/o início dos porquês

André Minei
/desencanto
Published in
4 min readMay 5, 2018

“Se a pessoa, depois de fazer essa série de coisas que eu dou, se ela consegue viver de uma maneira mais livre, usar o corpo de uma maneira mais sensual, se expressar melhor, amar melhor, comer melhor, isso no fundo me interessa muito mais como resultado do que a própria coisa em si que eu proponho a vocês.”
Lygia Clark

Antes, o objetivo era formalizar o mundo existente; hoje o objetivo é realizar as formas projetadas para criar mundos alternativos. (…) Fazia sentido, antigamente, diferençar a ciência da arte, o que hoje parece um despropósito. (FLUSSER, 2007, p.31). As fronteiras do Design — se é que um dia existiram — encontram-se cada vez mais difusas. Por ímpeto ou necessidade, partimos de nosso porto seguro a explorar as mais diversas direções. Ainda que se reconheça a importância de sua afirmação como disciplina, que se pronuncia e conquista espaço entre outras mais tradicionais, como a Engenharia ou Arquitetura, é difícil negar o momento de virada em que se encontra o Design. Atualmente, percebe-se uma tendência: tanto mercado quanto academia tem se voltado para fora, ou seja, para questões (até então) alheias ao que pertence a este “campo”. Biologia, Física, Química, Matemática; Psicologia e Filosofia. São apenas algumas das áreas que, pelos antigos paradigmas, seriam consideradas distantes demais para uma atuação conjunta, ou mesmo paralela. Estavam “do outro lado da cerca”, por assim dizer. (Em tempo: para quê uma cerca?).

Para não se manter surda ao rumor da ação do tempo, toda área de conhecimento deve lembrar que o que está designado como seu domínio não passa de um recorte e uma rarefação de um saber mais amplo […] (GREINER apud GUIMARAES, 2014, p.22)

É claro, sempre houve uma tangência entre o Design e diversas áreas. Retomando os exemplos, temos a Biologia, que serviu para a aplicação em ergonomia através da anatomia; Física e Química para os materiais e técnicas de fabricação; Matemática, para as formas e proporções; além das Ciências Humanas, que serviram e servem para embasar nossos estudos e produtos. Com certa razão, a interdisciplinaridade era uma das faces mais louvadas e apreciadas no Design, mas o paradigma atual parece pedir mais.

O conceito de Translinguagem está associado ao movimento de virtualização da linguagem, onde TRANS significa “a passagem de um para outro”; no caso, de uma linguagem a outra(s). A interdisciplinaridade dá lugar à transdisciplinaridade, o conceito de territorialidade dá lugar à transterritorialidade. (ROSSI apud ZANOTELLO, 2012, p. 19). Podemos até observar os jardins distantes através das cercas. Mas transitando neles e entre eles é que se pode conhecê-los, integrá-los, ver suas cores, sentir os odores e trocar as mais variadas sementes e mudas — afinal, as plantas daqui podem ser úteis lá, e vice-versa. Olhando para os nossos quintais: não é passada a hora de remover as cercas?

O que está em marcha ante nossos olhos, esse deslocamento das coisas do nosso horizonte de interesses e a focalização dos interesses nas informações, é sem precedente na história. (FLUSSER, 2007, p.56)

As últimas décadas trouxeram o que já pode ser chamado de uma revolução tecnológica, e seus efeitos no pensar e fazer Design não poderiam ser menos que revolucionários. Novas linguagens, uma nova comunicação interpessoal e global, novos meios de fabricação, novas relações comerciais e profissionais, são apenas alguns dos efeitos — iniciais, diga-se — de uma guinada tecnológica nunca antes vista. Por sinal, o que se vê agora, de forma mais acelerada do que nunca, é a derrocada de diversos produtos, serviços, processos e relações por não acompanharem o avanço dos tempos. Basta pensar no fax (ou o próprio email), CDs ou videolocadoras, hoje largamente substituídos pelos aplicativos de mensagens instantâneas, como o Whatsapp, e serviços de streaming , como o Spotify (para música) e Netflix (para filmes e seriados) — possibilitados, todos eles, pela tecnologia e a dinâmica de redes.

A problemática da questão é resumida por uma única palavra: complexidade. Projetar para um mundo funcionando sobre os princípios de conexão, heterogeneidade, multiplicidade e ruptura a-significante, é tarefa que redefine profundamente o fazer, pede por nova cartografia. (ZANOTELLO, 2012, p. 21)

A dinâmica de redes é o conceito que permitiu a Steven Johnson relacionar cidades, cérebros, softwares e colônias de formigas em seu livro Emergência (2003).

Cidades. Cérebros. Softwares.

Formigas?

O que une esses elementos, à primeira vista tão diferentes, é a aplicação de regras simples, mas que executadas por grupos (de pessoas, neurônios, linhas de código ou formigas) formam padrões complexos. Esta é a base dos sistemas generativos:
[ambientes] onde os agentes individuais do sistema prestam atenção a seus vizinhos mais próximos em vez de ficarem esperando por ordens superiores. Eles pensam localmente e agem localmente, mas sua ação coletiva produz comportamento global. (JOHNSON, 2003, p. 54)

Aplicar este brilhante conceito é um grande desafio, mas isso já está ocorrendo. Ele já é encontrado, por exemplo, na arquitetura e design paramétricos (em que se desenha um sistema e manipula os parâmetros, em vez das formas finais), nos algoritmos usados pelas redes sociais, no urbanismo, na engenharia de tráfego, nos mais diversos aplicativos. A lista só aumenta. Desta forma, ainda que continue havendo espaço para o Design tradicional e seus produtos; se esconde na exploração, experimentação, ressignificação, fundamentalmente humanas, a sua verdadeira potência. E assim, na sua condição de atividade intrinsecamente social, deve, ou, mais que isso, necessita, acompanhar o desenvolvimento, as mudanças, as tendências da sociedade e seu “mascote” chamado tecnologia.
Caso contrário, insistiremos em projetar velozes aparelhos de fax, intrigantes encartes de CD e reluzentes fachadas para videolocadoras. Cada vez melhores, é verdade; mas obsoletos.

/se_aprochega foi uma instalação no contexto da interação pessoa — programa

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esta é a primeira parte do relatório de /desencanto, instalações interativas — orientação: prof. dorival rossi

próxima parte: /design 1.9

mais em: @o_desencanto

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