Sistemas de roleplay

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Design e Teoria dos RPGs
16 min readNov 2, 2014

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“Dungeons & Dragons games, products of your imagination!”

Esta é uma série de artigos sobre como é que jogamos RPG, vinda da nossa paixão pela criação destes jogos (e pela sua teoria).

Arte de Mike Bell para Dungeons & Dragons

Dos dois nomes que estão na capa do Dungeons & Dragons de 1974, por vezes discute-se qual terá sido o mais influente, Gygax ou Arneson? Em “Blackmoor”, o segundo suplemento destas “Rules for Fantastic Medieval Wargames Campaigns Playable with Paper an Pencil and Miniature Figures”, Gary Gygax escreve:

Dave Arneson... Is there really such a creature? Yes, Gentle Readers, there is, and shudder when the name is spoken. Although he is a man of many talents who has authored many historic rules sets and games (which TSR will be publishing periodically), Dave is also the innovator of the “dungeon adventure” concept, creator of ghastly monsters, and inscrutable dungeonmaster par excellence. He devises complex combat systems, inexplicable dungeon and wilderness areas, and traps of the most subtle fiendishness. Herein you will get a taste of these, but he never reveals all. This writer always looks forward with great anticipation to an adventure in the “BLACKMOOR” campaign, for despite the fact that I co-authored the original work with Dave, and have spent hundreds of hours creating and playing DUNGEONS & DRAGONS, it is always a fresh challenge to enter his “world”. I can not recommend him more highly than simply saying that I would rather play in his campaign than any other — that other dungeonmasters who emulate Dave Arneson will indeed improve their games.

À distância de alguém que escreve a introdução de um livro que talvez possa ser útil para um grupo que joga RPG, a pergunta retórica de Gygax — “Is there really such a creature?” — faz perfeito sentido. Falamos do homem que começou D&D antes de D&D, o “dungeonmaster” que pegou nas suas experiências de Chainmail, Braunstein, Diplomacy, entre outros, e começou uma campanha ondes os jogadores encarnaram aventureiros num mundo fantástico da sua autoria. Muito antes de D&D ser publicado, os jogadores da região do Minnesota contactaram com Arneson, aprenderam com o seu grupo e, à sua maneira, jogaram RPG. Roleplayers sem livro, “is there really such a creature?” Existirão tais criaturas?

TSR Hobbies Dungeons & Dragons Games, “Products of your imagination.” https://www.youtube.com/watch?v=NnPz4qKnLds

Poderíamos fingir que não e decidirmos que, ao perguntarmos como é que se joga um RPG, teríamos que pressupor um conjunto de instruções explícitas e usadas de modo consistente, ou seja, textos, tabelas, figuras, etc. que no seu conjunto transmitam a um grupo como é que se joga. Mas vamos antes confiar nas palavras de Gygax, considerar que muitas pessoas jogam sem nunca terem lido os livros e tentarmos então descobrir como é que qualquer RPG pode funcionar, como é que podemos interagir com o espaço imaginário partilhado (EIP), nomeadamente através de uma personagem.

Ciclos de Reincorporação

No RPG Apocalypse World, Vincent Baker propõe o seguinte:

You probably know this already: roleplaying is a conversation. You and the other players go back and forth, talking about these fictional characters in their fictional circumstances doing whatever it is that they do. Like any conversation, you take turns, but it’s not like taking turns, right? Sometimes you talk over each other, interrupt, build on each others’ ideas, monopolize. All fine. All these rules do is mediate the conversation. They kick in when someone says some particular things, and they impose constraints on what everyone should say after. Makes sense, right?

Pensar nesta conversa leva-nos a questionar exactamente como é que o tal espaço imaginário é partilhado, ou seja, como é que se distingue da imaginação que existe sempre dentro de cada pessoa. A partir de que momento um EIP poderá existir? Será no instante em que uma pessoa partilha aquilo que está na sua imaginação? Quando alguém diz, por exemplo, “do alto da falésia, os aventureiros vêm um mato cerrado escondido pelo nevoeiro e é difícil distinguir qualquer trilho”, essa verbalização é suficiente para já podermos falar de um EIP?

