#13 a fuga dos bichos

Carolina Bataier
Diário do fim do mundo
2 min readJul 6, 2020

Minha gata fugiu. Passou três noites fora, voltou como se nunca tivesse ido, um pouco mais faminta, só. Nessas 72 horas, lembrei do motivo da minha resistência em adotar animais. É doloroso quando eles partem. Por sorte, aprendi que evitar a dor da vida é evitar a própria vida. Se você sabe o nome do autor dessa frase, por favor, anote aqui no cantinho. Minha memória anda à manivela, foi-se o nome, ficou o ensinamento.

Em tempos de notícias difíceis — todo dia uma — ouvir o miadinho de Dionísia no quintal, pela manhã do terceiro dia, foi uma explosão de alegria. Você também tem se resignado? Eu abracei a desesperança. Felizmente, ainda há notícias boas e, quando chegam, é como uma tempestade, um vendaval, a gente dançando na chuva. Desci correndo as escadas, só de camiseta, fiquei no sofá observando Dionísia devorar a comida, depois se jogar na almofada e dormir.

A tripla noitada da felina tornou-me próxima dos vizinhos. Quando saía pela calçada chacoalhando o potinho de ração, trocava palavras com um e outro, ela é cinza e branca, o senhor não viu? Mansinha… Nesses passeios, soube da morte do Pingo, o pintcher caramelo que pelas manhãs invadia o condomínio onde moro para brincar, de casa em casa.

Atropelado, pobrezinho. Mais triste ainda foi o modo como o dono dele, um senhor sorridente, me contou:

_Você não percebeu nada de diferente aqui na rua?

_ O Pingo! Cadê?

_Morreu.

Engatamos uma hora de conversa. Seu Sebastião, como se apresentou, vai procurar a Guarda Municipal e pedir para sinalizarem nosso quarteirão. É uma rua sem saída, com um monte de bicho, como pode alguém passar correndo assim? Pinguinho ficou caído ali na frente. Acho que foi moto.

Pensei que, sem a quarentena, eu não teria adotado os gatos, nem conhecido Pingo, nem me aproximado dos vizinhos e também não estaria escrevendo estes relatos. Mas isso é uma grande bobagem. Não há sentido em imaginar as consequências de uma realidade impossível.

Tenho cuidado do meu pensamento para afastar qualquer ideia fantasiada de “o lado bom da pandemia”. Existe um mundo grande e dolorido, pessoas brindando, outras chorando mortos, animais fugindo e alguns voltando para casa, outros nunca mais.

Para ouvir:

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