Coisas de esquerdista para todas as idades

Alex Xavier
Discórdia
Published in
3 min readOct 30, 2019
Mesa do Discórdia na Feira Gráfica, no Sesc Santos / Acervo pessoal

Desde que o Coletivo Discórdia começou a participar de feiras de publicações independentes, tentamos melhorar nossas estratégias de marketing. Quebramos a cabeça para descobrir o que faz de um produto um sucesso. Já baixamos preços de zines, desenvolvemos kits promocionais, distribuímos brindes e apostamos em uma apresentação mais atraente. Nada disso! Precisávamos é de um slogan, algo chamativo. E ele só surgiu no último fim de semana — sim, porque as melhores ideias esbarram na gente por acaso — , quando descemos a serra e participamos da Feira Gráfica, no Sesc Santos.

Se você já passou pela nossa mesa em um desses eventos e ficou reticente se parava ou não, com certeza, foi abordado por um de nós, tentando te convencer a ficar mais um pouco. Cada integrante tem seu estilo, mas eu fico me achando o próprio feirante empurrando banana para quem passa — imagine, não chego nem aos pés desses mestres das vendas. “Pode se aproximar e olhar com as mãos”, começo. Em seguida, dependendo do que prende o olhar do potencial cliente, apresento o coletivo ou falo de produtos específicos.

“Esse é sobre uma profissão bastante em voga no momento”, digo, por exemplo, ao mostrar o conto-crachá “Fiscal de Cu”, da Nathalie Lourenço. Repito as mesmas frases dezenas de vezes ao longo do dia, o que deve cansar os expositores das mesas vizinhas. Desculpem. Funcionou algumas vezes e adotei como fórmula. A pessoa ri, lembra de alguém que poderia seguir essa promissora “carreira”, conta uma história pessoal e acaba comprando.

Essa última feira tinha um público diferente da galera alternativona que costuma ir atrás de publicações artesanais e livros independentes. Eram frequentadores usuais do Sesc, que passavam na volta da piscina ou a caminho da comedoria, surpreendidos com as nossas banquinhas. Em especial, aposentados e pais com filhos pequenos, pessoas que nos dão pouco tempo para serem cativadas, pois logo percebem que não vão encontrar ali a biografia da Andressa Urach — juro que perguntaram — ou precisam correr para segurar as crianças mais encapetadas.

E conhecemos uma molecada ótima. Um menino passou um bom tempo olhando meu zine FilosoFILA (o desenho de uma fila interminável com pessoas refletindo sobre suas vidas) e teve paciência para explicar as piadas à mãe. Uma menina se encantou com os adesivos gulosos da Dani Rosolen e soltou os elogios mais fofos. Outro quis um dos nossos lambes só porque tinha o desenho de uma mão fazendo o sinal de positivo. “Joinha”, repetia, feliz. Levou, claro. Teve ainda o rapazinho que gostou tanto da porta poética do Eduardo A. A. Almeida que a abraçou com tudo, amassando, para desespero dos pais. Pensamos se não deveríamos criar algo para os pequenos. Assim, os adultos não se apavorariam tanto sempre que os filhos fossem direto no “Fiscal de Cu”, como aconteceu algumas vezes.

Também conversamos bastante com os aposentados, que ficavam curiosos com aquele artesanato literato. Um senhor contou que lia muito, mas, desde que sua visão foi afetada, perdeu esse hábito. Sugeri audiobooks, mas ele gosta de dar um tom próprio à leitura, algo que essas gravações não saberiam reproduzir. Um casal se interessou pelas colagens poéticas da Luci Savassa. Queriam dar para a filha. “Feministona”, justificaram, “ela vai amar”. Também passei bastante tempo tentando ajudar uma senhora que parou na nossa mesa como se fosse balcão de informações. Ela não conseguia ligar para a pessoa com quem marcou de encontrar ali. Mas foi um senhorzinho de regata, logo no início da feira, que abriu nossos olhos para um mercado a ser explorado. Depois de olhar, com cara emburrada, tudo da nossa mesa e das demais, saiu esbravejando.

— Aqui só tem coisa de esquerdista!

Achei que daria um ótimo slogan para uma próxima feira: “Coisas de esquerdista a preço de banana”. Prende a atenção e ainda afasta quem já não ia mesmo comprar nada. Como agradecimento pela iluminação, quis presenteá-lo com um Fiscal de Cu, mas o senhorzinho já havia evaporado.

Se gostou, recomende, destaque, comente.

Conheça também meu livro O Teatro da Rotina, sobre absurdos do cotidiano.

Faço parte ainda do coletivo Discórdia. Siga-nos também no Facebook e no Instagram.

Se quiser bater um papo, meu email é alex.axavier@gmail.com

--

--

Alex Xavier
Discórdia

Jornalista e escritor. Mas queria ser escritor e jornalista. Autor dos livros O teatro da rotina e Não vai dar tempo (ambos da editora Patuá)