Revoluções Tecnológicas e o Contexto Atual

Guilherme Lima
DealflowBR
Published in
7 min readJul 16, 2020

Na edição da Dealflow #19, eu comentei sobre se estamos em Bolha de Tecnologia e trouxe alguns argumentos práticos sobre o por quê eu acho que ainda não estamos próximos de um estouro de bolha.

Agora, para esse texto, eu gostaria de trazer algumas ideias de um ótimo livro que li recentemente chamado “Revoluções Tecnológicas e o Capital Financeiro — A Dinâmica de Bolhas e os Tempos Dourados” de Carlota Perez, de 2003 (a tradução do título e dos termos desse artigo foi feito livremente por mim).

Este é um livro que, como o nome diz, explica as dinâmicas das revoluções tecnológicas e o comportamento do capital financeiro ao longo dos últimos ciclos tecnológicos e econômicos. As Teorias e os Frameworks trazidos no livro nos ajudam muito encontrar e explicar o contexto histórico que vivemos, e, se correto, pode nos ajudar a predizer o que deve acontecer dentro dos próximos ciclos econômicos.

Além do profundo conhecimento histórico e econômico, o livro é referência para grandes gestores de investimento em tecnologia, e já vi muitas teses de mercado fundamentadas pelos frameworks trazidos pela Autora.

A Tecnologia, os Ciclos Econômicos e as Bolhas

Segundo a Autora, o mundo moderno viveu cinco revoluções tecnológicas. Cada ciclo é iniciado por meio de um novo Sistema de Tecnológico — ou seja, um grupo de tecnologias que interconectados criam os novos ciclos econômicos.

As cinco revoluções foram as seguintes:

Esses ciclos têm como similaridades:

  • Uma inovação que se torna acessível, funcionando como gatilho para transformar a cadeia produtiva e tornando altamente competitivos os negócios que as utilizam. A autora chama de esse momento de Big-Bang Revolution. Por exemplo, este big-bang da era atual da informação, surge depois dos microprocessadores criados pela Intel que tornou acessível a produção e expansão dos computadores, telecomunicações, desenvolvimento de software entre outros…
  • As infraestruturas desenvolvidas em cada ciclo, suportarão o desenvolvimento dos ciclos posteriores. — No ciclo atual, a eletrônica, criada no ciclo anterior, apoiou o desenvolvimento de telecomunicações e computadores.
  • O surgimento do novo Sistema Tecnológico, acompanhados por uma infraestrutura facilitadora, altera as estruturas dos mercados e o direcionamento dos investimentos.
    Nesse momento há uma mudança de paradigma, o que a autora chama de Paradigma Tecno-Econômico (PTE), onde leva a sociedade a adoção do novo sistema para tornar os negócios mais eficientes e lucrativos, mais competitivos que os negócios atuais.

As duas fases e as bolhas

Período de ‘Montagem’ (Installation Period).

Esse é momento momento inicial da curva de crescimento do ciclo. Ele começa com o big-bang, como mencionado anteriormente. Nesse instante há bastante capital financeiro sendo gerado por negócios e empresas maduras que capturam valor do Paradigma Tecno-Econômico (PTE) anterior, mas que começam enfrentar estagnação, e começam buscar entender quais são, e direcionar, apostas para o novo Paradigma.

A partir do momento que empreendedores e early adopters entendem o potencial das novas tecnologias, os financiadores começam a se interessar. Os financiadores tem como intuito o de ter retorno investindo em empresas que estão produzindo novas tecnologia para o novo Paradigma.

Nesse momento, o desenvolvimento da tecnologia ainda é exploratório, ou para construção de infraestruturas que suportaram o novo sistema. Alguns investimentos não dão certo, no entanto outro acertam grandemente, o que atrai o interesse de mais financiadores para buscar os grandes retornos. Com grandes apostas e alguns grandes retornos, o mercado financeiro entra em uma estado de exaltação.

Junto a isso, um impacto social negativo usualmente começa a aparecer. Com o Capital Financeiro tomando conta, os seus interesses influenciam o sistema, o que resulta no aumento da desigualdade, com ricos ficando mais ricos e deteriorando classes mais pobres. Algumas regiões tem mais sucesso que outras, e migrações de áreas mais pobres para áreas mais ricas acontecem sendo, muitas vezes, não muito bem vinda por governos locais.

A economia começa ficar insustentável, com o descasamento da oferta, que é empurrada pelos investimentos do Capital Financeiro, e com uma demanda ainda não completamente acessível, em conjunto com a incompatibilidade dos valuations reais dos ativos versus especulações, levando a um estouro inevitável de uma bolha econômica.