Sessão de Apocalypse World

Se assim fosse, estaríamos a valorizar apenas a emissão de informação sem considerarmos como esta é recebida, interpretada e utilizada. Por isso, será preferível dizermos que neste exemplo existe um EIP quando outra pessoa diz “Eu pego no mapa que encontrei na biblioteca e comparo-o com o território que temos à nossa frente tentando calcular por onde deve ser o caminho.” reincorporando aquilo que já foi dito e agindo sobre aquilo que agora sim é efectivamente um EIP. Neste exemplo, a primeira e a segunda pessoa podem na sua mente imaginar de maneira diferente aquilo que está a acontecer, mas a situação é a mesma. Nas suas imaginações, podem pintar de cores diferentes a vegetação, podem ver o vento a fazer andar o nevoeiro ou cheirarem a humidade no ar e estes detalhes não têm que coincidir. Aquilo em que coincidem é neste EIP que só existe pela relação estabelecida entre as pessoas. Conforme diz Viola Spolin no seu livro “Improvisation for the Theatre”:

Improvisation is not exchange of information between players; it is communion.

Esta comunhão é feita de um ciclo de reincorporações no qual esta ou aquela pessoa vai pegando nisto ou naquilo que outras disseram e contribuindo para este EIP tomando em conta o que vai sendo estabelecido dentro do grupo durante a sessão de jogo. Claro que a maior parte destas contribuições serão feitas oralmente, mas o meio de comunicação também pode passar por algum material de jogo, nomeadamente fichas, miniaturas, dados, desenhos, etc.

Sessão de Primetime Adventures

Aliás, não só o meio como o conteúdo de cada contribuição para o EIP pode ser bastante diferente. No artigo anterior, falei especificamente de um tipo de contributo, o roleplay definido como a interacção da personagem de um jogador com um EIP. Sem dúvida, a acção das personagens é essencial e pode ser muito eficaz na maneira como reincorpora toda uma série de coisas num instante. Note-se como no exemplo acima, uma acção bastante simples não só tem em conta o cenário à sua volta como aquilo que aconteceu numa situação anterior, bem como as competências que podem caracterizar a personagem. Uma simples frase de um jogador integra e reforça todo o EIP dentro da ficção (a falésia, a biblioteca e encontrar o caminho) e do grupo (aquilo que tu disseste e aquilo que eu me lembro que a minha personagem fez).

No entanto, o roleplay como contributo para um EIP não tem de ser sempre tão eficaz na sua reincorporação. Na secção “How to Play” das regras básicas da última edição de D&D, é proposto o seguinte:

  1. The DM describes the environment.
  2. The players describe what they want to do.
  3. The DM narrates the results of the adventurer’s actions.

Neste caso, podemos dizer que a nossa definição de roleplay eventualmente se encaixa no passo 2, mas este reduz-se a simples declarações de intenções da parte dos players. No limite, este contributo pode apenas dizer aquilo que um player quer e não aquilo que um adventurer faz. Caberá ao DM interpretar cada declaração de intenções e dela extrair uma possível acção de cada adventurer. No limite, é o DM que faz o roleplay pelos players, ou seja, é ele que interage com o EIP através do adventurer.

Nos passos 1 e 3, esta proposta também nos indica um outro tipo de contribuições para o EIP que não são roleplay, ou seja, não são feitas através das personagens. Aliás, descrever o ambiente e narrar o que acontece como resultado das acções das personagens parece englobar muitas hipóteses. Não só isso, como todos os contributos que não forem roleplay dependem de como o roleplay funciona dentro do grupo.

No caso deste D&D, se o grupo seguir à letra o “How to Play” e cada jogador só declarar o que quer, os contributos que indiquem o que cada aventureiro faz tornam-se muito mais amplos e os ciclos de reincorporação são menos frequentes. Por outro lado, se o grupo jogar mais como no exemplo apresentado acima e fizerem roleplay efectivamente agindo sobre o EIP, os contributos que digam o que resulta das suas acções são mais específicos e os ciclos de reincorporação ficam mais frequentes.

Arte de Jan Pospíšil para Hillfolk

Assim, e como seria de esperar, todos os diferentes tipos de contributo para um EIP dependem uns dos outros. Em cada momento da sessão, há sempre partes do EIP que precisam de ser preenchidas e que encaixam umas nas outras. Quem lá está a fazer o quê e em que circunstâncias? O que é que as personagens sabem ou sentem? Quanto tempo já passou? Que recursos estão ao dispor das personagens? Que perigos condicionam a sua situação? Como é o mundo visto do seu ponto de vista? Como é que o mundo as vê a elas? O que é que as personagem fazem?

