Ensaio sobre a obsessão

Maximilian Rox
Conto que te Conto
Published in
3 min readDec 20, 2018

Solitária ressaca

A última coisa que eu disse pra ela é que traria o mais belo diamante. E ela não duvidou; fitou meus olhos com a esperança mais profunda que um coração podia resgatar. Disse que esperava, que estava tudo bem, que com fé era possível alcançar tudo.

Mas a vida não foi fácil dentro das minas. O ambiente úmido se confundia com o suor do levantamento constante das picaretas. As baforadas de exaustão preenchiam o calor sufocante dos túneis estreitos. A luz dos lampiões se escondia em frente aos colchões de trevas. Por três anos trabalhei e o granito só abria buracos maiores. Três anos por dois míseros pedaços de rubi. Meus colegas perderiam as esperanças nos meses seguintes, saindo um por um até sobrar só eu e minhas solitárias batidas nas pedras.

Continuei por semanas. Ou meses. Ou anos. Minha noção de tempo era ditada apenas pelos cliques agudos da picareta. Aquele som apontava meu horário de dormir, de comer, de descansar. Eles já perderam a sincronia com o relógio de fora há eras e eu nunca mais soube se era dia ou noite. Não importava, ainda havia luz dentro da mina. E comida; por algum motivo eles deixaram um estoque generoso de comida que ainda não se esgotara.

Mas eu nunca pensei em desistir.

Por volta das três mil batidas do dia oitocentos e alguma coisa eu encostei em algo que fez um barulho diferente. Vi as paredes úmidas despejarem gotas de água sobre uma pedrinha vermelho sangue. Era um pedaço maior que o normal, e cada batida seguinte foi acertando meu próprio coração. A parede era inteira revestida de rubi. Inteira. Revestida. De. Rubi. Ela se estendia por metros que eu sequer conseguia medir. Tirei tudo sem parar, coloquei no carrinho de mão e corri para a entrada da mina.

Mas, depois de tanto tempo, qual era mesmo o caminho? Esquerda, direita, direita, direita… Ou seria esquerda de novo? Algo como direita três vezes e depois esquerda?

…..

Suei frio. Frio a ponto de despejar imediatamente algumas gotas de pavor na nuca. Estava em pé com a maior riqueza da vida em um labirinto que eu mesmo criei. Tentei me concentrar no caminho. Tentei. Por horas. Mas foi em vão. Os becos estreitos se estendiam por metros ou quilômetros de escuridão. Já me perdi de todos os caminhos que eu sabia: do refeitório, do dormitório, da única saída que eu massacrei por anos em busca de rotas alternativas para a riqueza.

Sentei ao lado do carrinho e mergulhei meu rosto cansado nos braços. Pensei em descansar um pouco. Dar uma pausa nesse mundo que não precisava mais ser conduzido pelos suspiros metálicos de dor.

Nesse momento meu estômago suspirou profundamente — um suspiro que foi acompanhado pelo fôlego atropelado de exaustão. Eu precisava me acalmar, cochilar um pouco para seguir em meu próprio labirinto. E eu iria conseguir. Eu sabia que iria. Eu tinha prometido.

O tempo se calou novamente, mas alguns barulhos baixinhos de picareta preencheram minha mente como sinos distantes de igreja. Estava cansado demais para levantar. Acho que isso era um sonho depois de muito tempo. E, um por um, os ruídos foram sumindo até que sobrou apenas uma única batida aguda ao longe. Ela veio aos poucos em minha direção, tímida, furando lentamente a escuridão.

Só me lembro do seu último toque na pedra bem ao meu lado direito. Era como a última batida de um relógio que no instante seguinte se calaria pra sempre.

Na catarse da noite

--

--

Maximilian Rox
Conto que te Conto

Jornalista com ascendente em poesia. Community manager; Call of Duty, games, esports.