Meu pão ao levain

Uma breve história e o link para a receita passo a passo com vídeo tutorial

Bernardo Monteiro
Diário do Pão ao Levain
6 min readJun 8, 2020

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Meu pão ao levain

Ao final deste texto, deixei um link para o meu vídeo que ensina em detalhes o preparo do pão ao levain. Mas antes, permita-me contar uma história.

Gostaria de deixar aqui alguns registros dos caminhos que percorri até chegar ao preparo do pão ao levain que agora me orgulha. Quando criei esse "Diário do Pão ao Levain" em fevereiro de 2016, pretendia contar cada dia de trabalho com o pão, ou ao menos, relatar os dias em que tivesse feito algum avanço relevante. Avancei muito, mas não publiquei o bastante para contar tudo. Nem quero contar tudo. Prefiro resumir periodicamente, consolidar as informações relevantes e quem sabe ajudar algum padeiro amador não satisfeito, como eu, com as informações e vídeos que viu na internet sobre pão.

Não digo que os instrutores na internet sejam ruins, mas sem a presença ao nosso lado de um mentor padeiro é muito difícil saber onde estamos errando, e o aprendizado pode se tornar lento e ingrato.

Ao longo de toda a minha vida tive exemplos de pessoas que trabalhavam a massa de pão fazendo maravilhas. Minha avó é costureira e por muito tempo foi a padeira da família e dos amigos. Distribuía pão a pé de sua casa no Grajaú até onde suas pernas a levassem, mas não fazia pão ao levain, que sempre foi a minha obsessão.

Conheci ainda adolescente o pão do Traiteurs de France, uma loja em Copacabana dos chefs Patrick Blancard e Philippe Brye, que fechou as portas há algum tempo. No início da década de 90 bati na porta do Traiteurs para pedir emprego. Queria aprender a cozinhar e fazer pães. Fui recusado, pois meu perfil, segundo o Philippe, era de uma pessoa que aprenderia tudo para se tornar concorrente deles depois. Aprecio a sinceridade e o pragmatismo contidos nessa justificativa.

Depois de receber outros nãos, fui admitido para trabalhar no Le Meridien Copacabana, na recepção, pois novamente avaliaram o meu perfil como inapropriado para a cozinha. Argumentaram dessa vez que os cozinheiros da época atropelariam com brutalidade a minha formação acadêmica anterior, como biólogo. Fui alocado na recepção do hotel, para usar meus conhecimentos de inglês e francês, com a condição de que me permitissem estagiar algumas poucas horas por dia na cozinha. Aprendi muito, mas nunca tive oportunidade de trabalhar na padaria do hotel.

Após alguns meses nesse estágio, iniciei um curso de cozinha no restaurante do SENAC em Copacabana, de oito horas por dia, enquanto ainda trabalhava em horário integral no Meridien, o que me fazia chegar no trabalho suado e muitos minutos atrasado, todos os dias.

Fazia pão no SENAC. Meu pão era sofrível, mas nunca fui repreendido por sua qualidade. Também, pudera… eu era teimoso demais, aprendia muito, mas questionava todas as receitas ensinadas, sempre desconfiava da qualidade do que fazíamos, e confrontava os ensinamentos do SENAC com as informações do livro de cozinha do Chef Escoffier, que eu levava embaixo do braço. Em pouco tempo meu comportamento me rendeu o apelido de Chef Desconfiê. Após 3 meses dessa jornada dupla, sem vocação para recepcionista nem interesse pela recepção, fui demitido do Le Meridien. Todos sabiam que meu interesse estava na cozinha, mas como meu salário era mais alto do que o dos ajudantes de cozinha, não era possível fazer a transferência, pois a lei impede a redução de salário na mesma empresa.

Ao saber do meu desligamento do hotel, procurei o chef Jean Yves, do Le Meridien, e pedi alguma indicação de um bom restaurante onde eu poderia trabalhar. Imediatamente ele telefonou para o chef Roland Villard, na minha presença, e me indicou como uma pessoa que sabia pouco de cozinha, mas era curioso e falava francês. O chef Roland me recebeu muito bem e por dois anos aprendi muito com ele e sua equipe. Sou muito grato a Jorge Soares, Willians Halles, Salgadinho, Eduardo, o grande Reginaldo, e vários outros cozinheiros incríveis com quem dividi a cozinha do Pré Catelan Copacabana. Mas era tanta coisa para aprender e fazer que eu não tive oportunidade de aprender a fazer pão, mas espiava a padaria sempre que podia.

