Três Garotas 04

Capítulo 04

Rodrigo Goldacker
CRÔNICAS
9 min readMay 30, 2018

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Imagem retirada do Pinterest, disponível aqui.

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P-04.

Ele ainda estava receoso sobre a festa para a qual iriam.

Não sabia exatamente como agir e o que era esperado que fizesse. Devia ficar sempre perto da ruiva ou se misturar? Tinha medo de aparentar carência ou de agir de alguma forma errada. Quanto mais tempo conseguisse antes de ter que lidar com isso, melhor. Pelo menos ganharia tempo para entender a situação em que estava.

— Podemos esperar um pouco aqui, então. Não temos que chegar tão cedo, certo?

Pam aceitou a proposta. Sentaram-se num banco de madeira no ponto mais alto da praça e encararam o ambiente. O céu estava nublado e a praça tinha movimento regular. Pessoas passavam, algumas apressadas e outras devagar, mas ninguém parecia reparar em ambos. Estavam sozinhos ali, sentados juntos e sem absolutamente assunto nenhum para tratar. Ela sorria com o canto da boca, como se achasse naquele contexto qualquer piada que só para ela fazia sentido. Ele, agora nervoso por não encontrar o que dizer, engasgava e tossia com constância.

— Então… Por que você me chamou pra vir? Você costuma convidar desconhecidos para te acompanharem sempre? — Ele quis saber, em um acesso de confiança, curiosidade e atitude que murchou logo em seguida. Sua cara se fechou novamente ao perceber o que tinha acabado de perguntar, mas ela parecia ter gostado da pergunta. Ajeitando-se no desconfortável banco, Pam se aproximou e respondeu, com uma voz suave e honesta:

— Não. É a primeira vez que faço isso. Você pareceu diferente para mim.

Ele não tinha certeza se a resposta dela deveria ser entendida como um elogio. Expôs um pequeno sorriso amarelo enquanto pensava sobre o que ela quisera dizer com aquilo. Começava a ficar ligeiramente apavorado: e se a garota estivesse zombando dele? E se ela o abandonasse na festa, ou se ele fosse feito de chacota por uma turma de “amigas” de Pam? A possibilidade pareceu tomá-lo com angústia gigantesca. Considerou seriamente abandoná-la e ir correndo para a casa apenas para não correr aquele risco.

Pam pareceu notar que algo estava errado. Aproximou-se ainda mais e passou o braço ao redor dele, num ato que tinha algo de ridículo, mas também de reconfortante. Ele permaneceu quieto, esperando que ela dissesse qualquer coisa. Não sentia que tinha qualquer compromisso em tentar quebrar o silêncio que crescera ali. A iniciativa e a ideia de chamá-lo, afinal, tinham vindo absolutamente dela.

— Não precisa ficar nervoso, vai ser divertido. Não é como se eu estivesse te levando pra morrer nem nada assim. — Ela soltou uma risadinha irônica ao falar. Seus cabelos ruivos caíam sobre os ombros dele. A proximidade e o contato pareciam de alguma forma deixá-lo desconfortável e ele permaneceu em silêncio, reagindo apenas com outro sorriso, ainda mais amarelo do que o anterior. E ela percebeu novamente, aproximou-se mais e continuou, num sussurro inconveniente:

— Fique por perto e não se perca de mim lá. Você vai se divertir querendo ou não.

Com essa frase, ela o beijou. Foi um beijo rápido e simples, com um carinho quase vazio e rotineiro, como se fosse uma extensão do abraço de auxílio. Ele, atordoado pelo movimento, permaneceu na mesma posição durante o ato, que durou poucos segundos.

Pam se levantou, rindo da expressão de surpresa dele. Fingiu encarar um relógio imaginário no pulso e seguiu, com uma teatral e estranha animação:

— Está na nossa hora de ir. Você vem ou precisa de mais um tempo para se recompor?

Ela riu ao terminar de falar. Ele seguiu a somente encará-la, atônito. As faces dela estavam ligeiramente coradas e seus olhos pareciam desviá-lo com um mínimo de timidez contida, mas fora isto ela estava exatamente como antes. Ele precisaria de mais um tempo para se recompor? A pergunta poderia ter vindo como um gracejo, mas ele a considerou realmente. O que era suposto que fizesse depois disso? O beijo dela serviu somente para confundi-lo ainda mais. Ela parecia tomar os rumos de tudo e ele poderia apenas permanecer sem pensar, ciente de que ela continuaria o guiando para onde quisesse que ele fosse.

