
Era só colocar rímel e meus olhos surgiam poderosos. O delineador de cor preta, definia o contorno e os deixava ainda maiores e mais atraentes. Eu caprichava na maquiagem. Era mestra na arte de usar as sombras e deixar o olhar sedutor. Sabia que causava impacto. Me agradava sentir o poder que exercia quando realçava meu olhar.
Mas naquela época isso também me causou alguns incômodos. Havia sempre um rapaz me abordando e confundindo as coisas. Eles chegavam confiantes, certos de que eu toparia “ficar”, como se diz hoje. Um dia, perguntei o motivo dessa interpretação e a resposta me surpreendeu. Seu olhar fala muito. Então falou errado, respondi irritada. Como assim? Eu apenas observo. Vivi um tempo sem entender e sem saber como deveria olhar para não dar margens a interpretações equivocadas.
Com o tempo fui percebendo que o olhar é algo subjetivo, não tem a ver com o formato dos olhos. Ou com a cor, o tamanho, a beleza ou não. Tem algo misterioso aí. Se é verdade que são a porta da alma, eles dizem muito mesmo. Lembro da minha mãe. Para me repreender, muitas vezes não usava palavras, bastava olhar e eu já compreendia tudo.
Meus olhos falam. Eles choram. Silenciam. Eram a única parte no meu corpo da qual eu tinha orgulho. Tinha. Não tenho mais. A idade e a pele mais flácida fizeram cair as pálpebras, encobrir a sedução, mudar a fisionomia, diminuir a autoestima, reduzir o desejo.
Agora
Meus olhos pedem
Para serem vistos
Por dentro
____________________________________
Março — Exercício 3 — escrever a partir da observação de si