Após dois anos do meu primeiro emprego de fato como cozinheiro, com a ajuda do Chef Roland fui trabalhar no Sofitel Paris Porte de Sèvres, na França, onde servíamos ótimos pães, que eu nunca cheguei a produzir.

Tive a oportunidade de trabalhar um mês no Pré Catelan de Paris, do mesmo grupo Accor, restaurante lindo, com cozinha e serviço maravilhosos. O cheiro do pão por lá me fazia suspirar. Em alguns dias fui designado para assar o pão. Era uma grande prazer, mas não cheguei a prepará-lo.

Enquanto trabalhava no Sofitel Paris Porte de Sèvres, procurei a Escola de Panificação e Confeitaria de Paris, em Bercy. Fiz um exame de admissão mais difícil do que o vestibular no Brasil, no qual não se exigia nenhum conhecimento prático ou teórico sobre o trabalho da massa de pão. Tive que responder questões de matemática, resolver séries numéricas e explicar algumas palavras da língua francesa. Fui reprovado sem direito a revisão de prova, sem divulgação das notas, sem nenhuma explicação.

Naquela época em Paris eu gostava de estudar a história da gastronomia brasileira. Li Câmara Cascudo e algumas outras fontes que consegui encontrar em uma das bibliotecas da Sorbonne. Era muito curioso. Fazia experiências com farinhas diferentes. Produzia levain de uvas, ou de mandioca, deixando esses produtos mergulhados em água até começarem a aparecer as bolhas resultantes da fermentação. Nesse estágio, eu misturava essa água com farinha e esperava a massa crescer, em uma fôrma ou tabuleiro. Quando dobrava de tamanho eu a colocava para assar. Eu não chegava muito longe quanto à qualidade do miolo, a textura, e a forma do pão, mas consegui pães com sabor e aroma incríveis, como amendoim ou cerveja.

No início eu preferia fazer pão de fôrma. Meu pão não crescia verticalmente sem as paredes que sustentassem a massa. Os alvéolos eram pequenos demais, o miolo era pesado. Eu não sabia qual era o ponto ideal de fermentação, nem como desenvolver o glúten ou em qual temperatura a massa deveria ser trabalhada. Não havia vídeos na internet explicando como fazer pão.

Passei muito tempo desanimado, sem fazer pão ao levain. Nem sempre o levain funcionava. Às vezes tinha cheiro de fermentação lática mas não crescia. Quando isso aconteceu da última vez, acrescentei uma migalhinha de levedura prensada (fermento biológico) e o levain começou a crescer normalmente.

Fiz muitas experiências com tempos diferentes de fermentação, e com temperaturas diferentes. Percebi como o ponto de fermentação influi em quanto o pão cresce dentro do forno. Descobri o que faz a pestana abrir mais ou menos, na casca. Assei pão com vapor e sem vapor. Misturei todo tipo de ingrediente. Mas demorei muito a encontrar os gestos certos de mão.

Há mais ou menos um ano descobri que não há necessidade de enfarinhar a mão e as superfícies de trabalho enquanto não se chega à etapa de dar forma ao pão: da mistura inicial de água e farinha para autólise até as dobras, passando pela sova, as mãos devem estar molhadas para não grudarem na massa. Ah, como eu penei até encontrar o vídeo da Sarah Owens que me explicou esse detalhe!

Vi muitos vídeos bacanas sobre o trabalho da massa, como os do Luiz Américo Camargo, com quem aprendi muitas coisas novas, como por exemplo forrar o banneton com toucas descartáveis, mas nenhum explica todos os detalhes importantes. Foi importante assistir muitos vídeos, ler livros e artigos. E como as fontes que eu encontrei não foram suficientes para a minha formação, acredito que mais um vídeo, feito por mim, talvez seja de alguma ajuda para você. Por isso, se você tem interesse em fazer pão ao levain, ou pão de fermentação natural, ou sourdough, sugiro clicar aqui para ver a receita e o vídeo com o modo de fazer.

Se tiver dúvidas terei muito prazer em esclarecê-las. Para isso basta escrever uma pergunta no campo para comentários ou respostas a este texto aqui, mais abaixo.

Até breve.

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