#quarentena 2: comprando incesos online

Carolina Bataier
Diário do fim do mundo
3 min readApr 10, 2020

Eu não fazia compras online.

Sou o terror dos vendedores, entro na loja e vou apertando, apalpando, cheirando, me esfregando em tudo.

Também porque sou desconfiada, esse negócio de pagar, esperar, receber o produto dias depois, acho esquisito. E se não chega? E se chega amassado? Ou, pior: e se chega e é diferente da foto, a cor, o tamanho, a textura? Se não chegar, tem reembolso, mas e o cansaço de entrar no site, mandar mensagem no SAC, tirar foto do comprovante, esperar, sei lá, tanta coisa, como faz? A verdade é que, apesar de trabalhar sentada diante do computador, eu não gosto muito das relações mediadas pela tecnologia. Meus amigos ficam dias esperando resposta minha no Whatsaspp e isso não quer dizer que não amo, pelo contrário: certa de que pessoalmente é muito melhor, demoro para ceder à frieza do celular.

Mas hoje, agorinha mesmo, fiz cadastro numa loja de incensos online e comprei um pacote com oito aromas. Gabriel falou que sente saudades de sair de casa para comprar incenso. Quando a gente morava juntos esse era um programa. Sair de casa, passar no supermercado e depois na lojinha de incensos, ficar cheirando as caixinhas. Então, lembrei que os meus estão acabando.

Eu, além da lojinha de incensos, sinto saudades de visitar meus pais. São 600 quilômetros de distância, uma fronteira entre estados. Sinto saudades de entrar num ônibus e olhar a paisagem correndo pela janela. De tomar café com minha avó. Das mesinhas de buteco na calçada, de comprar sorvete, de cumprimentar com abraços e não precisar lavar as compras quando chego do supermercado.

Quando Marcelo Rubens Paiva mergulhou de cabeça num rio, fraturou a coluna e ficou dias na cama do hospital, passou a crer em muita coisa. Ele fala disso no livro Feliz Ano Velho. No hospital, sem saber se voltaria a andar, aceitou rezas, flores, padre, tudo. “Se me dissessem que uma vaca dá sorte, eu amarraria uma ao lado da cama”, diz.

Eu acendo incensos.

Se morasse em São Paulo, alugaria um apartamento de chão de taco e encheria de plantas, eu sou esse tipo de pessoa, não decepciono meu lugar de fala. Tenho samambaia, uma vitrola e, na quarentena, adotei dois gatos.

Mas também me desespero e hoje chorei assistindo ao vídeo do meu primo, três anos, desembrulhando ovos de Páscoa. Não fosse o apocalipse, eu estaria lá. Meu pai faria um churrasco, minha tia faria bolo. Não sei quando verei minha família e não sei se, na próxima vez em que nos encontrarmos, estaremos todos bem. Se você gosta de positividade, vai balançar a cabeça censurando essa minha última frase e dizer: vai estar tudo bem, sim. Mas a verdade é que nós não sabemos se vai, embora desejemos muito, muito mesmo, que sim, fique tudo bem.

Se os incensos não forem eficientes no afastamento das más energias, ao menos deixam um cheiro bom no ar. É, por enquanto, o que posso fazer: comprar incensos via internet, acender dentro de casa, assistir lives e seguir amando as pessoas.

Para ouvir:

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O primeiro texto sobre a quarentena está aqui.

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