O seu trabalho precisa ser mais importante do que o seu emprego

Pedro Hutsch Balboni
Dialograma
Published in
7 min readJun 8, 2021

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Designer medroso não serve pra fazer design. Pode parecer uma frase muito dura de ser lida, mas é mais ou menos por aí.

Claro que para várias atividades de um designer, o medo pode não ser tão destruidor assim. Ao executar atividades do trabalho onde existe alinhamento e harmonia entre todos os envolvidos, o medo não chega a ter tantas consequências. Mas quando as pessoas começam a pensar um pouco diferente, ele pode ser um fator decisivo em relação ao que vai acontecer no resultado final de um trabalho.

E acredite, na grande maioria das vezes as pessoas não pensam igual, mas muitas vezes acabam preferindo deixar as diferenças de lado para preservar a aparente harmonia de um contexto.

Nessas situações, temos o medo agindo, e existe chance dos pensamentos diferentes que nem foram expostos impactarem no resultado final de uma atividade. Eu não queria usar este exemplo batido, mas ele é realmente emblemático: Imagine se o Steve Jobs não tivesse dito e defendido o que pensa, mesmo após ter sido despedido da empresa que ele mesmo criou, colocando o design como o elemento mais importante em termos de diferenciação no mercado, será que haveria surgido o iPad, iPhone e tantas outras quebras de paradigma nos devices do nosso dia-a-dia? Será que o valor de mercado da Apple seria o mesmo sem essa determinação?

Calma! Não tô sugerindo para a qualquer momento, em qualquer decisão você colocar tudo a perder e entrar em grandes embates. E muito menos para você ser alguém sem noção, que priorize as ideias e acabe desrespeitando pessoas. Existe hora e modo de brigar, o que não podemos fazer é fugir de todas as brigas, pois essa atitude é um sintoma do medo.

Até daria pra ir um pouco mais fundo nesse “medo” pra ele não ficar tão abstrato: medo de ser demitido, medo de se expor, de ser boicotado, desconsiderado… enfim, motivos pra ter medo existem aos montes. O ambiente corporativo muitas vezes é (ou parece ser) bastante intimidador. Mas provavelmente você já ouviu a historinha sobre o que acontece com um bichinho quando a gente alimenta ele, né? Ele cresce.

As pessoas em geral têm medo. Todas elas. Eu tenho medo de altura, por exemplo. Aí, resolvi praticar escalada durante um tempo, pra tentar lidar melhor com esse medo. Ele sumiu? De forma alguma! Mas foi ficando mais sutil — e hoje, anos depois, voltou a crescer, o que é muito instrutivo, pois mostra que lidar com o medo é sempre uma relação viva, você não “resolve” algo e “pronto, acabou”. Nessa época por exemplo eu entendi que os escaladores também têm medo de altura, mas um medo diferente do meu (e da maioria das pessoas).

Vamos passar pra um exemplo mais corporativo, esse eu li no livro “Oportunidades Disfarçadas”, sobre um executivo da IBM que fez uma nhaca lá pelos anos 1950, que custou uns US$10 milhões pra empresa. Quando entrou na sala do presidente Thomas Watson Jr, esperando ser demitido, ouviu dele:

“Despedi-lo? Mas nós acabamos de gastar US$10 milhões para treiná-lo.”

Tão bom ler esses causos, né? Afinal, os erros são um dos principais ingredientes que compõe um acerto futuro. No mesmo capítulo do livro, o autor cita uma frase do Michael Eisner, CEO da Disney por mais de 20 anos: “Punir um erro é estimular a mediocridade”.

E na boa? Só pra relativizar um pouco mais, pois relativizar as coisas facilita quando precisamos lidar com elas. Pare pra pensar em quantas pessoas já enfrentaram a morte ou situações extremas para levar uma ideia adiante. Quantas “propostas de redesign” sobre a maneira que encaramos o mundo não teriam sido “engavetadas” se medos não tivessem sido enfrentados? Tá bom, talvez seja um pouco de exagero trazer exemplos assim (só que não), vamos voltar pra algo mais próximo do nosso contexto.

Geralmente, é possível encontrar um momento e uma maneira de expor nossa opinião de forma construtiva, mesmo quando ela entra em dissonância com o que os outros estão pensando sobre o assunto. Um designer já deveria estar cansado de ouvir este termo, mas vou precisar repetir aqui, pois é verdade. É preciso haver muita escuta. Escuta atenta.

