Saliva

- Com você, como que foi?
- Ah, aquela coisa. Boca, língua…
- Você não sentiu ânsia?
- Claro que não!
- Eu acho que eu tenho nojo.

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Esmir Filho, diretor e roteirista de Saliva, não busca exatamente contar histórias quando filma. Não que elas, as histórias, não existam. Elas estão lá, aos fiapos. Só não são, essencialmente, o foco de sua atenção.

Mais do que querer dizer o que aconteceu com as suas personagens, a intenção do diretor parece ser investigar o que fica na borda dessas histórias, como se ele se interessasse mais em observar os momentos que antecedem a ação, tentando sentir junto de suas criações as sensações que precedem os ato, registrando não só o que se pode ver e ouvir, mas também o que é físico e tátil.

Se isso foi perceptível este ano na série da Netflix Boca a Boca, dirigida em parceria com Juliana Rojas, e no ano de 2009 com seu longa de estreia, Os Famosos e os Duendes da Morte, aqui, em Saliva, curta de 2007 que antecede esses trabalhos, isso é ainda mais notável.

No filme, Esmir cola a sua câmera na boca e no rosto de Marina (Maya Comunale), uma adolescente de doze anos que está prestes a ter a experiência de seu primeiro beijo. Abusando de close-ups e de planos fechados que distorcem tudo o que não é a protagonista, o diretor coloca em primeiro plano a subjetividade da personagem, de modo que é possível sentir, junto com ela, o turbilhão de sensações que ela sente. Isso acontece graças a habilidade de Esmir de apresentar as texturas, de amplificar sons e de se atentar a umidade dos ambientes. Assim, o vapor no espelho depois do chuveiro, as gotas de chuva no vidro da janela do carro e a água da fonte artificial do shopping viram vetores e alegorias para o interior de Marina. A umidade não é só visível, ela é tátil, ela é gelada. Tal qual as expectativas da pré-adolescente.

Intercalando a essa subjetividade o pragmatismo e as pressões tão típicas da adolescente, Esmir cria uma ambiência que propicia uma espécie de paranoia: a melhor amiga de Marina está lá, sempre, para aconselhar e, em alguma medida, julgar as impressões da amiga. E os olhos dos outros (o primeiro beijo se passa num shopping, enquanto a turma de Marina aguarda o início de um filme do lado de fora do cinema) se fazem presentes, mesmo que não os vejamos.

Entrecortado a isso, há também cenas de objetos típicos da infância, como bonecas e adesivos de temas infantis, que surgem aqui ora como auxiliares da aprendizagem sentimental (Marina beija um adesivo da Hello Kitty, para treinar) ora como olhares julgadores (imagens das bonecas, assim como das amigas, aparecem enquanto Marina beija de verdade, pela primeira vez).

Ao fim do filme, testemunhamos o crescimento propiciado pelo rito de passagem e vemos a personagem, agora, sem a tensão da ansiedade que precedia o primeiro beijo. E testemunhamos também um trabalho de direção apurado que sabe transpor em som e imagem o que é tátil e o que é físico.

Saliva
Direção: Esmir Filho
Ano: 2007

Assista ao filme aqui.

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Thiago Dantas
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Uma espécie de Macabéa, só que mais trouxa. 31 anos, paulistano, comunicólogo e professor.