Na catarse da noite
A luz do bar estava alta quando eu consegui terminar as últimas linhas do livro. Era estranho ver tudo assim, tão vazio. Os feixes azuis de festa não combinam com a pista vazia, mas isso era o que as primeiras horas do turno reservavam para uma noite que em breve embaçaria a visão com álcool e fumaça.
Essa vida de bares e boates já me trouxe as histórias mais incríveis. Lembro do dia em que um cliente sentou e ficou por horas conversando comigo sobre videogames. Só depois descobri que ele era algum ator famoso da Europa. E quando o jovem de óculos chegou com um monte de engomadinhos e passou a noite inteira no balcão transcrevendo o que sua mente fluía por equações e ilustrações.
No dia seguinte, ele veio perguntar com um inglês meio torto por algumas folhas que ele tinha esquecido — e sua sorte foi que eu guardei antes que algum bêbado deitasse uísque sobre a Física. Meses depois ele retornaria na minha frente por meio de uma foto no jornal: era um russo descobrindo algum combustível muito louco para foguetes.
As risadas saíram quietas em mim conforme os drinks deslizavam pelo balcão. Estava feliz desse jeito. Era como gostava de viver: ali, na noite, me escondendo do atropelo do dia.
Me convencendo todos os dias de que as luzes dos postes eram mais calmas do que a do sol.
Mal sabia que hoje seria a memória mais singela em todos esses anos. Foi bem ali, onde um rapaz vomitou no dia anterior e desmaiou em plena pista. No mesmo local.
Hoje eu vi uma mulher se ajoelhando e pedindo outra em casamento. O brilho no olhos me pareceu o o show de luzes que pista nenhuma seria capaz de receber. Era ao som de uma música eletrônica tão louca que ninguém ao redor percebeu o que estava acontecendo, mas meu sorriso foi genuíno quando as duas se abraçaram.
A noite era mesmo o palco dos desabafos.