Para podermos jogar, temos que arranjar uma maneira de ir descobrindo e respondendo a estas questões que são específicas a cada RPG. Dentro do grupo, poderá se entender quem deve responder a quê e até que ponto pode dizer alguma coisa ou pode ter de usar algum outro meio dentro daquilo que for o material de jogo. Implicitamente, é atribuída mais ou menos credibilidade a alguém para fazer determinado tipo de contribuição para o EIP. Esta pessoa pode dizer o que a personagem dela faz? E as consequências dessa acção? Até que ponto afectando outra personagem? Pode descrever onde se encontra? E aquilo que traz consigo? E para outras personagens que dependam dela?

Arte de Claudio Pozas para Tunnels & Trolls

A maneira como o grupo dá mais ou menos credibilidade a alguém nas suas contribuições para o EIP não tem que ser consistente. Conforme Dave Arneson demonstrou, o grupo não tem que ter explícita e pré-determinada a forma como vai jogar. Mais ou menos dependente da liderança de alguém, o grupo pode ir variando nas questões que acha interessantes bem como na avaliação que faz da credibilidade de alguém para contribuir perante elas. Às vezes esta pessoa pode descrever as consequências de uma acção, outras vezes não, ou pelo menos não com a mesma amplitude. Às vezes pode resolver dizer o que quiser sobre a relação que tem com uma personagem que depende dela, outras vezes isso pode ter de passar por outra pessoa no grupo.

Esta credibilidade pode assim variar de acordo com a situação que está a ser construída no EIP e a pessoa que pode contribuir para ela. Por exemplo, talvez o grupo ache que a Maria pode dizer ao José como é que a personagem dela afecta a dele emocionalmente, mas o contrário já não acontece, talvez porque a Maria disse que não se sente à vontade com isso. Mas, se calhar, daqui a uma hora, a Maria já se sente mais à-vontade numa determinada situação em que se encontra o EIP e afinal o José já pode fazer esse tipo de contributo. Dentro do mesmo exemplo, até essa possível parte do EIP pode vir a ser ignorada pelo grupo e nem sequer chegar a existir, nunca se levantando a questão de como uma personagem afecta outra emocionalmente.

Esta comunhão é feita de um ciclo de reincorporações no qual esta ou aquela pessoa vai pegando nisto ou naquilo que outras disseram e contribuindo para este EIP tomando em conta o que vai sendo estabelecido dentro do grupo durante a sessão de jogo.

Assim, se quisermos ser totalmente abrangentes dentro dos pressupostos estabelecidos no artigo anterior, como é que podemos considerar que se joga RPG? Talvez construindo espaços imaginários partilhados através de ciclos de reincorporação dos mais diversos contributos, dentro dos quais o roleplay é essencial. É difícil dizer algo acerca da avaliação que cada grupo faz da credibilidade que cada contribuição para o EIP tem, pois esta pode ser muito fluída, implícita e subjectiva.

Sistemas

Por outro lado, qualquer grupo tem também uma certa tendência para criar hábitos ou para procurar alguma consistência na maneira como joga de modo a que as pessoas possam gerir as suas expectativas e até conversar sobre elas. Se tiverem definido o que é que lhes interessa mais, já sabem que essas partes precisarão de ser preenchidas no EIP. Se jogarem com pessoas diferentes, necessariamente terão de estabelecer um certo funcionamento independente de quem estiver sentado à mesa.

Eventualmente, os contributos para o EIP poderão ser feitos de modo mais ou menos estruturado. Podemos perguntar quando é que alguém pode dizer o quê. Se houver uma certa ordem, já se pode falar de processos. Se houverem certos contributos que dependem sempre de outros, já se pode falar de condições. Ganha-se objectividade se toda a gente já souber que depois disto vem aquilo, que se alguém disser uma coisa então também tem de se dizer outra ou que, se esta personagem faz isto, tem estas várias hipóteses. Continua-se a jogar RPG com o tal ciclo de reincorporações, continuam a haver diferentes contributos para um mesmo EIP dentro dos quais o roleplay continua a ser central, mas tudo isto pode funcionar de modo explícito, pré-determinado e consistente.

Se assim for, poderemos estar a falar de um sistema, ou seja, de um conjunto de elementos interdependentes que formam um todo integrado e que, de acordo com a Wikipedia, tem as seguintes características comuns a todos os sistemas:

A system has structure, it contains parts (or components) that are directly or indirectly related to each other;

A system has behavior, it exhibits processes that fulfill its function or purpose;

A system has interconnectivity: the parts and processes are connected by structural and/or behavioral relationships.

A system’s structure and behavior may be decomposed via subsystems and sub-processes to elementary parts and process steps.