Com nossa escuta em campo, devemos tentar entender o que é a situação que estamos de fato vivenciando, o como ela se relaciona com o que imaginamos que seria o ideal, e o como colocar esses dois contextos, o externo e o interno, em contato. Sempre com muito tato.

E como esse tipo de situação muitas vezes gera uma espécie de conflito, lembre que ele pode ser saudável, ou não. Devemos fazer o máximo ao nosso alcance para manter os inevitáveis conflitos no campo do saudável, ao invés de evitá-los. E quando houver um conflito, encare que é basicamente um momento, uma situação de choque de contextos e visões diferentes, mas que depois dos choques os elementos que se desestabilizaram tendem a se reacomodar.

Nem sempre eles se movem, mas às vezes eles mudam de lugar, e é preciso ter atenção com isso também — até para não ser aquela pessoa chata que está sempre contestando, mas não enxerga pequenas evoluções que já ocorreram ao longo do tempo, e até por isso acaba não mudando também, quando o ideal seria se adaptar ao novo, que passa a ser o atual.

Importante ter em mente que existem guerras que devem ser travadas, outras que não. Batalhas que podem ser vencidas, outras que não. Combates em que é mais favorável que não se vença, seja para termos fôlego para outros, seja para dar fôlego para quem está no outro lado. A gente sempre vai precisar da parceria de quem está no outro lado em algum momento, pois os campos de batalha têm diversos frontes.

Inclusive, pegando carona nessa analogia bélica, evite entrar em campo desarmado, no sentido de não ter as ferramentas adequadas para lutar. Isso não tem a ver com apertar o gatilho, tem a ver com ter munição. Tirando do campo dessa analogia, se você não tiver argumentos sólidos e bem embasados, vai ser difícil sustentar um ponto de vista. Procure sempre se apoiar em informações para sua participação ser construtiva.

Olha, eu comecei falando sobre designers porque a função desse maluco tem a ver justamente com encontrar os melhores caminhos a seguir, e a conduzir todos que precisam trilhar esse caminho junto com ele. Então tem muita ligação com a natureza do trabalho dele. Mas o mesmo pensamento se aplica a qualquer profissional.

Quando o medo de perder um emprego é maior do que o impulso por realizar um bom trabalho, as chances de decisões piores prevalecerem aumentam. E na real, se você estiver pensando mais em como crescer na empresa, construir uma carreira ou algo assim, pode ser que você seja melhor sucedido nisso do que em realizar o trabalho para o qual você se predispôs a fazer inicialmente. São escolhas. Eu não gosto muito desse caminho, prefiro priorizar o trabalho que existe para ser feito, e que isso transborde para uma melhoria no meu emprego.

O seu ambiente de trabalho sempre vai saber reconhecer o seu bom trabalho no tempo certo e você nem precisa se preocupar com o seu emprego? É claro que não. Ter preocupação com nosso emprego e com nossa carreira não é apenas saudável, mas também necessário. Muitas vezes você vai precisar contar para algumas pessoas sobre coisas que você tem feito, vai precisar pedir feedback para melhorar, e vai até pedir o reconhecimento compatível com seu desempenho. Quanto mais você estiver fazendo um bom trabalho, quanto melhor estiver performando, mais fácil será conversar sobre o seu emprego.

Se mesmo assim, trabalhando direitinho (não apenas na sua opinião), o ambiente onde você estiver não souber reconhecer isso, lembre que talvez outros saibam. Vejo que o pessoal tem exagerado nessa coisa de pular de emprego pra crescer na carreira, o que nem sempre é a atitude mais construtiva, mas por outro lado é fato que a gente procura as portas abertas, e não dá pra toda hora ficar abrindo elas na marra.

Pra fechar com um final dramático, vou até acrescentar aqui que, às vezes, se você foi despedido em algum momento por insistir muito num ponto de vista que não estava sendo bem trabalhado pelo conjunto, pode ser que você tenha feito um bom trabalho, no fim das contas. O desfecho de algo é sempre uma somatória de fatores.

Tá, não vamos fechar nesse corte abrupto, vai. Foque no seu trabalho, não no seu emprego, e mesmo que você não cresça no emprego, vai crescer profissionalmente. Aí você escolhe em como empregar seu esforço da melhor forma, sem medo e, quem sabe, até com um pouco mais de coragem.

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