Levantar e ir com ela para a festa, questionar sobre o beijo ou permanecer em silêncio vendo o que ela faria a seguir?

M-04.

Ele não gostaria de entrar na casa, ao menos não ainda.

Tinha a sensação de que poderiam conversar muito mais, mais soltos e tranquilos, se andassem juntos por algum tempo. A loira colocou a chave no portão e o abriu, mas não entrou. Esperava a confirmação dele sobre que fariam em seguida.

— Tem uma praça aqui perto… A gente pode passar um tempo lá enquanto espera — foi o que ele sugeriu, tentando dar para a voz um tom despreocupado. Megan travou alguns instantes na mesma posição, talvez pensando sobre a proposta. Disse finalmente, com um sorriso de aprovação de quem comprava a ideia:

— Claro, só vou deixar o livro aqui antes. Não quero correr o risco de perder ele. Espera aí, só um instante.

Ela passou pelo portão e, com passos rápidos e pequenos pulinhos, foi até a porta para a sala. Abriu-a também e entrou na casa. Ele ficou parado na calçada, esperando. Encarou o céu por alguns instantes e observou os transeuntes que iam e vinham apressados. Reconheceu a garota ruiva que vira no ônibus andando do outro lado da rua, apressada e com trajes de festa, mas apenas a ignorou. A loira não demorou mais do que cinco minutos para voltar, sem seu casaco desta vez, e então foram embora, caminhando pelo final da tarde até a praça que ficava a três quarteirões de distância.

Megan variava seu interesse entre observar o céu e observar seu companheiro. Agora ela aparentava uma leveza emblemática, como se tivesse poucas preocupações ou nenhuma, e sua timidez era compensada por algo de uma confiança silenciosa e camuflada. Ele, por sua vez, fazia pequenas perguntas ansiosas, que eram sempre respondidas com a mesma voz distante, às vezes junto de pequenas risadas distraídas.

Chegaram até a praça, bastante movimentada para o horário. Caminharam pelo lugar e sentaram-se em um banco de madeira que dava uma vista ligeira de grande parte do ambiente. Crianças corriam e adultos conversavam, vendedores de rua apoiavam os braços em seus carrinhos, alguns rabugentos e cansados e outros aparentemente satisfeitos. Meg estava com as pernas cruzadas e seus cabelos loiros refletiam um dourado que combinava com a cor do céu. Ele, acostumado com o silêncio dela, contava pequenas casualidades e elogiava o bairro. Tentou duas vezes tocar no assunto da história que ela lhe contara, mas em ambas Megan deu pequenas risadas e não disse nada mais de consistente. Na terceira tentativa, a loira teceu um comentário, sutilmente debochado, que o fez desistir:

— É só uma história, oras. Não tem porquê você se preocupar tanto com isso.

Ele fechou a cara com a resposta por alguns segundos. Fora ela quem decidira ler aquilo para ele e incitar sua curiosidade, mas agora parecia provocá-lo com suas poucas palavras a respeito. Nervoso, deixou o silêncio tomar seu lugar por mais alguns minutos. Neste intervalo, ela permaneceu olhando para o céu.

— Você é estranho — declarou Meg para quebrar o silêncio em dado instante, como se fosse um comentário simples e habitual. Ele permaneceu em silêncio e ela, nervosa com sua decisão aparentemente imatura de ignorá-la, continuou:

— Ninguém nunca se interessa pelo que eu tenho para dizer. É estranho você, que nem me conhece, aparecer do nada e ser o único a escutar.

Ele se virou e a encarou. Os lábios finos dela esboçavam um sorriso amigável e seus olhos verdes passavam uma intensidade agradecida. Ela continuou:

— Você quer mesmo saber mais? Posso te ensinar algumas coisas, acho. Se você se interessar, quer dizer.

Ele deu um pequeno sorriso, alegre por ela finalmente se dispor a falar algo por conta própria. Desafiou-a para que continuasse:

— Como assim? Tente me convencer, então. Ensinar o quê? E por quê?

Megan riu abertamente pela primeira vez e comentou com uma ligeira ironia:

— Bem, o porquê me parece simples. Você não parece ter muito mais pra fazer. Não é como se fosse perder tempo.