A system has behavior that, in relativity to its surroundings, may be categorized as both fast and strong

Deste modo, o comportamento que um grupo tiver pode definir para si próprio um propósito e uma estrutura que respectivamente determinem o que é que lhes interessa preencher no EIP (deixando o resto à imaginação de cada um) e de que modo organizam as contribuições de cada pessoa (quem pode dizer o quê, quando, como, etc.).

Sessão de Vampire: the Masquerade

Mediante estas definições, o grupo pode ter um sistema para jogar um RPG, algo minimamente completo e objectivo que funcione de modo deliberado, integrado e estruturado. Deliberado para se saber o que é que tem de fazer parte do EIP e o que é pode ficar para ser definido pela imaginação de cada um. Integrado para que os ciclos de reincorporação sejam fortes e frequentes, já que é graças a eles que um EIP pode efectivamente existir. Estruturado para que o seu funcionamento seja evidente para todos e haja margem entre o jogo em si e as pessoas que o estão a jogar.

Todos os diferentes tipos de contributo para um EIP dependem uns dos outros. Em cada momento da sessão, há sempre partes do EIP que precisam de ser preenchidas e que encaixam umas nas outras.

Organizar todas as contribuições para um possível EIP implica assim seguir o propósito, estrutura e comportamento de um sistema para arrumá-las em possíveis categorias e agrupá-las em diferentes funções que podem ser entregues a tipos diferentes de jogadores. Sobre esta distribuição dos diferentes tipos de contribuições entre as pessoas, há uma frase que costuma ser citada de Paul Czege, autor do RPG My Life With Master:

When one person is the author of both the character’s adversity and its resolution, play isn’t fun.

Este que é chamado “o princípio de Czege” é não só uma justificação bastante evidente para impedirmos que uma pessoa sozinha possa eventualmente contar uma história toda do princípio ao fim através do jogo (pondo até em causa a existência de um EIP), mas também uma possível explicação para como definimos certos papéis dentro de um jogo que esperamos ser divertido.

Arte de Kurt Komoda para Fate Core

Durante este artigo, tenho usado o termo “pessoas”, mas quero aproveitar este ponto para dizer que prefiro falar em “jogadores” sem com isso estar a pressupor qualquer separação que normalmente é feita entre “mestre-jogo” e “jogadores”. De acordo com o ponto de partida que expliquei no artigo anterior, todas as pessoas no grupo são jogadores. Dependendo do sistema, podem existir dois ou mais tipos de jogadores e estes podem rodar entre as pessoas ou serem fixos, podem coincidir na mesma pessoa, podem ser temporários ou permanentes, as possíveis variações são praticamente infinitas pois resultam da interacção que se pretende entre as diferentes contribuições para o EIP. Segundo Czege, só temos que garantir a separação entre os contributos relativos a possíveis adversidades e aqueles que determinam como é que elas se resolvem. E claro que este é só um princípio bastante genérico, cada sistema terá as suas razões específicas para organizar as suas contribuições da melhor maneira. Genericamente, o máximo que podemos dizer é que o roleplay pressupõe a existência de pelo menos um subsistema de contribuições relativas a uma personagem.

Continua-se a jogar RPG com o tal ciclo de reincorporações, continuam a haver diferentes contributos para um mesmo EIP dentro dos quais o roleplay continua a ser central, mas tudo isto pode funcionar de modo explícito, pré-determinado e consistente.

Naturalmente que um grupo pode chegar a um sistema por muitas vias diferentes e os sistemas que são vendidos como tal podem muito bem ser irrelevantes no efectivo funcionamento de um RPG na mesa de jogo. Claro que, na práctica, um livro por si só não tem credibilidade dentro do grupo, quem tem são as pessoas.

Da mesma forma que, lá porque alguém diz alguma coisa, não quer dizer que isso venha a ser reincorporado como uma contribuição para o EIP, também as instruções que estão escritas num texto, diagrama ou tabela podem ser só uma proposta sem correspondência com a maneira como um grupo joga ou podem simplesmente estar incompletas. Aliás, um caso bastante comum de instruções incompletas é o de explicitarem até com bastante detalhe como é que se processam certos lançamentos de dados, mas não dizerem quando é que são lançados ou qual é o alcance do seu resultado.

