Como comunidades empreendedoras resolvem problemas? — Parte 2

Daniel Lima
Databizz
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5 min readMay 26, 2020

Sua comunidade ou a sua rede se posiciona de acordo com a figura ilustrada na parte 1 deste texto? E de fato há um trabalho em rede acontecendo? Há um compartilhamento de ideias, soluções e um trabalho conjunto de soluções de problemas? Há objetivos centrais em sinergia com os principais atores locais? Estas foram as perguntas que deixei no final da primeira parte desta provocação e que fique claro, não responderemos ela claramente aqui nesta segunda parte. Mas tentaremos trazer um pouco mais de clareza aos pensamentos não tão bem estruturados neste momento, com base em casos reais.

Vou voltar a realidade de Recife, onde tenho mais vivência como testemunha ocular. Diante do cenário incerto que estamos vivendo, algumas ações integradas começaram não só a ser pensadas, mas também executadas por mais de 4 mãos. Logo na primeira semana do isolamento social (entre 16 e 20 de março de 2020), surgiu um hackaton online, com o objetivo de encontrar soluções para enfrentamento da COVID-19. O Porto Digital e seu Open Innovation Lab, se juntou ao Ministério Público estadual e às demais entidades locais, para promoverem a ação. Em vez de criar um novo espaço para esta discussão, partiram para ocupar e alavancar o Slack da Comunidade Manguezal (saiba mais por que a Manguezal usa o Slack e não o Whatsapp e como entrar, nesse texto de Emídia Felipe), que dobrou de a quantidade de usuários em menos de uma semana, passando de 1000 para mais de 2000 pessoas.

A vantagem de ocupar este espaço, é que lá já estavam pessoas que discutem, convivem e compartilham a inovação diariamente. O resultado desta movimentação saiu já em abril, com três apps: o primeiro a ser lançado, ainda em abril, foi o Dycovid (disponíveis na App Store e Play Store), que apresenta um mapa de risco de contaminação, com base na quantidade de pessoas na rua. Já agora no começo de maio, foram lançados o Anjo Amigo e o Xô Corona. No Anjo Amigo, o usuário pode participar de forma voluntária de uma rede social colaborativa se conectando com os idosos ajudar no apoio e proteção deste grupo, considerado de risco pelas autoridades sanitárias. Já o Xô Corona promove o isolamento social voluntário empregando ferramentas da economia comportamental e princípios de gamificação.

Além destas soluções, diversas outras foram desenvolvidas ou mudaram seu rumo focando no combate, prevenção e informação ao tema da pandemia e podem ser encontradas neste link, no site do Porto Digital. Todas criadas em rede.

Mas o trabalho em rede aqui não se limitou a um hackaton e são facilmente possíveis de serem exportados para outras comunidades. Vou citar apenas algumas, pois outras diversas podem estar de fora, por vivermos um ambiente orgânico e colaborativo:

  • Pessoas e empresas do ecossistema, encabeçadas pelo Porto Digital, doaram cestas básicas aos moradores da comunidade do Pilar, que fica dentro da ilha onde se situa o Porto Digital. A ação passou a ser recorrente, para que pelo menos uma vez por mês, as famílias recebam a doação;
  • Startups estão oferecendo serviços para outras startups, seja de forma gratuita ou com valores extremamente reduzidos. É o movimento #SobeMangue;
  • A ação Ajude Outra Empresa, encabeçada pela startup Stepps, criou um portfólio de serviços que serão ofertados de maneira facilitada para empresas que estejam sofrendo com os impactos da COVID-19;
  • Já o #CadaImpressãoConta, mobilizou voluntários da impressão 3D em Pernambuco, com o apoio de mais de uma dezena de apoiadores locais . A ação é global e se empenha na produção de Equipamentos de Proteção Individuais (EPIs) a serem doados para profissionais da saúde durante a crise causada pelo novo coronavírus;
  • O SoftexRecife junto com Porto Digital e diversos outros atores, está promovendo lives quinzenais, com participantes de relevância nacional, para discutir e apresentar melhores práticas para enfrentar a nova realidade. Outras startups e empresas estão promovendo conteúdos quase que diariamente, que podem ajudar muita gente.

O mais importante aqui, não é fazer propaganda do que Recife está fazendo, mas sim salientar que todas estas ações só estão acontecendo, graças a sinergia que já existia e que sempre foi defendida de se manter. Uma rede não se cria de um dia para a noite, mas é preciso ter um começo. E um ponto muito importante a se levantar e que pode garantir a sobrevivência da rede por longos espaços de tempo, é torná-la orgânica, acessível e sem a necessidade de se institucionalizar, visto que já existem instituições firmadas na região e se sua comunidade não fizer algum tipo de integração com elas, facilmente ela terá um curto espaço de vida.

Quando Ge.N.Te faz muito mais do que Nós

Pra fechar essa reflexão, Brad Feld define bem quais são os requisitos necessários para uma comunidade de startups se tornar madura. O Luiz Gomes explica bem didaticamente nesse texto aqui. E mesmo que você venha a pensar que isso só aconteça para comunidades de startups, pode se surpreender que muitos dos papéis e das sugestões, podem ser facilmente aplicada em comunidades empresariais.

Na imagem abaixo, adaptada pelo Luiz Gomes (hoje Head da aceleradora Overdrives) em 2017, de um paper da Up Global (Techstars), mostra que Ge.N.Te — Acrônimo que define uma combinação de pessoas com habilidade de entender Gente, desenvolver Negócios e manusear Tecnologias e que hoje o CESAR defende muito essa definição e com louvor — somada a fatores próprios que apoiem a criação e o desenvolvimento de contextos, podem ajudar corporações a encontrar soluções em rede e mitigar os danos que crises, ou até mesmo momentos internos de incertezas, podem gerar.

Fonte: Startup Maturity, adaptado do paper Techstars.

Não se assustem, esse acrônimo se tornou muito comum em diversas corporações mundo afora e isso é ótimo. Ótimo porque é facilmente correlacionado para comunidades internas e ótimo porque pessoas são o cerne de cada um destes pilares. Não à toa, Cubo, Black Swan, Overdrives, Assespro, Sebrae, SoftexRecife, Porto Digital, CESAR, InovaBra, C6Bank, Ambev, Idexo, Complexo Portuário de Suape, entre outros players de relevância locais e nacionais, seguem algo muito similar a isso, ou pelo menos parte disso, e que aponte um norte para onde seguir.

Por fim, fica a provocação de como de fato estamos tentando trabalhar em rede, como criamos essa rede e como fazemos a manutenção dessa rede de forma saudável, sustentável e replicável. Se a sua rede, seja interna ou externa, não segue pelo menos um destes insights, vale reler as boas práticas Brasil afora (aqui vou deixar "mundo" de fora, levando em consideração nosso contexto bastante particular) e colocá-las em prática. Rede nasce da colaboração e por aqui existe muita gente disposta a dividir suas experiências e ajudar mais ecossistemas a se desenvolverem. Inclusive eu. Me chama para um papo no LinkedIn, que vai ser massa trocar um pouco desta vivência e também ouvir mais suas percepções locais. Se eu não souber responder uma questão, alguém nesta rede conseguirá.

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Daniel Lima
Databizz

Marketólogo, especialista em Gestão Agil de Projetos, mestrando em Design. COO da Databizz, professor do MBA da Unicap e membro da Manguezal.