Ele realmente não tinha um bom argumento para retrucar, então travou para considerar por alguns momentos. Mas o que, afinal de contas, ela poderia lhe “ensinar”? Ele gostava, porém, daquele ligeiro mistério. Poderia apenas dizer que sim, que queria aprender seja lá o que fosse, e se deixar colocar no estado de aprendiz, não poderia? Ela de fato parecia ter bastante para dizer, embora falasse tão pouco. Por outro lado, ele achava que talvez poderiam fazer outra coisa. Talvez a ideia de ensinar a entediasse de alguma forma ou os distanciasse de algum jeito. Era difícil saber com certeza já que ela pouco falava. Por último, ele poderia simplesmente ir embora. Poderia tranquilamente pesquisar sobre aquele misterioso livro que ela se recusava a contar como terminava. Não se passaria por ignorante e nem por ingênuo caso se encontrassem outra vez.

Escutar o que ela tem a dizer, sugerir que fossem para outro lugar, talvez um cinema ou teatro, ou ir sozinho pesquisar mais a respeito antes de encontrá-la novamente?

D-04.

Ele andou até a porta entreaberta, abriu-a e se deparou com um corredor sujo e vazio.

Como no resto da casa, não existia qualquer mobília ali. A escada de madeira estava em péssimo estado e rangia a cada passo que ele dava. Ouviu mais barulhos durante a subida. Outras batidas, algo sendo arrastado e uma porta sendo batida.

Ao chegar ao segundo andar, se deparou com duas portas. Uma delas, a mais próxima, estava escancarada e dava para um quarto escuro e vazio. Na outra porta, no fim do corredor, uma luz amarelada vazava pelas frestas. Ele seguiu até a porta no final do corredor. Abriu-a lentamente, apavorado pelo que poderia encontrar ali dentro.

O quarto estava bem iluminado e, diferente do resto do casarão, parecia ser habitado. Um armário espelhado cobria uma parede inteira. Na parede oposta havia um quadro enorme de uma paisagem rural, além de uma escrivaninha e uma mesinha, ambas de madeira. Uma poltrona ficava logo próxima à porta e, no centro do quarto, uma cama de casal se destacava por ser mais nova, moderna e limpa do que o resto. Uma saída para uma pequena sacada ficava no canto restante.

Apenas Diana estava lá, sentada na cama com as pernas cruzadas e cantarolando alguma coisa. Ao vê-lo, ela deu um sorriso radiante e se levantou da cama num pulo. Acenou para que entrasse e ele, ainda hesitante, assim o fez.

Ele sentou na poltrona e ela se aproximou dele. Um tenso silêncio dominou o local. Diana, em um movimento rápido e inesperado, o beijou e guiou até a cama com um empurrão brusco. Os beijos seguintes eram lentos e carinhosos e as mãos dela não demoraram a tocar a calça dele.

Ele arregalou os olhos, nervoso, mas não conseguia reagir. Diana era muito, muito atraente e, calma e confiante, parecia estar no controle de toda a situação. Ainda mais, ele estava aliviado por encontrá-la bem, mas aquilo não poderia ser, de forma nenhuma, considerado normal. Ela o conhecera naquele mesmo dia e mal haviam conversado, então por que agora estavam juntos em uma cama?

Ainda assim, ele teve pouco tempo para pensar muito ou protestar. Ela despia ambos rapidamente e com um sorriso maldoso no rosto. Fizeram sexo ali mesmo, sem trocar nenhuma palavra desde que ele entrara no cômodo. Terminaram minutos depois e ele, deitado ofegante na cama, a observou se levantar e se vestir novamente, com uma naturalidade quase absurda. Diana jogou as roupas dele de volta. Ele se vestiu e sentou na cama novamente. Ela se sentou do lado dele e soltou um pequeno riso.

Ele estava perplexo e incomodado. Apenas agora conseguira assimilar a ausência do homem que viera recebê-la quando chegaram. Encarou sua companheira, que agora falava qualquer coisa a respeito de precisarem ir embora por já estar tarde, e pensou em quão bizarra era situação estava se passando ali.

Ele a abandona e vai embora, questiona sobre onde o dono do casarão foi parar ou apenas a acompanha, ainda ignorando a estranheza dos acontecimentos?

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