Arte de Thomas Denmark para Sorcerer

Por outro lado, um conjunto de instruções bem desenvolvidas podem levar o grupo até um sistema ao qual dificilmente chegariam sozinhos, dado que as evoluções nas maneiras de jogar das pessoas são quase sempre incrementais e aquela procura de consistência que pode existir muitas vezes acaba por não ser consequente. Para isso, um sistema vendido através de um livro precisa de ser explícito no seu propósito de modo a que possa tentar prever os comportamentos dos grupos cujas preferências se alinhem com ele. Pode também ter muitos potenciais contributos para um possível EIP, mas claro que todos eles têm que ser canalizados por alguém para se concretizarem na mesa de jogo. No fundo, um bom livro de RPG é um conjunto de propostas, instruções e ferramentas pensadas tomando em consideração o que um grupo de jogadores fará com elas, enquanto que um mau livro de RPG limita-se a juntar uma série de permissões indicando coisas que um grupo pode fazer para eventualmente chegar a um sistema com que possa jogar.

Apesar de uma maior consistência e objectividade poderem ser desejáveis, o percurso evolutivo que um grupo pode fazer tendendo para determinado sistema facilmente se complica. Se há uma orientação para um determinado propósito, há também jogadores que não sabem bem o que querem ou cujas preferências são incompatíveis. As pessoas também podem se sentir menos confortáveis com algo mais explícito e pré-determinado, nomeadamente se esta transparência implicar que têm de se expor e integrar mais no grupo, que têm de aprender algo de novo ou que têm de usar capacidades com as quais não se sentem à-vontade. Mesmo que este não seja o caso, os jogadores podem ter de gerir entre si possíveis tendências para sistemas diferentes. Podem também não ter o grau de introspecção necessário para se aperceberem que, apesar do livro que têm em cima da mesa ser diferente, há coisas que nunca mudam na sua maneira de jogar.

Genericamente, o máximo que podemos dizer é que o roleplay pressupõe a existência de pelo menos um subsistema de contribuições relativas a uma personagem.

Seja como for, um sistema é talvez a resposta mais conveniente para a pergunta inicial de como é que jogamos RPGs. Por um lado, não bastaria dizer só que depende do grupo. Por outro, se evitarmos cair numa visão demasiado estável e mecanicista, esta resposta dá-nos um degrau a partir do qual podemos colocar mais perguntas. Como é que certos propósitos se alinham com uma determinada estrutura do sistema? Até que ponto devemos ter em conta condicionantes como o número de jogadores, o tempo de sessão ou o papel de alguém que tenha de ensinar o jogo a outras pessoas? Como poderemos analisar e decompor as possíveis contribuições de cada jogador para decidirmos como as organizar da melhor maneira?

Arte de Dave Trampier para AD&D

Também, mais uma vez, confirmo que o ponto a que chegamos não é só descritivo mas também prescritivo. Não há uma resposta, mas muitas que podemos enunciar, encontrar e testar na grande variedade de RPGs que existe e dentro daqueles que podemos criar. E as respostas que escolhemos dependem não só de como compreendemos o passado e o presente dos RPGs, mas também do que desejamos para o seu futuro. Por isso, penso que devo também poder identificar o que eu pretendo com as minhas respostas:

  1. Deixar de ter pessoas fora do jogo e/ou a jogar com elas próprias.
  2. Promover uma maior variedade de sistemas efectivamente jogados.
  3. Falar de bons/maus livros e não de bons/maus jogadores.

Por este caminho, talvez um sistema em que o roleplay funcione seja então um conjunto de contribuições para um EIP deliberadamente estruturadas para interagirem entre si formando ciclos de reincorporação de acordo com o comportamento e as preferências de um grupo, algo que possa integrar subconjuntos de contribuições relativas a cada personagem. Mesmo que não seja assim, penso que já valeu a pena considerarmos esta possível resposta.

Design & Teoria dos RPGs é uma série de artigos movidos pela paixão de criar e jogar. Podem ser lidos aqui no Medium e alguns também podem ser ouvidos nesta playlist de vídeos. Partilha os teus favoritos com os teus amigos roleplayers e contacta o autor no Twitter ou através do e-mail jogadorsonhador arroba gmail ponto com.

Ricardo Tavares foi o criador do podcast “Jogador-Sonhador”, o primeiro podcast sobre RPGs em Portugal. Foi também organizador do evento criativo RPGénesis em todas as suas edições e escreveu uma variedade de RPGs, cenários e adaptações. É um dos anfitriões do grupo Roleplayers — Porto que procura promover o hobby dos RPGs nesta cidade. Fez parte da administração do site abreojogo.com (antigo RPG Portugal).

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