Semana 4 — “Peto?”, o que também pode dizer “Estamos chegando perto de desvendar o mistério?”

Seane Melo
desleiturasemsérie
3 min readNov 30, 2016
Ilustração: Brett Helquist.

Hoje se encerra a quarta semana de nossas desleituras em série e é quase difícil acreditar que já se foram sete livros! Quando pensei que poderia ser uma boa ideia refazer esse percurso e redescobrir todas as desventuras dos órfãos Baudelaire, tinha em mente principalmente a escrita surpreendente de Lemony Snicket e outra coisinha _que prefiro deixar para comentar em outro texto.

Tirando algumas poucas lembranças nítidas, o que mais me surpreendeu na releitura dos livros foi exatamente a constatação de que não me lembrava de quase nada do enredo de cada um deles. Em pesadelos, ainda podia ouvir uma multidão gritando “Queimem os órfãos!” e lembrava de uma invenção inflável que, por algumas linhas, tinha me enchido de esperança de que as crianças finalmente conseguiriam escapar do Conde Olaf, mas nenhuma dessas lembranças se casava para fechar uma história com começo, meio e fim.

Li O elevador Ersatz e A Cidade Sinistra dos Corvos pela primeira vez em 2015, com 16 anos de idade. E, para a Seane que planejava fazer jornalismo e sonhava em ser escritora, a maior delícia da série eram as grandes surpresas estilísticas que Lemony Snicket nos reservava. No sexto livro, um dos meus trechos preferidos eram as duas páginas completamente pintadas de preto para descrever a escuridão do poço de elevador em que os órfãos foram jogados. Na época, no ápice da tensão da cena _quando descobrimos que Esmé é mais que uma mulher mesquinha_ aquelas páginas inusitadas me fizeram dar boas gargalhadas em vez de me deixar triste com a queda das três crianças naquele poço escuro.

Talvez essa seja a diferença entre a Seane de 11 anos atrás e a que agora lê esses livros com peso no coração. Assim como aconteceu com Marco Rigobelli, Desventuras em Série foi o meu primeiro contato com uma literatura pós-moderna. Mas, uma vez que as surpresas com as inventividades literárias do escritor já haviam sido experimentadas, na desleitura, o que tem ficado é a história.

Lembro que, já em 2015, não conseguia evitar uma comparação entre essa série e a saga Harry Potter. Eu e meus amigos éramos apaixonados pelos livros de JK Rowling e, ao começarmos Desventuras em Série, esperávamos ter um pouco mais disso. A diferença entre as duas fez com que a maior parte deles abandonasse os órfãos Baudelaire. Para muitos, os vilões ridiculamente e indubitavelmente malvados e os personagens pastelões e equivocados que nunca tinham serventia tornavam a história muito infantil.

Em 2015, eu discordava dessa leitura e era fascinada pela ironia da escolha daquela apresentação para os personagens. Hoje, em tempos de internet, a apresentação já não parece tão exagerada. A repetição das mesmas características lembra o humor cíclico dos memes e os personagens, com seus desassossego, medo de discutir ou obsessão elevadas ao extremo, se assemelham às militâncias e aos mono temas que escolhemos. O caricato, agora, me parece um efeito que experimentamos ao nos distanciarmos um pouco para olhar de fora.

Lemony escreveu uma história em que as pessoas do nosso twitter poderiam ser personagens.

Pelo nosso cronograma, hoje (30) iniciamos a leitura do livro oito, O Hospital Hostil. Semana que vem teremos texto da Laura Mollo sobre a leitura desse livro. Em tempos tão difíceis, em que as desventuras dessas crianças parecem brincadeira perto da nossa realidade, vamos nos unir nessas leituras para tentar segurar as barras de se viver nesse mundão.

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Seane Melo
desleiturasemsérie

Jornalista e escritora maranhense, autora do romance “Digo te amo pra todos que me fodem bem”