O Ponto de Inflexão

Normalmente, com o estouro da bolha, vem uma recessão, e até depressão, em que o Capital Financeiro se torna mais modesto e preocupado, voltando a realidade. Isso dá espaço para o surgimento do Capital de Produção, investimento menos especulativo e mais assertivo, gerido por pessoas com conhecimento científico, técnico ou de gestão para gerar valor a partir da criação de novos produtos, processos e mercados.

Além disso, depois do estouro, as autoridade de estado buscam corrigir algumas coisas nos sistemas, regulando os mercados para evitar os excessos, e prover um crescimento econômico sadio (como a Lei Sarbanes & Oxley, criada após a Crise da Bolha da Internet em 2002, ou as regulações do sistema financeiro, da Crise de 2007/8) .

Período de ‘Expansão’ (Deployment Period).

Nesta fase, o Capital de Produção entra em cena para investir em inovação que adicione eficiência a produção, por meio de tecnologias eficientes e mais acessíveis. É um período de consolidação de mercados e de ganhos de produtividade pelo amplo uso da inovação tecnológica.

De acordo com a autora, esses ciclos devem durar cerca de 50 anos. Ela contou em um painel que acredita que o ciclo atual deve durar mais, e que o ciclo atual de Tecnologia da Informação foi atípico pois tiveram duas bolhas, a da internet e a do sistema financeiro, e que pode ter mais.

Contexto Atual — Consolidação da Era da Informação

Então, de acordo com o livro, de 2003, e como já exposto pela autora, Carlota Perez, em diversos eventos e artigos, hoje em uma Fase de Expansão (Deployment Period).

O momento econômico é de consolidação da era da informação e aceleração da regeneração da sociedade. A Internet e Software engoliram o mundo. Atualmente, passamos pelo menos 6 horas do nosso dia acordado trabalhando, ou tendo lazer, em frente a computadores, smartphones, redes sociais, entre outras. O Sistema Tecnológico começa a estar presente por toda parte e se transforma em algo já despercebido por nós. O mesmo acontece nos negócios, por exemplo, lojas online começam a ser algo básico para o varejo, sem segregação. Ou o efeito das wallet na China, onde não se uma mais dinheiro ou cartões físicos.

Grande parte das disrupções tecnológicas dessa Era já aconteceram, e foram construídas por empreendedores que estão a frente da assimilação da sociedade.

A pandemia é mais um desastre mundial que veio para acelerar o processo de reconstrução e consolidação do Sistema Tecnológico por toda a sociedade, assim como foi a Primeira e Segunda Guerra Mundial para o ciclo anterior.

No âmbito Macroeconômico, é esperado ver uma reconstrução por governos e sociedade para acomodar essas disrupções e o novo sistema tecnológico para transformar o mundo em algo mais sustentável.

Nesse momento, o Capital é direcionado para ganho de produtividade, mercado e expansão, e não tanto para exploração de novas tecnologias, a não ser que sejam para o crescimento dos negócios, ou outras apostas.

Por isso, temos visto nos últimos anos o crescimento do investimentos em Growth Capital e gigantes rodadas de Late-Stage, ou o crescimento no número de IPO de empresas de tecnologia, onde os recursos levantado estão sendo direcionado majoritariamente para SG&A(vendas, administrativo e operações), do que para R&D (Pesquisa e Desenvolvimento). A tecnologia não é considerada mais uma feature nesse fase, e o importante é o quanto ela torna acessível e reduz a fricção aos consumidores, por meio artifícios como novos modelos de negócio, preços, UX/UI, por exemplo.

Também, por isso, o crescimento do modelo de Venture Debt (Dívida para Ventures) que, com um ROI assertivo, financia o crescimento com um custo de capital menor que o modelo tradicional de financiamento pelo Equity.

No lado das corporações, o Corporate Venture Capital com foco financeiro ou exploratório, dando espaço para áreas de M&A entrarem em cena, ou mesmo Corporate Venture Capital como perfil de investimento em estratégias Go-To-Market.

No entanto, um artigo de John Luttig, da Founders Fund, menciona que Negócios de Internet estão chegando a uma maturidade, onde a curva de crescimento das novas entrantes começa apresentar uma redução, porém a curva dos múltiplos de valuation seguem crescendo. Talvez, começaremos a ver crescimento em áreas que tem demorado para adotar a tecnologia como Agtechs, Legaltechs, Construtechs, IoT etc…

Acredito que pelas infraestrutura e inovações criadas por meio das grandes tecnologias deste ciclo, como dos computadores, softwares e internet do ciclo atual, ainda permite um grande espaço para empreendedores capturarem o valor e consolidar os paradigmas, acessando diferentes partes da sociedade.

Obrigado a Raphael Tiseo (Orca Ventures) pela revisão e feeedbacks.

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Guilherme Lima
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Brazilian venture investor @astellainvest and editor-writer @dealflowbr .