Uma Paralisia além do Digital

ed dantas
Databizz
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5 min readJun 11, 2020

Em um texto passado apresentei a ideia de uma paralisia generalizada em decisores, diante de tanta mudança inesperada: Uma Epidemia de Paralisia Corporativa (link).

Muito tem se falado sobre transformação em tempos de busca de soluções rápidas e milagrosas, principalmente para quem estava distante de um modo de trabalho mais digital. É comum se pensar apressado em alternativas quando a necessidade bate à nossa porta. No entanto, será que essa busca momentânea de algo se dá por remédios reais que tratam as causas [de uma Paralisia Corporativa] ou é apenas um comprimido para a dor de cabeça das consequências [dessa paralisia] no momento de febre?

Nos últimos anos, foi crescente a quantidade de consultorias que não entraram com profundidade no assunto de Transformação Digital, ficando apenas na superfície de algo bastante complexo. Elas aproveitaram um nome comercial para empacotar, com ternos e gravatas, as embalagens bonitas de selfies com CEOs [ou heads de algo] e o turismo digital no planeta da inovação. Podemos chamar essas pás e picaretas em um canteiro de obras pseudodigital de “A cloroquina corporativa da última década”.

Em um momento de crise acelerada, que pode ser vista na imagem abaixo, remédios pontuais tendem a não surtir efeito para a não capacidade estrutural em inovação. As organizações que não tinham uma cultura de experimentação e investimentos de longo prazo em um “modo busca” vão sofrer de forma acelerada, em qualquer tempo de crise.

Tempos exponenciais e decisores lineares.

O que fazer então na urgência da crise por conversões ou renovações quase que totais de operações empresariais? Como encontrar caminhos de tratamento quando apenas olhamos em uma direção esquecendo de observar o contexto ao redor?

Tenho atuado há 10 anos no meio de investimentos com startups em conjunto com centros de ciência e tecnologia; e nos últimos 3 anos venho entendendo como a indústria pode trabalhar com inovação aberta. De norte a sul do Brasil, me envolvi na aceleração de negócios nascentes e programas com corporações que souberam ir muito além de uma simples transformação digital. Uma grande parte do meu trabalho hoje acontece dentro de um Complexo Industrial-Portuário, onde vejo fortemente um mundo real distanciado da promessa da digitalização de prateleira — que apenas arranha a superfície de um Iceberg de Experimentação Transformacional (IET).

Nesse meio industrial, mais clássico e com anos de mentalidade de fazer da forma como sempre foi feito, não é do dia para a noite que grandes mudanças acontecem. Em um momento de pandemia e crise, com uma demanda que não é mais a mesma, o decrescimento de uma produção e uma reconversão industrial são alternativas imediatas. Apesar disso, essas ações conhecidas são apenas formas temporárias de virar a direção para não esbarrar em bueiro no meio da estrada e afundar no vazio dentro dele.

É nesse contexto que a construção de uma busca constante pelo novo poderia ser entendido como algo fundamental para todos os tipos e maturidades de negócios. Chamamos esses tipos de organizações de Empresas Ambidestras, que ao mesmo tempo executam o principal e buscam em paralelo sempre a renovação de forma continuada. Respondendo sobre o que fazer com a urgência da crise e em qual caminho navegar, todas as corporações deveriam olhar para Orçamentos em Inovação Estrutural (OIE) como um combustível para o transformacional. O que isso realmente quer dizer?

A ambição por sobrevivência em tempos de crise deveria ser diretamente proporcional aos investimentos [feitos no passado] na experimentação contínua de novas soluções.

Alocação de recursos em inovação (link)

Na imagem ao lado, você como CEO ou decisor da sua empresa pode concluir em um check-up rápido, olhando em retrospectiva, sobre o quanto dos seus recursos foram alocados em novas soluções no core [curto prazo e incremental], no adjacente [médio prazo] e no transformacional [disrupção e longo prazo]. Se você não sabe responder ou gasta em demasia sem saber, cuidado com o copo de água e sal oferecido. Os especialistas engravatados tendem a vender o óbvio quando o óbvio já não mais surte efeito. Muito melhor um copo de água com gelo para seguir o calor dos esforços dentro de casa e no futuro conseguir formar uma rede externa para acelerar evoluções importantes.

To Kill a Mockingbird: Será que a transformação é para todos?

O canteiro de obras interno das organizações, no qual os desafios reais acontecem, é onde decisões de longo prazo podem ser sustentadas. A disrupção se dá ali, de dentro para fora como uma implosão controlada e provocada por antecipações de mercados. Isso é algo que uma consultoria externa dificilmente conseguiria olhar com profundidade e tempo o suficiente para se responsabilizar. Uma vez que a intenção por mudanças e investimentos está tomada por decisores chaves, a partir de um ponto de vista próprio, o caminho é aberto para uma transformação que pode ser para todos.

Indústrias, empresas e organizações que souberam apostar internamente em uma evolução estrutural estão mais preparadas em relação às que nunca começaram algo em Inovação Além do Digital (IAD). Enquanto as outras, ingênuas, que apenas compraram a cloroquina de consultorias de estratégias digitais, investem orçamentos generosos em um copo de água e sal no meio da crise. São essas que terão mortes aceleradas por desidratação em busca de uma sede digital que não responde às necessidades em tempos de urgência e contingência. Está na hora de praticar além do digital e não ficar preso apenas em estratégias de futuro.

“Não sei quando essa recessão terminará e não estou interessado em sua previsão. No entanto, estou interessado na observação histórica de que o progresso acontece muito lentamente para as pessoas perceberem, mas os contratempos acontecem muito rapidamente para ignorar. Isso faz com que a maioria das pessoas reconheçam quando uma recessão terminou apenas com uma retrospectiva considerável, o que exige a manutenção do otimismo do investimento, mesmo quando a economia ao seu redor se sente quebrada.” Morgan Housel (link)

Talvez em momentos tão incertos, olhar apenas para o futuro não é onde respostas podem ser encontradas. Quando não se souber para onde ir, olhar para trás é um caminho a se empreender.

Ed Dantas — Maio 2020 / CEO da Databizz, Professor na formação executiva do CESAR School e Head de Inovação no Complexo Industrial-Portuário de Suape. [ed@databizz.com.br]

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CEO da Databizz, Professor na formação executiva do CESAR School e Head de Inovação do Complexo Portuário de Suape.